STF retoma julgamento do ADPF das Favelas, e relator deve ajustar voto para definir ação da Polícia Federal
O relator votou no início de fevereiro e, na sequência, a análise foi suspensa a pedido dele

Foto: Antonio Augusto/STF
O ministro Luiz Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), deve fazer ajustes no voto dado no caso das operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, conhecida como ADPF das Favelas, para detalhar, dentre outros pontos, as competências da Polícia Federal no combate ao crime organizado.
A corte retoma nesta quarta-feira (26) o julgamento da ação que trata da matéria. O relator votou no início de fevereiro e, na sequência, a análise foi suspensa a pedido dele, para que os colegas pudessem refletir a respeito das propostas feitas.
O ministro considera ter feito, na ocasião, uma apresentação do voto. Agora, dará as conclusões, com todas as suas sugestões. Dentre elas, o relator trabalha nesta semana no desenho da atuação da PF quando houver investigações sobre facções criminosas com braços em mais de um estado.
Desde a sessão de fevereiro, o ministro tem recebido no seu gabinete parlamentares, representantes do Executivo do estado do Rio de Janeiro, do Ministério Público local, da sociedade civil, de movimentos sociais, de categorias profissionais, pesquisadores da área e interessados no tema aceitos no processo.
Em 26 de fevereiro, Fachin e o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, receberam o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, no Supremo. A reunião, fechada, durou cerca de uma hora.
Além de investigar o tráfico de drogas, a Polícia Federal também tem outras atribuições fora do âmbito da Justiça Federal, como apurar infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme.
A legislação, no entanto, não exclui a responsabilidade dos outros órgãos de segurança pública nesses casos quando o crime apurado não for federal.
Uma das preocupações dos magistrados é não provocar sobreposições de competências entre as polícias e não deixar margem para ingerências de uma instituição sobre outra, ao mesmo tempo em que abre um espaço mais claro para a entrada da PF em casos de facções criminosas.
Há preocupação também para não ampliar exageradamente as tarefas da PF diante de um efetivo restrito, de cerca de 12 mil agentes, e o receio de o Supremo não centralizar no Executivo federal todo o poder investigativo desse tipo de crime.
Na visão de Fachin, a postura de seguir dialogando mesmo depois do voto algo incomum faz parte do trabalho em um processo estrutural, ou seja, aqueles com grande impacto na condução de políticas públicas e com acompanhamento da corte depois da decisão dada.
Um dia após a visita da cúpula da PF, o decano da corte, Gilmar Mendes, afirmou, em uma conversa com jornalistas, que a corporação deve ter centralidade no combate ao crime organizado.
Nos bastidores, os ministros tentam costurar uma proposta que tenha baixo nível de divergência e não suscite debates muito acalorados no plenário. Desta forma, o texto final teria mais legitimidade como uma decisão da corte como um todo, institucional.
Esse é um dos processos considerados mais delicados dentro do tribunal por lidar com o problema crônico da segurança pública do Rio. Fachin destaca os avanços na redução da letalidade policial desde que o STF começou a discutir o assunto.
O Supremo, porém, vê uma posição conflitante adotada pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). Nos autos, o governo do estado se mostra colaborativo no cumprimento das decisões da corte. Em público, Castro joga para o STF a culpa pelo avanço das facções criminosas.
Na última quinta (20), um copiloto de helicóptero da Polícia Civil do Rio foi baleado na cabeça em pleno voo durante operação na Vila Aliança, zona oeste da capital fluminense. O ataque ocorreu poucos dias após um helicóptero da Polícia Civil ser atingido por disparos durante outra operação.
Há um mês, a corte publicou um texto no qual afirma não ter havido aumento de criminalidade após decisões sobre letalidade policial pouco depois de um relatório da Polícia Civil relacionar as decisões da corte a uma expansão da criminalidade no estado.
Sem citar diretamente as críticas, o texto as rebate apresentando estatísticas de quedas em diversos índices, como do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo o documento, por exemplo, houve crescimento nas mortes de policiais civis e militares em confronto no Brasil, mas, no Rio, a tendência foi em sentido oposto, passando de 22 policiais civis e militares mortos em serviço em 2019 para 11 em 2023, uma redução de 50%.
A primeira liminar no processo, alvo de críticas de autoridades do Rio, ocorreu em junho de 2020, quando Fachin determinou a suspensão de operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia de Covid-19, com permissão somente para casos excepcionais. Os ministros analisam agora o mérito do tema, para avaliar se a conduta policial viola princípios constitucionais.
No plenário, durante o voto, no início de fevereiro, Fachin abordou o tema. O relator afirmou ser errado dizer que o tribunal é o responsável pelo avanço das facções criminosas no Rio de Janeiro. Foi uma resposta ao governador e ao prefeito Eduardo Paes (PSD).
"Temos todos notícia da gravidade e complexidade das disputas territoriais, da presença de foragidos de outros estados sob proteção armada [...] Imputar problemas crônicos e de origem anterior à presente arguição a medidas impostas por esta corte consiste não apenas em grave equívoco, mas em inverdade", disse, na sessão.
A análise do processo foi iniciada em novembro de 2024, com a sustentação oral das partes envolvidas. A ação é movida pelo PSB e corre no Supremo desde 2019. No caso, o plenário deve estabelecer, de forma definitiva, novos procedimentos para o uso de força das polícias nas comunidades do Rio de Janeiro.
Desde 2020, o Supremo aplicou uma série de mudanças na estrutura das forças de segurança e em normas e procedimentos para uso da força policial em comunidades do Rio de Janeiro.
As decisões foram tomadas por Fachin e, em sua maioria, foram referendadas pelo plenário do Supremo. Elas previam, entre outros pontos, o uso de câmeras e GPS nas fardas dos policiais; a criação de um plano de redução da letalidade policial; e o aviso prévio às autoridades da saúde e educação sobre operações em comunidades.