Tragédias causadas pelas chuvas em Salvador evidenciam racismo ambiental e a urgência de ações de prevenção
Em entrevista ao Farol da Bahia, arquiteto e urbanista alertou para responsabilidade do poder público
Foto: Divulgação/GOVBA
Entra ano e sai ano, os períodos de fortes chuvas em Salvador são marcados pelo mesmo cenário: enchentes, alagamentos e deslizamentos de terra, especialmente nos bairros mais pobres da cidade. O episódio mais recente ocorreu na quarta-feira (27), quando um deslizamento em uma área de encosta, entre os bairros de Saramandaia e Pernambués, resultou na morte de um jovem de 23 anos e deixou um corpo soterrado entre os escombros por mais de 36 horas.
Ao todo, foram cinco vítimas soterradas: uma morreu, três foram resgatadas e a quinta, um jovem de 18 anos, segue soterrada até o fechamento desta reportagem.
Além de reforçar o racismo ambiental – caracterizado pelas injustiças sociais e ambientais que afetam de forma sistemática populações mais vulneráveis –, esses casos alertam para a necessidade de o poder público adotar medidas mais efetivas para prevenir as tragédias causadas todos os anos pelas chuvas no município.
Em entrevista ao Farol da Bahia, o arquiteto e urbanista Marcos Antônio Pinto Guerra explicou que a intensidade das chuvas tem efeitos consideráveis em Salvador, uma vez que a cidade tem uma topografia irregular, com destaque a falha geológica que deu origem ao relevo em degraus, separando fisicamente a Cidade Alta da Cidade Baixa.
Segundo ele, é necessário que a Prefeitura de Salvador realize um trabalho constante de prevenção de desastres, contando com estudos precisos do solo, pois a falta de ações adequadas e o planejamento urbano desordenado contribuem para cenários propensos a tragédias.
"Ao observar os recentes desastres, é possível destacar que a maioria das áreas desordenadas é caracterizada por intervenções realizadas sem a devida geotecnia e estudo do solo, além da falta de um profissional habilitado para responder sobre essas questões", disse o especialista.
"Salvador apresenta uma topografia muito irregular. Em decorrência disso, a cidade é prejudicada quando é atingida por fortes chuvas. O acúmulo de água nas encostas desestabilizou a área de Pernambués, o que causou o deslizamento de terra. Não adianta investir em encostas se as edificações não têm a segurança necessária em termos de geotecnia, estrutura e projeto”, completou.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que Salvador lidera o ranking nacional de cidades com maior número de pessoas vivendo em áreas de risco, com 45,5% da população nessa condição.
Para Marcos Antônio, o número reforça a necessidade de uma maior fiscalização por parte do poder público nessas áreas. Além disso, o arquiteto e urbanista pontuou a falta de obras de micro e macrodrenagem na capital baiana, além de serviços de limpeza de córregos e canais.
“A Prefeitura de Salvador carece de uma fiscalização mais rigorosa na liberação dessas edificações. Quanto aos serviços urbanos, especialmente no que se refere à macrodrenagem, é fundamental que a limpeza dos canais seja realizada com antecedência para evitar a redução da capacidade de drenagem da água”, afirmou o urbanista.
“Houve um índice pluviométrico elevado nesta semana, mas esse problema é agravado pelas necessidades estruturais da cidade. Além da limpeza dos canais, é preciso um controle rigoroso sobre as construções desordenadas, com fiscalizações contínuas. As habitações precisam ser seguras”, reforçou.
Áreas Verdes e crise climática
A desafetação de áreas verdes em Salvador tem sido alvo de críticas, pois contribui para o agravamento da crise climática e a diminuição da qualidade de vida no município.
De acordo com o arquiteto e urbanista Marcos Antônio Pinto Guerra, a capital baiana precisa preservar as áreas verdes.
Ele destacou ainda que é fundamental que os políticos se atentem à responsabilidade do governo municipal em implementar ações que mitiguem os impactos das mudanças climáticas, ao invés de promoverem iniciativas que prejudiquem o meio ambiente.
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"É preciso que as autoridades acompanhem e respondam às mudanças climáticas. É preciso questionar: o que a prefeitura está fazendo para mitigar esses impactos? No caso da atuação da Codesal, por exemplo, as sirenes por si só não resolvem os problemas estruturais de Salvador", disse o especialista.
"No entanto, o poder político muitas vezes se sobrepõe ao conhecimento técnico dos arquitetos e urbanistas. Se elaboramos projetos que defendem a preservação de áreas verdes, por exemplo, por que tantas desafetações?", continuou.
Volume de chuvas
Em todo o mês, o acumulado de chuva na capital baiana é de 322,3 milímetros. Esse é o novembro mais chuvoso desde 1961, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Em uma recente entrevista coletiva, o prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil), minimizou as tragédias ocorridas durante o período de chuvas e afirmou que episódios como o registrado na quarta-feira são reflexos das condições naturais da cidade. Contudo, ele ressaltou que a gestão tem investido em ações para minimizar os danos e salvar vidas.
O Farol da Bahia solicitou à Defesa Civil de Salvador (Codesal) informações sobre as ações de prevenção a tragédias naturais, mas ainda não obteve retorno.