O meu inesquec&iacute;vel de hoje &eacute; o famoso &Aacute;pio Patroc&iacute;nio da Concei&ccedil;&atilde;o, popularmente conhecido por Camafeu de Oxossi. Filho de Maria Firmina da Concei&ccedil;&atilde;o e Faustino Jos&eacute; do Patroc&iacute;nio, Camafeu nasceu em 4 de outubro de 1915 na Rua do Gravat&aacute;, que fica entre o bairro de Nazar&eacute; e o antigo Maciel/Pelourinho. Ficou &oacute;rf&atilde;o de pai muito cedo &ndash; aos seis anos de idade. Anos mais tarde, deixou os estudos na Escola de Art&iacute;fices para ajudar sua m&atilde;e a criar seus irm&atilde;os. Ela tinha um tabuleiro de acaraj&eacute; e o jovem Camafeu apanhava frutas para fazer cocadas e tamb&eacute;m vend&ecirc;-las. Embora mal tenha aprendido a ler e escrever, ele aprendeu a se virar pelas ruas do Maciel.

Pelas ruas de Salvador, Camafeu engraxava sapatos e vendia de tudo um pouco, de jornais a cadar&ccedil;os: o jovem almejava ter seu pr&oacute;prio neg&oacute;cio. Chegou a ser estivador at&eacute; se tornar dono de sua primeira barraca no Mercado Modelo &ndash; Barraca S&atilde;o Jorge. Camafeu era mestre de Capoeira; cantor; compositor. Como ex&iacute;mio tocador de berimbau, chegou a lan&ccedil;ar um LP pela gravadora Continental: &ldquo;Berimbaus da Bahia&rdquo;, em 1967 e, no ano seguinte, um segundo disco foi gravado pela Phillips. &nbsp; &nbsp; &nbsp;&nbsp;

A oralidade conta que seu ep&iacute;teto surge quando ele encontra um broche de camafeu &ndash; pedra esculpida em alto relevo, muito utilizada para prender a gola dos vestidos das mulheres da alta sociedade naquela &eacute;poca. J&aacute; o Oxossi, foi agregado por ele mesmo, pois &eacute; o seu Orix&aacute; de cabe&ccedil;a. Camafeu de Oxossi era filho de Santo de M&atilde;e Senhora &ndash; Maria Bibiana do Esp&iacute;rito Santo do Op&ocirc; Afonj&aacute; e tinha o t&iacute;tulo de Ob&aacute; de Xang&ocirc;, chamando-se Ob&aacute; Ares&aacute;. Muito amigo de Hector Bernab&oacute;; o Caryb&eacute; e Jorge Amado, ambos de Oxossi e tamb&eacute;m Ob&aacute; de Xang&ocirc; &ndash; Ob&aacute; Onaxokun e Ob&aacute; Arol&uacute;, respectivamente. Camafeu era intitulado de &ldquo;personagem vivo de Jorge Amado&rdquo;, pois ele aparece em seus romances como Camafeu.

Tenho lembran&ccedil;as muito boas do velho Camafeu. Uma delas &eacute; de tia Stella &ndash; M&atilde;e Stella de Oxossi &ndash; o chamando de &ldquo;Camafa&rdquo;. A outra rememora&ccedil;&atilde;o muito viva adv&eacute;m das idas com meu pai ao Mercado Modelo, onde eles ficavam conversando por horas. A farra ficava completa quando se encontravam &ndash; Camafeu e meu pai &ndash; com: Maninho, Bab&atilde;o e Luis Domingos, todos tr&ecirc;s com estabelecimento comercial no Mercado Modelo e hoje todos seguem no &ldquo;mundo da verdade&rdquo; &ndash; in memoriam. Outra mem&oacute;ria honrosa foi quando soube que os grandes Ob&aacute;s estavam a discutir qual Ob&aacute; eu me tornaria. Irei ilustrar, s&oacute; para que entendam, pois j&aacute; falei de tal acontecimento sobre os Ob&aacute;s aqui no Farol [<a href="https://www.faroldabahia.com.br/coluna/obas-de-xango-os-ministros-do-rei">veja aqui</a>].

Em reuni&atilde;o extraordin&aacute;ria, aqueles grandes Ob&aacute;s discutiam para saber de quem eu seria suplente. E soube que houve uma discuss&atilde;o acirrada entre os Ob&aacute;s Abiodun &ndash; Sinval da Costa Lima; Onaxokun &ndash; Caryb&eacute; e Ares&aacute; &ndash; Camafeu. Obviamente que eu s&oacute; soube disso j&aacute; na maioridade e o sentimento de orgulho e honra me tomavam. Imaginem a cena: ser disputado pela nata dos Ob&aacute;s de Xang&ocirc; do Op&ocirc; Afonj&aacute; &eacute; motivo de orgulho! E o &uacute;nico registro fotogr&aacute;fico que tenho com o velho &ldquo;Camafa&rdquo; foi na minha confirma&ccedil;&atilde;o, onde me tornei otun Ob&aacute; Abiodun &ndash; o suplente do velho Sinval da Costa Lima.

Aos 78 anos, no ano de 1994 (eu tinha 14 anos), o velho Camafeu de Oxossi, partiu para o Orun, se tornando &ndash; assim, personagem ic&ocirc;nica das hist&oacute;rias de Salvador, aos olhos de Jorge Amado e daqueles que estiveram ao seu lado.

Salve Camafeu de Oxossi.&nbsp;

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Arquivo Pessoal

Carlos Roberto Petrovich &eacute; o Inesquec&iacute;vel das minhas escreviv&ecirc;ncias de hoje. Filho de Maria Medeiros Petrovich e Ant&ocirc;nio Petrovich, ele nasceu em 24 de mar&ccedil;o de 1936 na Cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Petr&ocirc;, como era carinhosamente chamado, era o t&iacute;pico &ldquo;cabra&rdquo; &ndash; express&atilde;o muito utilizada no Nordeste para se referir aos homens dotados de coragem e vigor &ndash; e assim era o velho Petr&ocirc;: aguerrido e muito preocupado com a educa&ccedil;&atilde;o, Petr&ocirc; foi um grande incentivador da juventude da minha &eacute;poca. Aluno da primeira turma da Escola de Teatro da UFBA, tornou-se professor desta institui&ccedil;&atilde;o anos mais tarde.

