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Teste de saliva para endometriose é considerado promissor, mas há ressalvas

A tecnologia está disponível em 80 hospitais participantes de um estudo, e fornece o resultado em 10 dias ao custo de 839 euros (cerca de R$ 5.100)

Por FolhaPress
Ás

Teste de saliva para endometriose é considerado promissor, mas há ressalvas

Foto: Imagem ilustrativa/Pexels

Um teste de saliva que permite diagnosticar a endometriose começou a ser reembolsado pelo governo francês para 25 mil pacientes acima dos 18 anos este mês, ainda em estágio experimental para que a sua utilidade clínica seja comprovada. A tecnologia está disponível em 80 hospitais participantes de um estudo, e fornece o resultado em 10 dias ao custo de 839 euros (cerca de R$ 5.100).

A Autoridade Nacional de Saúde Francesa emitiu o parecer para o reembolso com base em resultados clínicos que mostraram um bom desempenho diagnóstico da tecnologia uma sensibilidade de 96% e uma especificidade de 95%, considerada inovadora por especialistas, que, no entanto, fazem algumas ressalvas.

A endometriose é uma doença cujo tempo médio de diagnóstico é de nove anos, e, por isso, um teste rápido, confiável e não invasivo seria um grande avanço. A doença é caracterizada pelo crescimento do tecido endometrial fora do útero, o que pode levar a sintomas como cólicas intensas, dores abdominais e pélvicas, além de dores nas relações sexuais, dentre outros.

Apesar de a incidência ser considerada alta estima-se que uma a cada dez mulheres, a inespecificidade da doença, a normalização de dores por parte das mulheres e a falta de investimentos em pesquisas são barreiras que dificultam a vida das pacientes. Hoje, as ultrassonografias e a ressonância magnética são as ferramentas usadas para o diagnóstico. O Endotest, da biofarmacêutica Ziwig, poderia funcionar como uma terceira linha, após exames clínicos e de imagem.

O teste foi possível após a descoberta de uma assinatura molecular da doença, de microácido ribonucleico (microRNA) baseada em saliva, em 2022, com a ajuda de inteligência artificial. Em estudo publicado pela revista New England Journal of Medicine Evidence (NEJM Evidence) no ano seguinte, os pesquisadores analisaram 200 pacientes, com diagnóstico ou suspeita de endometriose, e conseguiram identificar a doença com 97% de certeza nas que tinham e distinguir aquelas com dor pélvica que não tinham endometriose.

Por ser um teste feito com base em microRNAs, no entanto, a falta na variedade de etnias das pacientes pode comprometer os dados sobre a eficácia geral da tecnologia, uma vez que há uma variação de microRNAs conforme a etnia. Essa é uma das limitações do estudo, afirma Márcia Mendonça Carneiro, vice-presidente da Comissão Nacional Especializada da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

Para a validação desse teste, seria importante, então, ampliar o número de pessoas estudadas. Das 25 mil pacientes que podem acessar o teste na França, 2.500 estão incluídas em nova pesquisa. "Você tem que ter um estudo com o maior número de pessoas, de mulheres, para a gente ter uma análise melhor da confiabilidade, e colocar mulheres de outras localizações geográficas, ver pessoas assintomáticas", afirma. "Tem muitas perguntas a ser respondidas antes que a gente coloque isso na prática clínica", acrescenta.

Outra questão apontada é o conflito de interesses no estudo publicado pela NEJM Evidence, que teve financiamento da farmacêutica desenvolvedora do teste. Além disso, alguns dos autores são consultores da empresa, o que embora não anule a efetividade do Endotest, reforça a necessidade de mais estudos para comprovar a aplicabilidade, especialmente nos sistemas públicos de saúde.

Uma terceira ressalva apontada por Marcos Tcherniakovsky, diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Endometriose, diz respeito aos ainda altos custos do teste.

"É um teste promissor, mas por enquanto não acessível do ponto de vista financeiro. Hoje eu tenho ultrassom com preparo intestinal e ressonância magnética que diagnosticam e falam exatamente onde está a doença e como ela é, e os convênios já cobrem esse tipo de exame".

O especialista também diz que, embora os estudos estejam se encaminhando para uma fase de inclusão de mais países para a checagem da eficácia em outras populações, o teste deve ainda ser olhado com cuidado, especialmente ao juntar saúde pública e privada. "A coisa é boa quando é para todo mundo, não para um grupo pequeno de pessoas ou de pessoas que podem pagar 800 euros."

Apesar disso, a iniciativa pela busca de um diagnóstico precoce e não invasivo para a endometriose é positiva. Diversos estudos já foram feitos para tentar o resultado através do exames de sangue, mas encontrar o financiamento para esse tipo de pesquisa ainda é difícil, afirma o ginecologista especializado em endometriose Patrick Bellellis, colaborador no Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo).

Embora a condição seja comum e reúna registros que remontam à Antiguidade, os investimentos em torno dela ainda são escassos. Um artigo publicado em revista científica aponta que o financiamento de pesquisa para endometriose é limitado: enquanto os Estados Unidos investem cerca de US$ 16 milhões (cerca de R$ 79,7 milhões) em pesquisas sobre a condição todos os anos, comparativamente, a doença de Crohn, que afeta uma em cada 100 pessoas recebe US$ 90 milhões (cerca de R$ 448 milhões).

Existe ainda uma confusão entre a endometriose e uma condição chamada "histeria", que é um nome derivado do termo grego para "útero". Um estudo de representações de dores pélvicas na literatura médica concluiu que muitos casos descartados como "histeria" podem ter sido causados por endometriose.

"Se a gente tivesse mais instituições que levassem a consideração à saúde da mulher, mais agências de fomento que levassem a consideração à saúde da mulher, facilitaria, sem dúvida alguma", afirma Bellellis.
 

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