STJ permite que mãe entregue filho para adoção sem consentimento do pai
Para os ministros do STJ, o sigilo sobre o nascimento e a entrega voluntária da criança para adoção é um direito garantido à genitora
Foto: Arquivo/Agência Brasil
A Terceira Turma do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) autorizou uma mãe a entregar o filho para a adoção sem consultar parentes e o pai do bebê. Decisão inédita no Brasil e por unanimidade. Entendimento do STJ foi a favor de uma assistida da Defensoria Pública em Divinópolis, em Minas Gerais, que fez o pedido de sigilo para que o nascimento e a entrega voluntária para adoção de seu filho se dessem sem o conhecimento do suposto pai - com quem não havia união formal ou estável - e da família ampla.
Direito garantido por lei. Para os ministros do STJ, o sigilo sobre o nascimento e a entrega voluntária da criança para adoção é um direito garantido à genitora pela Lei 13.509/2017. O colegiado entendeu que o direito da mãe biológica ao sigilo é fundamental para garantir sua segurança e tranquilidade desde o pré-natal até o parto, protegendo o melhor interesse do recém-nascido e assegurando o respeito à vida e à convivência familiar afetiva.
Imbróglio jurídico. Em primeiro grau, a Justiça já havia homologado a renúncia da mãe e encaminhou o filho recém-nascido para adoção, já que ela não queria que seus parentes fossem consultados sobre o interesse em ficar com a criança, preferindo que tudo permanecesse em sigilo.
O Ministério Público, no entanto, recorreu da decisão. Na peça, o MP alegou que, embora a mãe biológica tenha pedido o sigilo, a família deveria ser consultada antes de qualquer decisão, em respeito ao direito do menor de conhecer e conviver com seus parentes.
Justiça acatou pedido do MP. Ao revogar a decisão, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou que, antes do encaminhamento da criança para adoção, fossem esgotadas todas as possibilidades de sua inserção na família natural. O tribunal entendeu que "a adoção é uma medida excepcional e irrevogável, devendo ser aplicada apenas quando não há alternativas dentro da família extensa, conforme os princípios de proteção integral e prioridade absoluta previstos na Constituição Federal e no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]".
Em nome da mãe do recém-nascido, a Defensoria Pública recorreu ao STJ. O órgão argumentou que o direito ao sigilo deveria ser estendido a todos os membros da família biológica e ao pai, conforme a vontade da mãe. Segundo o recurso, apenas quando não há solicitação de sigilo é que a família extensa deve ser consultada sobre o interesse de ficar com a criança. O termo "família extensa" é usado para se referir a o grupo de parentes que se estende para além da família nuclear, composta por pais e filhos.
A mãe afirmou aos defensores que não poderia ficar com a criança. Ela destacou que, desde o momento em que ficou sabendo da gravidez, teve ciência que não poderia cuidar de mais uma criança, diante de suas condições financeiras. "A forma como ganho dinheiro é fazendo minhas faxinas, como eu iria trabalhar nelas tendo um bebê e não tendo ninguém para me ajudar a cuidar dele?", afirmou, segundo a Defensoria Pública de Minas Gerais.
A mulher também relatou que não poderia deixar a criança com a família. Sobre a hipótese de deixar seu filho sob os cuidados de sua família, ela revelou "jamais ter cogitado", pois, segundo ela, sua mãe não cuidou dos próprios filhos e tem 12 netos com os quais não tem qualquer vínculo afetivo. Já suas duas irmãs têm "casamentos ruins" e situação financeira complicada, afirmou.
DIREITO AO SIGILO
Direito ao sigilo garantido por lei. O ministro Moura Ribeiro, relator do caso, destacou que a Lei 13.509/2017 introduziu no ECA o instituto da "entrega voluntária", previsto no artigo 19-A, permitindo que a gestante ou parturiente, antes ou logo após o parto, opte por entregar judicialmente o filho para adoção, sem exercer os direitos parentais.
Relator diz que abordagem é humanizada. Moura Ribeiro argumentou que essa nova abordagem oferece uma alternativa mais segura e humanizada, voltada para a proteção da vida digna do recém-nascido e para evitar práticas como o aborto clandestino e o abandono irregular de crianças. O magistrado destacou que, antes dessa inovação no ECA, o ordenamento jurídico exigia procedimentos complexos para a entrega de crianças para adoção, como a identificação completa dos pais e o reconhecimento de paternidade, o que muitas vezes levava ao abandono ilegal para evitar constrangimentos ou até responsabilização criminal.
Princípio do melhor interesse da criança pode ser interpretado de diferentes formas. O ministro afirmou que o direito da criança à convivência familiar, preferencialmente com a família natural, não entra em conflito com a entrega voluntária para adoção, quando a mãe opta pelo sigilo do nascimento. Na decisão, ele ressaltou que, embora a adoção só deva ocorrer depois de frustradas as tentativas de manter a criança na família natural, essa solução nem sempre atende ao melhor interesse do menor, já que, muitas vezes, ele enfrenta situações de abandono, agressões e abusos no ambiente familiar em que nasceu, sendo necessária uma intervenção imediata para garantir o seu bem-estar.
Adoção visa assegurar o direito fundamental à convivência familiar e comunitária. Segundo o relator, conforme estabelecido na Constituição e no ECA, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, por ser indeterminado, pode ser interpretado de diferentes formas, dependendo da situação concreta.
"O instituto agrega, ao mesmo tempo, o indisponível direito à vida, à saúde e à dignidade do recém-nascido, assim como o direito de liberdade da mãe", disse Moura Ribeiro. Segundo ele, a entrega da criança às autoridades e instituições competentes dará a ela a chance de conviver com uma família substituta, e a genitora "terá a liberdade de dispor do filho sem ser prejulgada, discriminada ou responsabilizada na esfera criminal", disse Moura Ribeiro, ministro do STJ.
O QUE DIZ A LEI
O artigo 19-A estabelece que, ao entregar um recém-nascido para adoção, a mãe deve buscar alternativas na família extensa, ou seja, parentes como avós, tios, entre outros, para checar se alguém pode cuidar da criança. Se os familiares não souberem da gravidez, a adoção pode ser feita sem consultá-los.
O ministro Moura Ribeiro, afirmou em seu voto que "no caso concreto, o estudo social realizado com a mãe concluiu que a decisão de entrega do seu filho para adoção foi refletida e madura, se baseou em argumentos lógicos e concretos, no exercício livre e responsável de sua autonomia como mulher madura e ciente das suas obrigações e de que também não poderia, mesmo se quisesse, contar com a família extensa da criança".
A defensora pública Karina Roscoe Zanetti, afirmou que é preciso respeitar o direito de sigilo da mãe, a entrega legal e, principalmente, o direito de privacidade. "Conseguimos garantir isso por meio da decisão do STJ, que entendeu e adotou a melhor interpretação possível da lei. E esta decisão agora torna-se um parâmetro nacional de respeito àquela mãe que, normalmente, desconhece este direito", enfatizou.
Segundo Karina Zanetti, a entrega legal dificilmente é feita por uma família estruturada e é mais comum entre mães hipossuficientes, que não têm certeza de quem é o pai ou não querem revelar a paternidade. "Com esta decisão, mulheres que se encontram nesta situação sabem que poderão ser acolhidas no judiciário e não sofrerão um escrutínio geral de sua vida", completou a defensora pública.