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USP recebeu 204 recursos de candidatos que tiveram autodeclaração racial negada neste ano

Universidade não informou se o número de requisições registradas neste ano é maior do que em 2023.

Por FolhaPress
Ás

USP recebeu 204 recursos de candidatos que tiveram autodeclaração racial negada neste ano

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A USP (Universidade de São Paulo) recebeu só neste ano 204 recursos de candidatos que tiveram a autodeclaração racial negada ao concorrer às 2.067 vagas reservadas para pretos, pardos e indígenas que estudaram em escolas da rede pública.

A Folha teve acesso a um documento da universidade com a lista dos candidatos que recorreram ao ter a autodeclaração negada. Segundo a reitoria da USP, dos 204 recursos apenas 51 foram deferidos, ou seja, os alunos tiveram a sua pertença racial aprovada.

A universidade não informou se o número de requisições registradas neste ano é maior do que em 2023.

Conforme mostrou a Folha, ao menos dois estudantes processaram a universidade nesta semana por terem perdido as vagas nas quais foram aprovados após uma comissão decidir que eles não são considerados pardos.

Um grupo formado por quase cem estudantes que perderam a vaga por terem tido a autodeclaração negada também se mobiliza para entrar com uma ação coletiva contra a universidade.

Em nota, a USP defendeu o modelo que adota para a política de cotas e para a avaliação dos candidatos. "O desenho da política tem revelado a sua eficácia, respondido às metas e mostrado que os critérios acordados não se confundem com um tribunal racial, mas com a efetividade de uma política pública fundamental para o Brasil."

Uma das últimas universidades públicas do país a adotar cotas raciais, a USP reserva 50% das vagas dos cursos de graduação para alunos que estudaram na rede pública. Dessas vagas, 37,5% são destinadas para candidatos autodeclarados PPI (pretos, pardos e indígenas).

A USP também foi uma das últimas instituições a criar uma comissão de heteroidentificação. Essa comissão é formada por um grupo de pessoas que afere a autenticidade da autodeclaração racial dada pelos alunos que ingressam na universidade por meio do sistema de cotas.

A análise é estritamente fenotípica, ou seja, considera apenas as características físicas do candidato, como a cor da pele, os cabelos e a forma da boca e do nariz.

A USP estabeleceu que a primeira avaliação da autodeclaração é feita apenas por uma fotografia do rosto. Se essa primeira análise for rejeitada, os candidatos são convocados para uma oitiva presencial ou virtual.

Neste ano, a USP definiu que candidatos selecionados pelo Provão Paulista e Enem teriam a autodeclaração racial aferida de forma virtual. Já os aprovados pela Fuvest, vestibular próprio da universidade, têm a averiguação feita presencialmente.

Os dois estudantes que processam a universidade foram aprovados pelo Provão Paulista e argumentam que foram prejudicados pela avaliação virtual. A defesa dos jovens alega que a diferença no processo é inconstitucional por não garantir isonomia aos candidatos.

Como a avaliação leva em consideração apenas os aspectos físicos, eles alegam que foram prejudicados por não terem sido analisados de forma presencial.

"Não há dúvidas de que a oitiva virtual prejudica o candidato que tem sua autodeclaração não confirmada, pois presencialmente os membros da comissão têm a real possibilidade de averiguar os aspectos fenotípicos que o tornam apto à vaga reservada pelas cotas raciais", argumentou a ação impetrada por um dos estudantes.

Glauco Dalalio do Livramento, 17, foi aprovado na primeira chamada para a Faculdade de Direito, uma das mais tradicionais e concorridas do país. Ex-aluno de escola pública, ele se autodeclarou pardo e disputou pelas vagas reservadas às cotas raciais.

A comissão, no entanto, decidiu que ele não é considerado pardo. Após a análise da fotografia e de uma avaliação virtual, a banca emitiu um parecer afirmando que "o candidato tem pele clara, boca e lábios afilados, cabelos lisos, não apresentando o conjunto de características fenotípicas de pessoa negra."

Questionada sobre o motivo de não garantir a avaliação presencial para todos os candidatos, a USP disse que "isso demandaria um calendário de bancas de heteroidentificação incompatível com o calendário dos vestibulares do Enem, das universidades paulistas e do Provão Paulista".

Também defendeu que a averiguação online ocorre para evitar prejuízos aos que moram fora de São Paulo. "Teríamos muitos candidatos viajando para São Paulo sem matrícula efetivada e sem uma resposta definitiva das bancas de heteroidentificação, o que acarretaria prejuízo para os candidatos", disse em nota.

A universidade afirmou ainda que o formato diferente utilizado para averiguar a autodeclaração dos candidatos não fere a isonomia do processo. "Nas versões virtuais, a banca de heteroidentificação toma todo o cuidado para que a visualização das características fenotípicas seja feita de maneira adequada, pedindo, por exemplo, para que os candidatos mudem a posição do corpo e procurem lugares com melhor iluminação. Tudo para garantir a isonomia da oitiva", disse em nota.

Como é a análise na Unesp e na Unicamp?

Nas outras duas universidades estaduais paulistas, Unesp e Unicamp, o processo de averiguação das comissões de heteroidentificação é o mesmo para todos os candidatos independentemente do processo seletivo do qual participaram.

Na Unesp, um estudante só tem sua autodeclaração rejeitada após uma análise presencial.

Já na Unicamp, desde a pandemia, o processo de todos os candidatos é feito a distância, com análise de fotografia e, se necessário, com avaliação por vídeo.

As bancas de heteroidentificação são uma demanda do movimento negro e recomendadas pelos órgãos de controle, como o Ministério Público, para coibir fraudes na política de cotas. Das três universidades paulistas, a USP foi a última a formar uma comissão desse tipo --e só fez após a Defensoria Pública ingressar com uma ação judicial.

A Unesp e a Unicamp informaram que as comissões fizeram com que os casos de fraude diminuíssem nos processos seletivos. Nas duas instituições, cerca de 90% dos candidatos avaliados têm a autodeclaração validada.

A Folha questionou a USP sobre quantos candidatos tiveram a autodeclaração negada no ano passado, mas a universidade não respondeu.

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