A sua inquietude fez com que escrevesse pe&ccedil;as de teatro e contos afro tendo como base a cultura Iorub&aacute; e os ensinamentos do Terreiro. Lembro-me nitidamente de ver e ouvi-lo falar da &ldquo;gera&ccedil;&atilde;o do terceiro mil&ecirc;nio&rdquo; &ndash; o que o deixava muito preocupado. No ano de 1999, fizemos uma viagem para Porto Seguro: Vanda Machado &ndash; sua companheira de vida, C&aacute;tia e Iraildes fizeram parte da comitiva. Participamos do primeiro Encontro das Tribos Jovens. Um encontro de conviv&ecirc;ncia multicultural, onde diversos grupos &eacute;tnico-sociais discutiam sobre cultura; tradi&ccedil;&atilde;o; racismo e educa&ccedil;&atilde;o. &Agrave;s v&eacute;speras dos 500 anos do Brasil e a um ano para o in&iacute;cio do tal terceiro mil&ecirc;nio, Petr&ocirc; &ndash; com o dom da ret&oacute;rica &ndash; encantou todos os presentes com suas narrativas e com o compartilhamento de saberes e experi&ecirc;ncias do teatro e do Terreiro.

Petr&ocirc; tinha um quartinho aqui no Il&ecirc; Ax&eacute; Op&ocirc; Afonj&aacute;. Fazia quest&atilde;o de estar na ro&ccedil;a, mesmo sem nenhuma atividade civil ou religiosa. N&atilde;o obstante, sempre estava trabalhando como um bom e dedicado filho de Ogun. Do plantio de &aacute;rvores &agrave; leitura de textos, Petr&ocirc; sempre estava em movimento. Em 1988, Petr&ocirc; foi escolhido por Ogun &ndash; manifestado em tia Celenita &ndash; outra Inesquec&iacute;vel sobre quem tenho poucas informa&ccedil;&otilde;es bibliogr&aacute;ficas para rememor&aacute;-la &ndash; mas que, desde j&aacute;, segue em minha lista dos Inesquec&iacute;veis com os quais tive a honra de conviver. Anos depois, Petr&ocirc; foi confirmado aos p&eacute;s de Ogun como Ogan &Ograve;sob&aacute;r&ograve; &ndash; Oruk&oacute; (nome) que se funde &agrave; ess&ecirc;ncia de Petr&ocirc;. &Ograve;sob&aacute;r&ograve; significa aquele que tem o dom da fala e sabe aconselhar.&nbsp;

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No ano 2000, tive o prazer em participar de uma pe&ccedil;a teatral dirigida por Petr&ocirc; intitulada: &ldquo;O menino que era Rei e n&atilde;o sabia&rdquo;, que contava a hist&oacute;ria de Xang&ocirc; menino que, no auge da sua juventude, perdia a mem&oacute;ria. Em decad&ecirc;ncia, o reinado precisava de sua presen&ccedil;a e lideran&ccedil;a. O enredo permeado por narrativas em cen&aacute;rio teatral onde a educa&ccedil;&atilde;o &eacute; o caminho para transforma&ccedil;&atilde;o. Na dramaturgia encenada, o empoderamento negro era fomentado em locais de fala e poder. Em determinado momento, o menino Xang&ocirc; retoma a mem&oacute;ria e reina com grandiosidade seu reinado. Sempre com a perspectiva do cuidado com o pr&oacute;ximo, o velho Petr&ocirc; trazia consigo desde a&ccedil;&otilde;es de promo&ccedil;&atilde;o &agrave; emancipa&ccedil;&atilde;o do povo negro, fosse por meio de pe&ccedil;as teatrais ou pelo simples bate papo no fim de tarde aqui na ro&ccedil;a.

Aos vinte e sete dias do m&ecirc;s de abril de 2005 as cortinas se fecham, e Petr&ocirc; segue com seu espet&aacute;culo no Orun &ndash; C&eacute;u, deixando uma lacuna imensur&aacute;vel no Op&ocirc; Afonj&aacute; e no cen&aacute;rio teatral e cinematogr&aacute;fico.&nbsp;

Salve Ant&ocirc;nio Conselheiro, o Taumaturgo dos Sert&otilde;es; 
Salve o menino que era Rei e n&atilde;o sabia; 
Salve &Ograve;sob&aacute;r&ograve; - Aquele que tem o dom da fala e que tamb&eacute;m sabe aconselhar. 
Salve Petr&ocirc;!

A minha Inesquec&iacute;vel de hoje era uma mulher muito simp&aacute;tica e educada. Valda Cosme de Paula, mais conhecida por egbome Vardinha e chamada por mim de tia Vardinha. Nascida em 14 de janeiro de 1931 na Ilha de Itaparica, era filha de Jo&atilde;o de Deus Nonato e Alzira Marques dos Santos. Dom&eacute;stica, criou seus tr&ecirc;s filhos com muito amor e dedica&ccedil;&atilde;o: Ednilson, Balbino e Miguel Daniel de Paula. Foi iniciada para Oxun pelas m&atilde;os de Maria Bibiana do Esp&iacute;rito Santo &ndash; M&atilde;e Senhora de Oxun, em 09 de agosto de 1950, passando a ser chamada de Oxun Toyi &ndash; Oxun &eacute; suficiente e persistente. Duas de suas irm&atilde;s de &ldquo;barco&rdquo; j&aacute; foram rememoradas aqui: Elza Raimunda Nascimento &ndash; Ob&aacute; Kayod&ecirc; &ndash; Ob&aacute; Kayod&ecirc;: O Rei que trouxe alegria - Farol da Bahia e Gesilda Daniel de Paula &ndash; Oxun Omitobiyi - As &Aacute;guas nasceram aqui: tia Gesilda de Oxun - Farol da Bahia. Remanescente deste barco de ia&ocirc;, quem segue firme com as for&ccedil;as de Ogun &eacute; a Iy&aacute; Dagan do Op&ocirc; Afonj&aacute;, minha tia querida Mundinha de Ogun &ndash; a mais velha deste barco. J&aacute; no Il&ecirc; Agboul&aacute;, Terreiro de culto aos Eguns na Ilha de Itaparica, tia Vardinha respondia pelo nome de Iy&aacute;bami.&nbsp;

M&uacute;cio Dourado, filho de Ogun e Ogan da Oxun de tia Vardinha relembra saudoso da sua &ldquo;filha&rdquo; Vardinha: &ldquo;Ela era uma mulher s&eacute;ria, comprometida com a tradi&ccedil;&atilde;o do Candombl&eacute;, generosa e dispon&iacute;vel para ajudar indistintamente.&rdquo; J&aacute; sua filha pequena, egbome Vanda Machado, que tamb&eacute;m &eacute; filha de Oxun, relembra com muita saudade dos momentos que tivera ao lado de sua ojubon&atilde; &ndash; m&atilde;e cuidadora. &ldquo;Ela era uma mulher forte, cuidadosa e sonhadora &ndash; assim como eu! Lembro-me de quando ela recebia o pessoal de Itaparica em sua casa aqui na ro&ccedil;a. Eles sempre traziam peixe &ndash; sabe aqueles peixes miudinhos?! Pois bem... Dia de quarta-feira ent&atilde;o, que tem amal&aacute; pra Xang&ocirc;, ela sempre me chamava pra ir comer com ela, pois tinha esses acompanhamentos que ela incrementava ao amal&aacute; &ndash; farinha e peixe comidos de m&atilde;o. Tempo bom!&rdquo; &nbsp;

