A minha Inesquecível de hoje foi uma pessoa tão querida, que não existe uma alma viva que não goste ou gostasse dela. Eunice Mendes dos Santos, carinhosamente chamada de Cincinha – para mim, tia Cincinha; é natural de Salvador e chegou neste mundo aos vinte e oito dias do mês de novembro de 1936. Filha de Benício dos Santos e Tomazia Mendes dos Santos – Obarain – filha de santo de Mãe Anninha, tia Cincinha morou toda vida na Avenida San Martin, um bairro aqui pertinho do Opô Afonjá. Foi iniciada em 12 de novembro de 1970, pelas “mãos de boneca”, Ondina Valéria Pimentel, Mãezinha, passando a se chamar, Oyá Tenã. Mãos de boneca era a forma carinhosa que egbome Tutuca chamava Mãezinha – ver artigo aqui: Mãe Ondina: a Ninfa das ondas - Farol da Bahia. Casada, se tornou mãe de seis filhos - três homens e três mulheres. Dois dos homens seguiram seus passos – o do sacerdócio – Jorge e Wellington Mendes. Foi uma exímia bordadeira, de onde pode prover a educação e sustento de sua prole.
Tia Cincinha foi à osi Ogala – pessoa responsável pelos cânticos ritualísticos – ela foi o lado esquerdo da titular do cargo (uma espécie de 2° suplente). A titular – Ogala, foi tia Noêmia – Inesquecível já rememorada aqui no Farol da Bahia - Adriano Azevedo - Farol da Bahia. O lado direito (1° suplente), otun Ogala, era Tutuca – hoje titular do cargo. Uma das muitas lembranças que tenho de tia Cincinha era da sua linda voz. Ela tinha uma extensão vocal admirável. Conseguia se encaixar em todas as freqüências – do agudo ao grave, tia Cincinha se adaptava em qualquer tom com maestria. Os Alabês ficavam animados, o coral atento e alinhado, e, até os atabaques ficavam mais afinados ao ouvir o som da sua voz. Se eu fechar os olhos, consigo ouvir seu canto, assim como os passarinhos que toda manhã vão a minha janela. Um adendo: o cargo de Ogalá é o mesmo de Iyá Tebexê existente em alguns Terreiros – a função é a mesma, só muda a nomenclatura.
No penúltimo domingo de setembro, dia em que rendemos homenagem aos Ancestrais do Opô Afonjá, seu filho Wellington – Ogan da casa – relembrou com muita saudade alguns momentos engraçados que teve ao lado de sua mãe. Dentre tantos, um em especial nos tirou muitos risos com gosto de saudade. Ano após ano em uma determinada data, tia Cincinha rendia homenagem aos donos da terra – os Caboclos. Programada e bem organizada que era, começou a comprar alguns itens para ofertar ao seu “Cabôco” em especial. Deu preferência aos não perecíveis, e garrafas de vinho Reserva faziam parte da lista – eram três garrafas somente. Tia Cincinha tinha um quartinho dentro da casa de Oxalá, onde pode guardar as compras da oferenda para depois levar pra San Martin. Dias depois, ela pediu para que os meninos – Jorge e Wellington que limpassem o quarto. Os dois no auge da adolescência foram cumprir o que a mãe havia determinado. Neste ínterim, descobrem as garrafas de vinho. O final, vocês já devem imaginar! [risos] Quando tia Cincinha foi procurar o vinho pra poder levar, não achou. E agora? Cadê o vinho do Cabôco?! Quando ela deu por si os dois estavam cambaleando e rindo à toa, relembra Welington com muita saudade.
Outra memória muito forte que tenho dela, é de seu Orixá. Ela dançava com um candelabro com pequenas velas acesas. O que me impressionava, era que a chama das velas não apagavam, mesmo com a leve brisa das saias rodando dentro do barracão. A Bahia em peso vinha ver a Iansã de tia Cincinha. Ela flutuava feito uma borboleta no barracão de festas. Era tão linda!
Em setembro de 1986, tia Cincinha vai à Cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos, juntamente com Mãe Stella de Oxossi e comitiva para III Conferência Mundial das Tradições dos Orixás e Cultura – COMTOC. Em 16 de novembro de 1994, a voz mais bonita do Opô Afonjá repousa para eternidade, deixando uma lacuna imensurável dentro do Egbé Afonjá – Comunidade Afonjá.
Ps. Após escrever esta memória, percebi que tia Cincinha nasceu no mês de novembro, renasceu para o Orixá em novembro e se transformou em Ancestral em novembro. A cosmologia em exercício.
Salve a Borboleta mais linda do Ilê Axé Opô Afonjá.