Candomblé: local de pedir intercessão aos deuses

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Candomblé: local de pedir intercessão aos deuses

Fiquei lisonjeado ao receber o convite da Farol para falar um pouco sobre a religião de matriz africana, muito difundida nas redes sociais, mas pouco compreendida em seu contexto filosófico. No entanto, o objetivo destas linhas não é converter ninguém a religião, e sim, desconstruir a imagem negativa quando o assunto é Candomblé.

Quando a internet passou a ser mais acessível, e as redes sociais começaram a se popularizar, me tornei adepto a este mundo virtual. Volátil como a água em temperaturas altas, as redes sociais têm os seus benefícios e malefícios, onde em determinado momento o internauta passa ter notoriedade positiva, e noutro é cancelado, ou seja, se a água ebulir demais evapora e some. Com isso, passei a ter muito cuidado com o tipo de conteúdo que publicava, pois mesmo com propriedade no assunto Candomblé, este segmento ainda é muito perseguido, mal compreendido e disseminado de forma irresponsável, causando desconforto aos mais tradicionais e não adeptos da exposição do sagrado em redes sociais. Mas isso é assunto para outro momento!

Enfim... Deixem eu me apresentar. Meu nome é Adriano Azevedo. Sou músico-percussionista, artista plástico, segurança do trabalho, publicitário e sacerdote do Candomblé. Sou Obá de Xangô do Ilê Axé Opô Afonjá, título que tem paridade com os Ministros do Rei de Oyó (Cidade localizada na África Ocidental, sudoeste da Nigéria). Sou também sacerdote do culto aos Ancestrais masculinos, os Egungun, que atracou na Bahia no início do século XIX, em Itaparica. Mas estes também são outros assuntos que num futuro próximo terei o maior prazer em trazer para os leitores, e com mais detalhes de informações.

Mas vamos lá...

O Candomblé não é uma religião africana, e sim uma religião afro-brasileira, recriada a partir das memórias iconográficas dos negros escravizados, assim como a capoeira e outras manifestações que foram reconstruídas a partir dos seus modos e costumes.

A repressão sofrida pelos negros escravizados, fez com que o culto as divindades africanas se fundisse ao Cristianismo, religião dos “seus senhores”, pois eram obrigados a professar a fé do branco colonizador. Mas sabiamente eles escondiam os assentamentos de seus deuses debaixo das imagens dos santos de igreja, e, como eles não falavam o português, rezavam para sua fé em sua língua nativa, onde camuflados sob as imagens de gesso, os Orixás, Inkises e Voduns eram adorados, surgindo assim uma das maiores expressões culturais do Brasil. O sincretismo religioso.

O Candomblé da “nação Keto” surge no Brasil por volta do século XVIII através de três mulheres. Oriundas das Cidades de Oyó e Ketu, na Nigéria, as princesas Iyá Adetá, Iyá Akalá e Iyá Nassô fundaram em Salvador o Ilê Axé Airá Intilé, o famoso Candomblé da Barroquinha, onde fica localizada a igreja da Barroquinha, próximo a Praça Castro Alves. Segundo a doutora em línguas africanas, a professora Yêda Pessoa de Castro, a palavra Candomblé, é oriunda do étimo banto, e significa o ato de rezar para os deuses, ou, local onde se pratica o pedido de intercessão aos deuses. Esses espaços denominados terreiros ou roças começaram a se multiplicar, se desmembrando em nações. A nação Keto, nação Angola e nação Jejê. 

Estas nações não são nações políticas administrativas, e sim territoriais. Os africanos chegaram aqui sem nenhuma noção de territorialidade, portanto eles se agrupavam a partir da língua falada e traços que marcavam suas etnias, a exemplo de seus deuses, onde os povos nagô/ioruba que estão concentrados na África Ocidental e cultuam os Orixás, formaram a nação Keto; já a nação Congo/Angola agrupada pelos povos bantus, cultuam os Inkises; e a nação Jejê, da cultura fon, situada no Golfo do Benni, cultua os Voduns.

Até os dias de hoje o Candomblé sofre perseguições. Mas não mais pela policia, onde toda e qualquer manifestação que o negro fazia sofria truculência. Hoje, a perseguição parte dos neo-pentecostais, onde ainda com muita violência eles demonizam os deuses africanos. Vale ressaltar que essa intolerância religiosa é imiscuída do racismo, que infelizmente ainda sobrevive nas diversas camadas sociais de toda humanidade, onde um preto periférico assim como eu não pode ter prerrogativas de ascensão social, intelectual e cultural.

Por este motivo, a relutância em dizer para humanidade que o regime escravocrata não era e nem é uma pauta de Deus, onde ainda, a duras lutas o combate ao racismo ainda perdura. Os atos hediondos praticados naquele tempo, e que ainda hoje nos trazem muita dor, não podem ser mais admitidos. O simples fato de termos a pele mais retinta e/ou professarmos a religião dos pretos escravizados não nos tira o privilégio de evoluirmos juntos aos brancos, haja vista que a construção e crescimento desta nação Brasil se dar através dos negros e povos indígenas. O Candomblé cultua e adora elementos da natureza, que nada mais são a criação tangível e intangível do Deus maior, “criador do céu e da terra”, onde podemos tocar nas águas dos mares e rios, e sentir a brisa do vento e o calor do fogo.

Isso é o Candomblé!

Local de pedir intercessão aos Orixás, Inkises e Voduns.
 

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