Das lembran&ccedil;as que tenho de tia Vardinha &eacute; de um caruru que ela fazia todo ano em sua casa aqui na ro&ccedil;a. Eu sempre me escondia, pois ela ficava ca&ccedil;ando as crian&ccedil;as para comerem na famosa &ldquo;barbulha&rdquo; &ndash; prato de barro onde 07 crian&ccedil;as comem simultaneamente o caruru. Em um ano espec&iacute;fico, me escondi dentro de um tonel de a&ccedil;o para n&atilde;o ser escolhido para compor a barbulha, pois eu n&atilde;o gostava daquela melan&ccedil;a [risos]. Era noite, e n&atilde;o vi que o que tinha dentro do tonel. Resultado: eu me sujei todo de coc&ocirc; [risos], pois dentro do tonel tinha um c&aacute;gado. Um fedor horr&iacute;vel exalou, pois o coc&ocirc; de c&aacute;gado &eacute; um neg&oacute;cio terr&iacute;vel. Tive que ir pra casa pra tomar banho, trocar de roupa e voltar pro caruru.&nbsp;

Tia Vardinha atendia e tratava todos com o mesmo carinho. Como disse no in&iacute;cio, ela era mulher muito educada. Infelizmente o nosso corpo est&aacute; suscet&iacute;vel a enfermidades, e tia Vardinha foi acometida por uma grave doen&ccedil;a. Em relato de M&uacute;cio, ele conta que chegou a mobilizar um m&eacute;dico especialista no Paran&aacute;, detentor de uma t&eacute;cnica cir&uacute;rgica que iria solucionar o problema definitivamente, mas Iku &ndash; a morte adiantou o processo, levando-a do nosso conv&iacute;vio para se tornar um ser de luz transcendente, por tudo o que ela foi nesta vida, e, principalmente, por toda benfeitoria feita em prol do Ax&eacute; de Afonj&aacute;, onde a Ancestralidade &eacute; viva, pois a morte n&atilde;o &eacute; o fim, principalmente para aqueles que s&atilde;o lembrados e rememorados com amor e carinho.

No ano de 1992 Oxun Toyi foi vista pela &uacute;ltima vez, linda e reluzente em um domingo de festa para Oxun. Parecia que estava se despedindo, quando no dia seguinte tia Vardinha se internou no hospital para nunca mais voltar. Partiu para o Orun uma das Oxuns mais lindas do Op&ocirc; Afonj&aacute;.

Vardinha vive em sua ess&ecirc;ncia. Salve Oxun Toyi!&nbsp; 
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Hoje irei falar de uma pessoa da qual tive larga conviv&ecirc;ncia. Deise Bispo dos Santos, a tia Deise de Omolu. Nascida em 09 de dezembro de 1935, era filha de Maria Silva e Hil&aacute;rio Bispo dos Santos. Natural de Salvador morou na Rua Airosa Galv&atilde;o &ndash; Barra, mas quando se casou, foi morar no Engenho Velho de Brotas, na Rua Manoel Faustino, onde concebeu seus tr&ecirc;s filhos: Ana, Verena e Geraldo. Sua rela&ccedil;&atilde;o com o Op&ocirc; Afonj&aacute; partiu da amizade que seu pai tinha com M&atilde;e Senhora, pois durante muitos anos ele foi seu motorista. Nestes intervalos, tia Deise passou a ter mais contato com o Ax&eacute;, quando em 1959 foi iniciada pelas m&atilde;os competentes de M&atilde;e Senhora, passando a se chamar de Iji Tund&ecirc; &ndash; Aquela que veio novamente. Anos mais tarde, voltou a morar na Barra e, aproximadamente no final da d&eacute;cada de 70, veio morar aqui no S&atilde;o Gon&ccedil;alo do Retiro dentro do Il&ecirc; Ax&eacute; Op&ocirc; Afonj&aacute;, onde ficou at&eacute; o dia que Deus a chamou. Na gest&atilde;o de M&atilde;e Stella se tornou a Iy&aacute;mor&ocirc;, cargo de extrema import&acirc;ncia no ritual do Ipad&ecirc;, veja aqui: <a href="https://www.faroldabahia.com.br/noticia/ipade-o-encontro-da-ancestralidade">Ipad&ecirc;: o encontro da Ancestralidade - Farol da Bahia</a>.

Bordadeira e Costureira por compet&ecirc;ncia, tia Deise educou e formou seus tr&ecirc;s filhos com muito amor e dignidade. Ana Ver&ocirc;nica, hoje Iyalorix&aacute; do Op&ocirc; Afonj&aacute;, recorda com muita saudade dos momentos que teve ao lado dela: &ldquo;A lembran&ccedil;a que nunca me esque&ccedil;o, era do cuidado que ela tinha comigo e meus irm&atilde;os no que diz respeito &agrave; educa&ccedil;&atilde;o escolar. Ela era uma m&atilde;e super protetora, contudo, r&iacute;gida quando necess&aacute;rio. Estava presente em todos os momentos das nossas vidas. Lembro-me que ainda crian&ccedil;a, ela costumava a nos contar hist&oacute;rias, onde muitas das vezes embalados com o momento, dorm&iacute;amos. Para n&oacute;s, s&oacute; fica a saudade de ouvir a sua voz nos dizendo: &lsquo;Deus lhe aben&ccedil;oe&rsquo;. E para al&eacute;m da saudade, tenho absoluta certeza que hoje ela se encontra em outra miss&atilde;o determinada por Olodumar&eacute;, onde continua nos protegendo e orientando para que cada um de n&oacute;s siga nossas vidas dentro dos seus ensinamentos.

