TRF determina que agente da ditadura continue a responder pelo crime de ocultação de cadáver
Ex-médico é acusado de auxiliar na ocultação do cadáver de um militante durante a ditadura militar
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Foto: Divulgação
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) decidiu que o ex-médico legista José Manella Netto, acusado de falsificar o laudo necroscópico do militante político Carlos Roberto Zanirato, continuará respondendo à denúncia do Ministério Público Federal (MPF) pelo crime de ocultação de cadáver.
Manella Netto, que era integrante do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo durante a ditadura militar, é acusado de omitir que Zanirato havia sido torturado, além de esconder a sua identidade, o que contribuiu para a ocultação do cadáver da vítima, cujos restos mortais nunca foram encontrados.
Zanirato morreu em 29 de junho de 1969, quando estava sob custódia de agentes da repressão. O militante foi empurrado contra um ônibus que passava na Avenida Celso Garcia, na zona leste de São Paulo. O laudo de Manella Netto, também assinado pelo médico já falecido Orlando Brandão, valida a versão oficial de que Zanirato teria cometido suicídio ao saltar na frente do veículo.
No entanto, o documento oculta uma série de lesões que não poderiam ser advindas do atropelamento, mas de agressões anteriores. Além disso, mesmo tendo seu nome completo na requisição de exame, Zanirato foi considerado um "desconhecido" no relatório do IML. Assim, o militante foi enterrado como "indigente".
O MPF, em sua manifestação junto ao TRF3, apontou que o crime de ocultação de cadáver continua em curso, pois a violação ao bem jurídico (sentimento de respeito aos mortos) ainda persiste. Assim, o crime não seria alcançado pelos efeitos da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979).
Em julgamento realizado no último dia 21, o Tribunal concordou com o entendimento de que o processo contra Manella Netto não fere a decisão do STF na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, que considerou constitucional a Lei da Anistia. De acordo com TRF3, o crime de ocultação de cadáver só prescreve após oito anos do corpo localizado, o que não ocorreu até hoje.
Relembre o caso
Carlos Roberto Zanirato era soldado em 1969, quando abandonou o Exército para integrar a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Ele foi capturado pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury e se tornou o primeiro militante sob custódia do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP) a desaparecer.
Zanirato sofreu diversas torturas, até ser encaminhado ao local onde teria um encontro com outro membro da VPR, onde acabou lançado contra o ônibus. Não houve perícia sobre o atropelamento nem fotos da ocorrência.
Para o MPF, o fado de que Zanirato entrou no IML com o nome verdadeiro e a saiu como 'desconhecido' é prova incontestável de que houve participação de Manella Netto no crime, a fim de ocultar as marcas de tortura sofridas pela vítima, bem como a sua verdadeira identidade. “As marcas de tortura eram o motivo pelo qual os militares não queriam que o corpo fosse visto pelos familiares”, afirmou o MPF.
O ex-médico chegou a ter o exercício profissional cassado após responder a um processo disciplinar no Conselho Regional de Medicina de São Paulo, em 1994. Ao longo do processo, Manella Netto admitiu que o atropelamento não poderia ser apontado como a causa de alguns ferimentos do corpo de Zanirato e reconheceu a presença de sinais de agressões.