Venezuelanos adotam PIX e têm cidade com 5 vezes mais usuários do sistema do que habitantes
Cidade em Roraima é o principal local em que venezuelanos entram no Brasil e, após saberem do PIX, o município foi um dos que mais aderiu a forma de pagamento

Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
Pacaraima, cidade do extremo Norte de Roraima que faz fronteira com a Venezuela, com cerca de 19 mil habitantes, possui 5 vezes mais usuários mensais de PIX do que moradores. Segundo um estudo lançado em 2025 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), baseado em dados do ano passado, cerca de 106 mil pessoas utilizam a ferramenta.
O levantamento "Geografia do PIX", da FGV, concluiu que Pacaraima teve uma taxa de adesão do PIX de 550%. A pesquisa mapeou todo o Brasil, calcula os usuários com base na área geográfica, que utiliza esse meio de pagamento gerado pelo Banco Central.
A explicação do responsável pela pesquisa, Lauro Gonzalez, para a grande adesão do PIX no município: os números é devido a grande movimentação de venezuelanos que cruzam a fronteira, para morar ou somente fazer compras, e utilizam o PIX com frequência. Há também que utiliza esse método de pagamento do outro lado da fronteira.
O comerciante venezuelano David Garcia, de 32 anos, reside em Santa Elena do Uairén, mas sempre está em Pacaraima para negociar produtos. Ele possui CPF, conta bancária no Brasil e afirmou que o principal método de pagamento que ele mais usa diariamente é o PIX.
“É mais rápido, mais seguro. A gente não precisa carregar tanto dinheiro. Em Santa Elena, também estão se acostumando a usar PIX mais do que dinheiro vivo”, disse.
Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV e responsável pela pesquisa, salienta que existe diversos venezuelanos com documentação regular no país. Esses estrangeiros usam o PIX mesmo do outro lado da fronteira, em Santa Elena do Uairén, cidade vizinha de Pacaraima.
“Tem muita gente da Venezuela usando PIX tanto quanto os brasileiros. Já virou rotina. Em Santa Elena, cidade vizinha do lado venezuelano, alguns comércios até aceitam PIX”, disse Gonzalez.
O PIX como principal meio de pagamento ocorre mesmo com desafios constantes como a internet, dificuldade do uso por pessoas mais velhas e o receio de fraudes.
'Quase não se vê mais dinheiro físico'
O cabeleireiro venezuelano John Peter, de 30 anos, recomeçou a vida em Pacaraima há cerca de dois anos, e 70% dos pagamentos é via PIX. Ele trabalha atendendo migrantes e brasileiros.
Ele disse que "quase não se vê mais dinheiro físico" em Pacaraima. “Às vezes o sinal da internet atrapalha, mas hoje quase todo mundo tem celular com PIX", contou.
Porém, nem todos são favoráveis ao PIX. A comerciante brasileira Antônia Florinda, de 70 anos, possui um restaurante que funciona no centro da cidade há cerca de 20 anos e afirma que tem "pavor de PIX".
“Não sei mexer com isso, tenho medo de golpe. Quem cuida é minha filha. Mas o povo só quer pagar com PIX hoje em dia”, relatou.
Dificuldades do PIX em Pacaraima
O PIX é bastante popular em Pacaraima, contudo, ele possui um problema constante: a instabilidade da internet. Apenas no ano passado, Roraima ficou totalmente offline quase 17 vezes. Neste ano, pelo menos três apagões de internet foram apontados.
A instabilidade ocorre devido ao rompimento da fibra óptica. Quando isso acontece, quem reside no estado tem dificuldade entrar em sites, realizar transações bancárias pelo aparelho celular e utilizar serviços de telefonia, que estejam apresentando instabilidade.
O comerciante Rômulo Sousa, de 32 anos, declarou que, devido a essas instabilidades, o dinheiro físico se torna mais fácil, ainda que ele reconheça os benefícios que o PIX trouxe ao comércio.
“Se a internet cai, não tem como fazer PIX nem usar cartão. Isso atrasa o atendimento, gera fila, confusão. Quando o Wi-Fi funciona bem, até dá para usar, mas aqui não é sempre”, contou.
Como é realizado o cálculo
O cálculo da taxa de adesão do PIX em Pacaraima é feita pela número de usuários que moram na região e usaram o serviço pelo menos uma vez no mês, divida pelo total da população da mesma região. No ano passado, a média da cidade foi de 106.104 usuários mensais, 457,89% a mais que seus 19.305 habitantes apontados no último Censo do IBGE.
Segundo a pesquisa as transações por usuário em Pacaraima é de 31 a média. E o valor médio das transações no município é de R$ 119. Se comparar com a cidade de Niterói no Rio de Janeiro com 481.749 habitantes, utilizada como exemplo no levantamento, Pacaraima ultrapassa com 550% de adesão.
A pesquisa ainda revela a taxa de adesão por regiões no Brasil. O Sudeste e Centro-oeste tiveram os maiores índices. A média nacional foi de 63%. O Piauí é o que teve a menor adesão, enquanto o Distrito Federal é o que teve a maior adesão.
Inclusão Financeira
O levantamento da FGV salienta que o PIX é uma das principais ferramentas de inclusão financeira no Brasil. De acordo com a economista Laura Pacheco, mestre em Data Science and Analytics pela Universidade de São Paulo (USP), a alta adesão do método de pagamento foi acelerado pela pandemia, que obrigou a digitalização de diversos serviços bancários.
“A adesão ao PIX nas regiões Norte e Nordeste é mais alta do que a média nacional porque há menos alternativas. Em lugares como Pacaraima, onde não se usa mais Bolívar, o real circula com mais força e o PIX virou essencial”, disse.