Geraldo lembra: &ldquo;Minha m&atilde;e respeitava qualquer um indistintamente. Acolhia todo mundo que chegava ao Op&ocirc; Afonj&aacute;. Ela era uma pessoa justa al&eacute;m de muitas outras qualidades. Saudades!&rdquo; Recorda Carlos Geraldo, seu filho e Ogan de Ogun, escolhido ainda no ventre. J&aacute; eu, tenho muitas lembran&ccedil;as de tia Deise. Uma dessas muitas lembran&ccedil;as era quando &iacute;amos para Areia Branca &ndash; para o Il&ecirc; Ax&eacute; Oban&atilde;, Terreiro cuja lideran&ccedil;a at&eacute; os dias de hoje &eacute; seu esposo, tio Flaviano. Eu adorava ir pra l&aacute;. Peg&aacute;vamos o &ocirc;nibus de S&atilde;o Joaquim e desc&iacute;amos na esta&ccedil;&atilde;o da Cal&ccedil;ada. O &ocirc;nibus ia carregado com todo tipo de mercadoria. Parecia um caminh&atilde;o de pau de arara. Ir para Areia Branca parecia uma grande romaria. Era tanta sacola, mala e mochila que parecia que &iacute;amos morar l&aacute;. Antigamente, Areia Branca parecia &agrave;queles interiores bem distantes. Pois, asfalto e &aacute;gua encanada ainda n&atilde;o era uma realidade daquele lugar. Em alguns trechos, nem ilumina&ccedil;&atilde;o tinha. Quando cheg&aacute;vamos, tio Flaviano nos hospedava na casa de Xang&ocirc;. Eu, minha m&atilde;e, minha irm&atilde;, tia Deise e muitas vezes Ana, dorm&iacute;amos l&aacute;. Eram dias inesquec&iacute;veis.

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Ant&ocirc;nio Olinto, Zora Seljan e Deise 
Arquivo da fam&iacute;lia

Como n&atilde;o tinha &aacute;gua encanada, os mais novos iam buscar &aacute;gua no rio ou na represa. Era uma folia danada. No entanto, tia Deise algumas vezes ia para colocar ordem, pois como eu estava no meio da meninada, ela ficava preocupada, e a&iacute; ela acompanhava-nos para me olhar. Quando a brincadeira extrapolava, n&atilde;o era nem preciso falar nada. S&oacute; no olhar eu percebia que a bronca era certa. Como disse M&atilde;e Ana, ela era r&iacute;gida! Outra passagem que tenho com tia Deise j&aacute; foi com ela bem idosa. O esquecimento come&ccedil;ou a se fazer presente. Situa&ccedil;&atilde;o que dentro do seio familiar traz muita tristeza. Sei disso porque j&aacute; passei por isso com meu pai. Certa feita, ela passeando pela ro&ccedil;a me viu e me chamou pelo nome. &ldquo;Adrianinho. Cad&ecirc; Nivalda?&rdquo; Tomei sua b&ecirc;n&ccedil;&atilde;o e come&ccedil;amos a conversar. A cuidadora em off me perguntou se meu nome era Adrianinho mesmo e quem era Nivalda, pois ela n&atilde;o lembrava de muita coisa. Ent&atilde;o conformei, e ela ficou muito contente com a novidade, pois h&aacute; dias que ela n&atilde;o via tia Deise interagir sem estar brigando. Eu fiquei muito feliz em saber que perante as circunst&acirc;ncias, eu permanecia em sua mem&oacute;ria. Hoje, sete anos de sua partida, rendo-lhe esta singela homenagem, pois s&oacute; quem morre &eacute; aquele que n&atilde;o &eacute; lembrado.

Tia Deise nos deixou em 30 de janeiro de 2017, com a esperan&ccedil;a do reencontro com seus Ancestrais. Pois como seu pr&oacute;prio nome traduz, ela &eacute; aquela que veio novamente!

Salve Iji Tund&ecirc;.

A minha Inesquec&iacute;vel de hoje foi uma pessoa t&atilde;o querida, que n&atilde;o existe uma alma viva que n&atilde;o goste ou gostasse dela. Eunice Mendes dos Santos, carinhosamente chamada de Cincinha &ndash; para mim, tia Cincinha; &eacute; natural de Salvador e chegou neste mundo aos vinte e oito dias do m&ecirc;s de novembro de 1936. Filha de Ben&iacute;cio dos Santos e Tomazia Mendes dos Santos &ndash; Obarain &ndash; filha de santo de M&atilde;e Anninha, tia Cincinha morou toda vida na Avenida San Martin, um bairro aqui pertinho do Op&ocirc; Afonj&aacute;. Foi iniciada em 12 de novembro de 1970, pelas &ldquo;m&atilde;os de boneca&rdquo;, Ondina Val&eacute;ria Pimentel, M&atilde;ezinha, passando a se chamar, Oy&aacute; Ten&atilde;. M&atilde;os de boneca era a forma carinhosa que egbome Tutuca chamava M&atilde;ezinha &ndash; ver artigo aqui: <a href="https://www.faroldabahia.com.br/coluna/mae-ondina-a-ninfa-das-ondas">M&atilde;e Ondina: a Ninfa das ondas - Farol da Bahia</a>. Casada, se tornou m&atilde;e de seis filhos - tr&ecirc;s homens e tr&ecirc;s mulheres. Dois dos homens seguiram seus passos &ndash; o do sacerd&oacute;cio &ndash; Jorge e Wellington Mendes. Foi uma ex&iacute;mia bordadeira, de onde pode prover a educa&ccedil;&atilde;o e sustento de sua prole.

Tia Cincinha foi &agrave; osi Ogala &ndash; pessoa respons&aacute;vel pelos c&acirc;nticos ritual&iacute;sticos &ndash; ela foi o lado esquerdo da titular do cargo (uma esp&eacute;cie de 2&deg; suplente). A titular &ndash; Ogala, foi tia No&ecirc;mia &ndash; Inesquec&iacute;vel j&aacute; rememorada aqui no Farol da Bahia - <a href="https://www.faroldabahia.com.br/colunas/21/adriano-azevedo">Adriano Azevedo - Farol da Bahia</a>. O lado direito (1&deg; suplente), otun Ogala, era Tutuca &ndash; hoje titular do cargo. Uma das muitas lembran&ccedil;as que tenho de tia Cincinha era da sua linda voz. Ela tinha uma extens&atilde;o vocal admir&aacute;vel. Conseguia se encaixar em todas as freq&uuml;&ecirc;ncias &ndash; do agudo ao grave, tia Cincinha se adaptava em qualquer tom com maestria. Os Alab&ecirc;s ficavam animados, o coral atento e alinhado, e, at&eacute; os atabaques ficavam mais afinados ao ouvir o som da sua voz. Se eu fechar os olhos, consigo ouvir seu canto, assim como os passarinhos que toda manh&atilde; v&atilde;o a minha janela. Um adendo: o cargo de Ogal&aacute; &eacute; o mesmo de Iy&aacute; Tebex&ecirc; existente em alguns Terreiros &ndash; a fun&ccedil;&atilde;o &eacute; a mesma, s&oacute; muda a nomenclatura.

