A abusividade da cobrança de multa por perda de comanda
A jurisprudência brasileira tem se manifestado de forma clara sobre a abusividade dessa prática
Uma prática recorrente e que merece atenção é a cobrança de multa em razão da perda da comanda, comum em bares, restaurantes e casas noturnas. Tal cobrança, muitas vezes, é utilizada como forma de garantir proteção interna e evitar fraudes, mas levanta importantes questões jurídicas sobre sua legalidade e, sobretudo, sobre sua abusividade.
A princípio, deve-se considerar que a comanda funciona como um instrumento de controle do consumo do cliente dentro do estabelecimento. No entanto, ao impor uma multa em caso de extravio desse documento, os estabelecimentos frequentemente desconsideram princípios fundamentais do direito do consumidor. Segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o consumidor não pode ser responsabilizado por práticas que caracterizem uma vantagem manifestamente excessiva em favor do fornecedor, conforme dispõe o artigo 39, inciso V.
Além disso, o artigo 51 do CDC estabelece que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade. A cobrança de multa pela perda da comanda, muitas vezes, configura-se como uma dessas cláusulas, por transferir ao consumidor um risco que deve ser inerente à atividade empresarial.
O controle de consumo e a responsabilidade pelo fornecimento de produtos e serviços são obrigações do próprio estabelecimento. A perda da comanda, um documento frequentemente sujeito a extravio em ambientes movimentados e escuros, como são típicos muitos bares e boates, não pode ser usada como justificativa para penalizar o consumidor de forma desproporcional. A imposição de uma multa, geralmente elevada, visa muito mais a intimidar o consumidor do que a compensar um possível prejuízo real.
A jurisprudência brasileira tem se manifestado de forma clara sobre a abusividade dessa prática. Em diversos julgados, tribunais têm reconhecido que a cobrança de multa por perda de comanda fere os princípios da transparência e da confiança que devem reger as relações de consumo. A responsabilidade pelo controle do que é consumido deve ser do estabelecimento, que pode adotar outras formas de gerenciamento e segurança sem transferir esse ônus ao consumidor.
Além das questões jurídicas, há um aspecto moral a ser considerado. A prática de cobrar multas elevadas pela perda de comanda revela uma falha no gerenciamento interno do estabelecimento, que não pode ser corrigida à custa dos consumidores. Em última análise, a implementação de tecnologias, como sistemas eletrônicos de controle de consumo, pode ser uma alternativa mais justa e eficiente, refletindo um respeito maior aos direitos do consumidor.
Portanto, é essencial que os estabelecimentos comerciais revisem suas políticas e adotem práticas que respeitem os direitos dos consumidores. A cobrança de multa por perda de comanda, além de abusiva, pode resultar em danos à imagem do estabelecimento e em ações judiciais que, a longo prazo, representam um custo muito maior do que a simples modernização dos sistemas de controle de consumo.
Ao se deparar com essa prática, é recomendável que o consumidor recuse a cobrança, busque orientação jurídica e, se necessário, acione os órgãos de defesa do consumidor para garantir que seus direitos sejam respeitados. A construção de uma relação de consumo mais justa e equilibrada depende do esforço conjunto de todas as partes envolvidas.