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No pen&uacute;ltimo domingo de setembro, dia em que rendemos homenagem aos Ancestrais do Op&ocirc; Afonj&aacute;, seu filho Wellington &ndash; Ogan da casa &ndash; relembrou com muita saudade alguns momentos engra&ccedil;ados que teve ao lado de sua m&atilde;e. Dentre tantos, um em especial nos tirou muitos risos com gosto de saudade. Ano ap&oacute;s ano em uma determinada data, tia Cincinha rendia homenagem aos donos da terra &ndash; os Caboclos. Programada e bem organizada que era, come&ccedil;ou a comprar alguns itens para ofertar ao seu &ldquo;Cab&ocirc;co&rdquo; em especial. Deu prefer&ecirc;ncia aos n&atilde;o perec&iacute;veis, e garrafas de vinho Reserva faziam parte da lista &ndash; eram tr&ecirc;s garrafas somente. Tia Cincinha tinha um quartinho dentro da casa de Oxal&aacute;, onde pode guardar as compras da oferenda para depois levar pra San Martin. Dias depois, ela pediu para que os meninos &ndash; Jorge e Wellington que limpassem o quarto. Os dois no auge da adolesc&ecirc;ncia foram cumprir o que a m&atilde;e havia determinado. Neste &iacute;nterim, descobrem as garrafas de vinho. O final, voc&ecirc;s j&aacute; devem imaginar! [risos] Quando tia Cincinha foi procurar o vinho pra poder levar, n&atilde;o achou. E agora? Cad&ecirc; o vinho do Cab&ocirc;co?! Quando ela deu por si os dois estavam cambaleando e rindo &agrave; toa, relembra Welington com muita saudade.

Outra mem&oacute;ria muito forte que tenho dela, &eacute; de seu Orix&aacute;. Ela dan&ccedil;ava com um candelabro com pequenas velas acesas. O que me impressionava, era que a chama das velas n&atilde;o apagavam, mesmo com a leve brisa das saias rodando dentro do barrac&atilde;o. A Bahia em peso vinha ver a Ians&atilde; de tia Cincinha. Ela flutuava feito uma borboleta no barrac&atilde;o de festas. Era t&atilde;o linda!

Em setembro de 1986, tia Cincinha vai &agrave; Cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos, juntamente com M&atilde;e Stella de Oxossi e comitiva para III Confer&ecirc;ncia Mundial das Tradi&ccedil;&otilde;es dos Orix&aacute;s e Cultura &ndash; COMTOC. Em 16 de novembro de 1994, a voz mais bonita do Op&ocirc; Afonj&aacute; repousa para eternidade, deixando uma lacuna imensur&aacute;vel dentro do Egb&eacute; Afonj&aacute; &ndash; Comunidade Afonj&aacute;.

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Ps. Ap&oacute;s escrever esta mem&oacute;ria, percebi que tia Cincinha nasceu no m&ecirc;s de novembro, renasceu para o Orix&aacute; em novembro e se transformou em Ancestral em novembro. A cosmologia em exerc&iacute;cio.

Salve a Borboleta mais linda do Il&ecirc; Ax&eacute; Op&ocirc; Afonj&aacute;.&nbsp;

Inteligentemente M&atilde;e Stella disse: &ldquo;O que n&atilde;o se registra, o tempo leva!&rdquo; E &eacute; a partir desta narrativa que sigo na busca incans&aacute;vel de dados biogr&aacute;ficos dos meus Inesquec&iacute;veis, para n&atilde;o permitir que o tempo e nem o vento leve essas mem&oacute;rias.

A minha Inesquec&iacute;vel de hoje &eacute;: Titina de Oliveira Santos, carinhosamente chamada de tia Tintina. Nascida em Salvador em 1&deg; de novembro de 1930, residiu no bairro da Cidade Nova; teve cinco filhos e era engomadeira, profiss&atilde;o da qual sustentou e educou seus filhos com honradez e dignidade. Devido a problemas pessoais e de sa&uacute;de, tia Titina procurou cuidar da vida espiritual, chegando at&eacute; Ondina Val&eacute;ria Pimentel &ndash; M&atilde;ezinha, se iniciando assim, para o Orix&aacute;. Passou a morar no S&atilde;o Gon&ccedil;alo do Retiro, na Baixa de Santo Ant&ocirc;nio &ndash; numa casa de frente pra rua e com o fundo pra dentro da ro&ccedil;a. Anos mais tarde, M&atilde;e Stella concluiu suas obriga&ccedil;&otilde;es. Seu oruk&oacute; era: Od&eacute; Loy&aacute; &ndash; O Ca&ccedil;ador veloz &ndash; aquele que se movimenta com agilidade.

Tenho muitas lembran&ccedil;as em v&ecirc;-la na cozinha da casa de Oxal&aacute; nos afazeres do Terreiro. Tia Tintina era &ldquo;pau pra toda obra!&rdquo; N&atilde;o fazia corpo mole. At&eacute; os mais novos admiravam o seu desempenho na cozinha. Ela depenava; tratava e cozinhava. Al&eacute;m disso, lavava; passava e engomava &ndash; a sua especialidade. Tia Tintina tinha o habito de ensinar aos mais novos. Sua filha pequena, Vera de Oy&aacute;, que infelizmente partiu para o Ọrun &ndash; C&eacute;u inesperadamente neste ano de 2024, contava com muito carinho do tempo em que viveu ao lado de sua Ojubon&atilde; &ndash; M&atilde;e cuidadora &ndash; aquela que olha o caminho.&nbsp;

Tia Tintina tinha um neto &ndash; Rodrigo. Ele n&atilde;o &eacute; iniciado no Candombl&eacute;, mas viveu e ainda mora na mesma casa aqui na ro&ccedil;a. Rodrigo foi cria do Op&ocirc; Afonj&aacute; e, com certeza teve uma inf&acirc;ncia feliz junto &agrave;s outras crian&ccedil;as da ro&ccedil;a. Ele conta que no per&iacute;odo em que viveu no Rio de Janeiro, mesmo ainda pequenino sentia muita saudade da av&oacute;, e, como conseq&uuml;&ecirc;ncia ela tamb&eacute;m morria de saudades dele. E quando enfim ele retorna, o sentimento de felicidade contagiava at&eacute; quem n&atilde;o era parente, pois tia Tintina vibrava com a chegada do neto t&atilde;o querido. &nbsp;

Tia Tintina partiu para o Ọrun em 07 de dezembro de 1998 aos 68 anos de idade. Deixando muita saudade pra quem conviveu nos pequenos e grandes momentos com ela aqui Il&ecirc; Ax&eacute; Op&ocirc; Afonj&aacute;.

Salve o Ca&ccedil;ador que com rapidez traz a bonan&ccedil;a!

A minha Inesquec&iacute;vel de hoje deixou muita saudade e lembran&ccedil;as que est&atilde;o guardadas em meu cora&ccedil;&atilde;o. Evangelina dos Santos Concei&ccedil;&atilde;o, carinhosamente chamada de&nbsp;Vanju, era filha de Almerinda Daniel de Paula e Fernando Vitoriano dos Santos. Nasceu em 25 de mar&ccedil;o de 1939, na Ilha de Itaparica. Foi iniciada para o Orix&aacute; Ians&atilde;, pelas m&atilde;os de Maria Bibiana do Esp&iacute;rito Santo &ndash; M&atilde;e Senhora de&nbsp;Oxun. Atendia pelo nome de&nbsp;Ọya&nbsp;Nikẹ&nbsp;-e era ligeira, por&eacute;m&nbsp;silenciosa feito&nbsp;o vento. J&aacute; no Il&ecirc;&nbsp;Agboul&aacute;, Terreiro de culto aos Ancestrais &ndash; os&nbsp;Egungun, tia&nbsp;Vanju&nbsp;atendia pelo nome de&nbsp;OtunIyalas&ecirc;.

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Nas &eacute;pocas de festa no Il&ecirc;&nbsp;Agboul&aacute;,&nbsp;e muitas vezes no Il&ecirc; Tuntum, eu ligava pra tia&nbsp;Vanju&nbsp;pra saber se ela podia me receber em sua casa, pois as festas de&nbsp;Egun&nbsp;viram a noite e,&nbsp;quando o dia amanhece,&nbsp;o corpo s&oacute; pede um bom banho e um local pra deitar&nbsp;&ndash; at&eacute; uma esteira servia [risos]. Prontamente ela dizia:&nbsp;&ldquo;&Ocirc;h&nbsp;meu filho... Voc&ecirc; n&atilde;o precisa&nbsp;de convite. Voc&ecirc; aqui &eacute; bem chegado. Que bobagem &eacute; essa?!&rdquo;&nbsp;Ela era de uma delicadeza sem igual. Minha m&atilde;e ficava despreocupada quando dizia que estava com tia&nbsp;Vanju. Quando eu chegava, tinha uma cama cheirosa com len&ccedil;&oacute;is limpos; toalha; sabonete e um cafezinho pra esquentar o esp&iacute;rito.

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Meu parceiro de festas era seu filho,&nbsp;Ednelson, mais conhecido por&nbsp;Nen&eacute;u. Era ele quem me levava pras festas. E assim crescemos como grandes irm&atilde;os de considera&ccedil;&atilde;o. Tia&nbsp;Vanju&nbsp;era uma cozinheira de m&atilde;e cheia. Muitas vezes quando eu e&nbsp;Nen&eacute;u&nbsp;desc&iacute;amos da festa, &iacute;amos tomar um banho de mar pra revitalizar. Sempre tinha algu&eacute;m vendendo peixe fresquinho &ndash; eu gostava de comprar na m&atilde;o de Valdo &ndash;&nbsp;in memoriam.&nbsp;Valdo foi&nbsp;um irm&atilde;o que partiu cedo, deixando um enorme legado como&nbsp;Oj&eacute;. Depois do banho de mar, tom&aacute;vamos caf&eacute; e tir&aacute;vamos um cochilo. Acordava com a casa&nbsp;toda&nbsp;perfumada a dend&ecirc;. Era tia&nbsp;Vanju&nbsp;fazendo aquela moqueca que s&oacute; ela e minha filha Elza sabiam fazer&ndash; com bastante pimenta. Elza j&aacute; foi rememorada aqui:&nbsp;<a href="https://www.faroldabahia.com.br/coluna/oba-kayode-o-rei-que-trouxe-alegria">Ob&aacute;&nbsp;Kayod&ecirc;: O Rei que trouxe alegria - Farol da Bahia</a>.

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Tia&nbsp;Vanju&nbsp;era um doce de pessoa. Ela me tratava como um de seus filhos. Era de um carinho que,quando lembro,&nbsp;os olhos enchem de &aacute;gua. Das vezes que ia &agrave; Ilha de bate e volta, era inevit&aacute;vel passar l&aacute; s&oacute; pra dar um beijo nela. Sabe aquela m&atilde;ezona que&nbsp;&ndash; quando&nbsp;v&ecirc; o filho que&nbsp;j&aacute; estava&nbsp;h&aacute; tempos&nbsp;sem ver&nbsp;e, quando o encontra,&nbsp;faz de tudo pra ele ficar mais um pouco?!&nbsp;Assim era tia&nbsp;Vanjucomigo. Eu s&oacute; ia pra cumpriment&aacute;-la e seguir viagem, mas ela sempre dava um jeitinho de me segurar. Ela me prendia pela barriga [risos]. Sempre tinha uma comida fresquinha no fog&atilde;o. Bom de boca que sou, ficava.

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Eu&nbsp;a encontrava sempre na casa de tio/pai Flaviano &ndash; no Il&ecirc; Ax&eacute;&nbsp;Oban&atilde;, em Areia Branca&nbsp;/&nbsp;Lauro de Freitas. Minha m&atilde;e ia muito &agrave;s festas de l&aacute;, e sempre me levava. E,&nbsp;para minha felicidade, tia&nbsp;Vanju&nbsp;estava l&aacute;: era uma alegria s&oacute;!&nbsp;O cuidado era o mesmo. Ela me paparicava muito. Quanta saudade eu tenho dessa M&atilde;e Preta. Sua passagem aqui no Aiy&ecirc; &ndash; Terra findou aqui no Op&ocirc; Afonj&aacute;. Ela ainda passou uma temporada por aqui, na casa de minha filha Elza, no Op&ocirc; Afonj&aacute; quando,&nbsp;em 25 de junho de 2005, tia&nbsp;Vanju&nbsp;partiu para o&nbsp;Orun&nbsp;deixando muita saudade. As minhas idas pra Ilha de Itaparica nunca mais&nbsp;foram&nbsp;as mesmas. Talvez seja por isso que tenho ido t&atilde;o pouco. Tia&nbsp;Vanju&nbsp;permanece viva em mim e, ainda que ligeira e silenciosa, consigo sentir a brisa de&nbsp;Oy&aacute;, onde &eacute; poss&iacute;vel perceber que sua ess&ecirc;ncia ainda vive.

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Salve tia&nbsp;Vanju&nbsp;de&nbsp;Oy&aacute;.&nbsp;

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Rememorar aqueles que partiram para eternidade &eacute; n&atilde;o deixar que a morte se torne o fim de uma hist&oacute;ria. S&atilde;o muitas as boas lembran&ccedil;as que tenho da minha Inesquec&iacute;vel de hoje. Raimunda Nonata da Silva, carinhosamente chamada de tia Mundinha de Oxal&aacute;. Filha de Maria Valentina Santiago nasceu em Salvador aos vinte e sete dias do m&ecirc;s de mar&ccedil;o de 1916. Tia Mundinha era lavadeira - lavava de ganho, onde naquela &eacute;poca ia buscar &aacute;gua na famosa Lagoa da Vov&oacute;, situada aqui no bairro de S&atilde;o Gon&ccedil;alo. Casou-se com seu Idal&iacute;cio Vitor Costa, onde teve nove filhos. Destes, tr&ecirc;s se destacaram no Candombl&eacute;: Agnaldo: mais conhecido por Guinho ou China, foi um grande tocador de atabaque; um ex&iacute;mio capoeirista e um excelente serralheiro, onde confeccionava ferramentas de Orix&aacute;s. Hild&aacute;rio, o afamado Darinho, este foi Alab&ecirc; do Op&ocirc; Afonj&aacute; &ndash; ambos em mem&oacute;ria. Darinho substituiu o grande Nezinho &ndash; este j&aacute; rememorado aqui: <a href="https://www.faroldabahia.com.br/coluna/nezinho-o-chamador-de-orixa">Nezinho: o chamador de Orix&aacute; - Farol da Bahia</a>. E por fim, Vivaldina, mas conhecida como Viva de Nan&atilde;. Esta &eacute; filha de santo de pai Rubelino do Op&ocirc; Aganj&uacute;, mas reside aqui no Op&ocirc; Afonj&aacute;. Viva segue conosco, firme e forte!

Tia Raimunda se iniciou pelas m&atilde;os de Maria Bibiana do Espirito Santo &ndash; M&atilde;e Senhora, no famoso barco das 16. Atendia pelo nome de Iwin Funṣọ (Funx&oacute;) - aquela que se veste de branco. Durante muitos anos foi &agrave; respons&aacute;vel em carregar o estandarte de Oxal&aacute; no ritual do Olorogun &ndash; veja aqui: <a href="https://www.faroldabahia.com.br/coluna/a-quaresma-e-o-olorogun">A Quaresma e o Olorogun - Farol da Bahia</a>. Vestida de branco, tia Raimunda empunhava o estandarte com muita impon&ecirc;ncia em uma linda prociss&atilde;o que at&eacute; os dias de hoje segue viva dentro do Il&ecirc; Ax&eacute; Op&ocirc; Afonj&aacute;, passando na frente da casa de todos os Orix&aacute;s, onde em rever&ecirc;ncia a cada um, a semi&oacute;tica do ritual revela o poder que Oxal&aacute; tem em uma guerra, mesmo sendo um velho anci&atilde;o.

Lembro-me de tia Mundinha alimentando seus patos de cria&ccedil;&atilde;o &ndash; era cada pat&atilde;o danado! A ro&ccedil;a vivia cheia de bichos desse tipo. Galos, galinhas, patos e pintinhos. Tia Mundinha morava do lado do barrac&atilde;o de festas. Nesta parte da ro&ccedil;a o ch&atilde;o era coberto por relva bem verdinha, onde ela colocava as roupas pra quarar. A ro&ccedil;a ficava toda perfumada quando tia Mundinha lavava roupa. Lembro dela reclamando com a gente, quando pass&aacute;vamos correndo: &ldquo;&Ocirc; menino... Olhe minha roupa!&rdquo; Era um tempo bom!

Tia Raimunda partiu para o Orun em 19 de janeiro de 2002, deixando muita saudade. Hoje, seu legado permanece vivo, onde sua filha Vivaldina e seus netos seguem aquecendo a tradi&ccedil;&atilde;o da fam&iacute;lia. Aquela que se veste de branco segue viva em sua ess&ecirc;ncia.

&Ecirc;pa Bab&aacute;... Salve Iwin Funṣọ!

Aos vinte e dois dias do m&ecirc;s de abril de 1916, em Ponta de Areia &ndash; Ilha de Itaparica nascia Gesilda Daniel de Paula. A menina Gesilda cresceu dentro dos Terreiros de culto aos Eguns &ndash; Ancestrais masculinos de uma determinada comunidade, onde s&atilde;o cultuados de maneira bem peculiar. Veja meu artigo sobre os Egunguns aqui no Farol: Egungun: A morte por debaixo do pano - Farol da Bahia. Filha de Ant&ocirc;nio Daniel de Paula &ndash; hoje Bab&aacute; Ob&aacute; Marun e Francisca Romana Damasceno, tia Gesilda teve como irm&atilde;os: Caetano; Jo&atilde;o de Xang&ocirc;; Crispim &ndash; mas conhecido por Cosme; Damiana; Adalgisa; Nilsa e Norbeta.

Em 1940, na flor da idade dos seus 24 anos, tia Gesilda recebe o cargo de Iy&aacute; Loxun, do Il&ecirc; Agboul&aacute;, cuja responsabilidade era arrumar o presente de Iemanj&aacute; e Oxun em 2 de fevereiro. At&eacute; hoje, um imenso cortejo sai do Alto do Bela Vista, passando pela frente da Igreja de Nossa Senhora das Candeias &ndash; ponto marco da trajet&oacute;ria do Il&ecirc; Agboula seguindo at&eacute; a praia de Ponta de Areia, onde saveiros e escunas aguardam para receberem o presente e levarem para alto mar. Durante muitos anos tia Gesilda serviu aos Eguns Amor&ocirc; Mi Tod&ocirc;, Onil&ecirc;ow&ocirc; e Ay&oacute;, assim como Iemanj&aacute; e Oxun.

Seu Ant&ocirc;nio &ndash; pai de tia Gesilda, era muito amigo de M&atilde;e Senhora, Iyalorix&aacute; do Op&ocirc; Afonj&aacute;. Senhora tinha uma casa de veraneio na Ilha, e toda vez que ia passar temporada por l&aacute; precisava de algu&eacute;m pra cuidar das tarefas de casa. Foi quando Senhora solicitou para seu Ant&ocirc;nio os servi&ccedil;os da jovem Gesilda. E a partir destes encontros que os la&ccedil;os de amizade entre Gesilda e Senhora se consolidaram. At&eacute; que em 1949, numa festa no Il&ecirc; Agboul&aacute;, M&atilde;e Senhora recebe o recado de Bab&aacute; Olukotun, onde ele disse que se fazia necess&aacute;rio a inicia&ccedil;&atilde;o da jovem Gesilda para o Orix&aacute;. Foi quando no ano seguinte a Iy&aacute; Loxun do Il&ecirc; Agboul&aacute; entra no famoso &ldquo;barco&rdquo; das dezesseis, passando a ser chamada de Oxun Omitobiyi &ndash; A &Aacute;gua que nasceu aqui &eacute; o suficiente. Eu fico aqui imaginando: se no tempo de hoje um barco com 6 pessoas j&aacute; &eacute; cansativo, imagine naquela &eacute;poca com 16?!

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A dinastia Daniel de Paula segue firme em ambos os lados &ndash; vivos e eternizados. Do lado de c&aacute; me resumo em citar: Alb&eacute;rico Raimundo, mais conhecido por Beco &ndash; Ogar&ocirc; da casa de Oxossi, iniciado por M&atilde;e Stella e &uacute;nico homem de quatro filhos que tia Gesilda teve. E por fim a jovem Roselaine de Ians&atilde;. Crian&ccedil;a nativa do Op&ocirc; Afonj&aacute; que aos 39 anos vividos, se inicia pelas m&atilde;os de M&atilde;e Ana de Xang&ocirc; em 2023. Do lado de l&aacute; temos: Pedro Daniel de Paula, que foi Alapini &ndash; sacerdote supremo do culto aos Ancestrais e hoje responde como Bab&aacute; Alateorun; Eduardo Daniel de Paula &ndash; Bab&aacute; Ob&aacute;erin (av&ocirc; de tia Gesilda); Oleg&aacute;rio Daniel de Paula &ndash; Bab&aacute; Ob&aacute;lad&ecirc; e Manoel Jacinto &ndash; Bab&aacute; Oj&ocirc;.

Em 18 de novembro de 2016, com um s&eacute;culo vivido &ndash; assim como seus antecessores que chegaram aos 100 e muitos at&eacute; ultrapassaram, tia Gesilda parte para o Orun com 66 anos de iniciada pra Oxun no Op&ocirc; Afonj&aacute;. Seu legado segue firme, junto aos Daniel de Paula, que permanecem aquecendo a tradi&ccedil;&atilde;o do Candombl&eacute; de Egun na Bahia, assim como sua neta que segue firme como Omorix&aacute; &ndash; Filha de Santo do Op&ocirc; Afonj&aacute;.

Salve as &Aacute;guas... Salve tia Gesilda de Oxun.

Eutr&oacute;pia Maria de Castro, mais conhecida por tia Pinguinho, era filha de Elvira Maria da Concei&ccedil;&atilde;o e pai n&atilde;o declarado. Nasceu em 30 de outubro de 1909 na Cidade de Salvador. Iniciou-se pelas m&atilde;os de Eug&ecirc;nia Anna dos Santos &ndash; M&atilde;e Anninha, no auge dos seus 27 anos de idade, em 1936. Al&eacute;m de tia Pinguinho, mais cinco pessoas compuseram este barco de Ia&ocirc;s &ndash; barco &eacute; &nbsp;a express&atilde;o dada &agrave; quantidade de pessoas iniciadas em uma s&oacute; leva: Jos&eacute; de Ogun; Cantulina de Ayr&aacute;; Alcendina de Oxun; No&ecirc;mia de Oxoguian &ndash; esta &nbsp;j&aacute; rememorada aqui [<a href="https://www.faroldabahia.com.br/coluna/tia-noemia-o-guerreiro-veio-novamente">Tia No&ecirc;mia: o guerreiro veio novamente - Farol da Bahia</a>] e Petronilha de Oxal&aacute; foram seus irm&atilde;os de santo. Seu oruk&oacute; &ndash; nome de santo &ndash; era Oxun Fumix&ecirc;: Aquela que faz por mim. Ondina Val&eacute;ria Pimentel &ndash; M&atilde;ezinha foi a primeira Iyakeker&ecirc; do Op&ocirc; Afonj&aacute;. Quando ela ascendeu ao cargo de Iyalorix&aacute;, o cargo de Iyakeker&ecirc; ficou vago e Tia Pinguinho ocupou com maestria. Ap&oacute;s a passagem de M&atilde;ezinha, quando tia Stella foi escolhida pra ser a Iyalorix&aacute; do Op&ocirc; Afonj&aacute;, tia Pinguinho &ndash; com toda a bagagem de conhecimento que tinha &ndash; serviu de farol para a nova Iyalorix&aacute; que acabara de chegar!

<img alt="" src="/fotos/farol_colunas/748/mg/WhatsApp Image 2024-06-23 at 08.09.27 (1)..jpg" style="width: 648px; height: 1024px;" /> 
Foto: Arquivo Pessoal

Tenho muitas lembran&ccedil;as de tia Pinguinho cantando e ensinando a forma correta de falar as palavras em Iorub&aacute;: as rememora&ccedil;&otilde;es s&atilde;o todas muito boas. Ela era rigorosa &ndash; bem Caxias mesmo &ndash; na pron&uacute;ncia das cantigas. Se cantasse errado, ela parava para corrigir. O Ioruba &eacute; uma l&iacute;ngua tonal: muitas vezes uma &uacute;nica palavra tem v&aacute;rios significados, a partir da sua acentua&ccedil;&atilde;o. Ent&atilde;o, ela dizia que t&iacute;nhamos que cantar direito, pois a gente n&atilde;o sabia quem estava nos ouvindo. Segundo ela, este aprendizado foi passado pela sua Iyalorix&aacute;. Tia Pinguinho tinha um jeito aparentemente severo, mas era s&oacute; aquele jeit&atilde;o dela. Ela era vi&uacute;va; teve tr&ecirc;s filhos; v&aacute;rios netos e bisnetos. Um de seus bisnetos, nascido um ano antes de sua partida para o Ọrun, conta que seu nome foi escolhido por ela, que dizia que ele era o seu interior, ou seja, o seu ego &ndash; passando a chamarem aquele beb&ecirc; de Egon Henrique. Ele destaca que acrescentaram o &ldquo;n&rdquo;, porque o cart&oacute;rio n&atilde;o aceitou um nome com tr&ecirc;s letras somente. Mas ele, ainda assim, continuou sendo o seu interior!&nbsp;

Aos vinte e nove dias do m&ecirc;s de janeiro de 1990, tia Pinguinho partiu para o Orun, ap&oacute;s complica&ccedil;&otilde;es do diabetes. O seu legado segueInesquec&iacute;vel: seus ensinamentos perduram at&eacute; os dias de hoje, fazendo jus ao seu nome, quando &ndash; com muito cuidado &ndash; ela nos ensinou a arte do cantar para os Orix&aacute;s. E assim fazemos at&eacute; o presente.

Salve tia Pinguinho, Ọṣun Funmiṣe: aquela que tamb&eacute;m fez por mim!

Adriano Azevedo

Todos os textos de Adriano Azevedo

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Petrô: a arte do bem falar

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