Tia Vardinha de Oxun: Suficiente e Persistente

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Tia Vardinha de Oxun: Suficiente e Persistente

A minha Inesquecível de hoje era uma mulher muito simpática e educada. Valda Cosme de Paula, mais conhecida por egbome Vardinha e chamada por mim de tia Vardinha. Nascida em 14 de janeiro de 1931 na Ilha de Itaparica, era filha de João de Deus Nonato e Alzira Marques dos Santos. Doméstica, criou seus três filhos com muito amor e dedicação: Ednilson, Balbino e Miguel Daniel de Paula. Foi iniciada para Oxun pelas mãos de Maria Bibiana do Espírito Santo – Mãe Senhora de Oxun, em 09 de agosto de 1950, passando a ser chamada de Oxun Toyi – Oxun é suficiente e persistente. Duas de suas irmãs de “barco” já foram rememoradas aqui: Elza Raimunda Nascimento – Obá Kayodê – Obá Kayodê: O Rei que trouxe alegria - Farol da Bahia e Gesilda Daniel de Paula – Oxun Omitobiyi - As Águas nasceram aqui: tia Gesilda de Oxun - Farol da Bahia. Remanescente deste barco de iaô, quem segue firme com as forças de Ogun é a Iyá Dagan do Opô Afonjá, minha tia querida Mundinha de Ogun – a mais velha deste barco. Já no Ilê Agboulá, Terreiro de culto aos Eguns na Ilha de Itaparica, tia Vardinha respondia pelo nome de Iyábami. 

Múcio Dourado, filho de Ogun e Ogan da Oxun de tia Vardinha relembra saudoso da sua “filha” Vardinha: “Ela era uma mulher séria, comprometida com a tradição do Candomblé, generosa e disponível para ajudar indistintamente.” Já sua filha pequena, egbome Vanda Machado, que também é filha de Oxun, relembra com muita saudade dos momentos que tivera ao lado de sua ojubonã – mãe cuidadora. “Ela era uma mulher forte, cuidadosa e sonhadora – assim como eu! Lembro-me de quando ela recebia o pessoal de Itaparica em sua casa aqui na roça. Eles sempre traziam peixe – sabe aqueles peixes miudinhos?! Pois bem... Dia de quarta-feira então, que tem amalá pra Xangô, ela sempre me chamava pra ir comer com ela, pois tinha esses acompanhamentos que ela incrementava ao amalá – farinha e peixe comidos de mão. Tempo bom!”  

Das lembranças que tenho de tia Vardinha é de um caruru que ela fazia todo ano em sua casa aqui na roça. Eu sempre me escondia, pois ela ficava caçando as crianças para comerem na famosa “barbulha” – prato de barro onde 07 crianças comem simultaneamente o caruru. Em um ano específico, me escondi dentro de um tonel de aço para não ser escolhido para compor a barbulha, pois eu não gostava daquela melança [risos]. Era noite, e não vi que o que tinha dentro do tonel. Resultado: eu me sujei todo de cocô [risos], pois dentro do tonel tinha um cágado. Um fedor horrível exalou, pois o cocô de cágado é um negócio terrível. Tive que ir pra casa pra tomar banho, trocar de roupa e voltar pro caruru. 

Tia Vardinha atendia e tratava todos com o mesmo carinho. Como disse no início, ela era mulher muito educada. Infelizmente o nosso corpo está suscetível a enfermidades, e tia Vardinha foi acometida por uma grave doença. Em relato de Múcio, ele conta que chegou a mobilizar um médico especialista no Paraná, detentor de uma técnica cirúrgica que iria solucionar o problema definitivamente, mas Iku – a morte adiantou o processo, levando-a do nosso convívio para se tornar um ser de luz transcendente, por tudo o que ela foi nesta vida, e, principalmente, por toda benfeitoria feita em prol do Axé de Afonjá, onde a Ancestralidade é viva, pois a morte não é o fim, principalmente para aqueles que são lembrados e rememorados com amor e carinho.

No ano de 1992 Oxun Toyi foi vista pela última vez, linda e reluzente em um domingo de festa para Oxun. Parecia que estava se despedindo, quando no dia seguinte tia Vardinha se internou no hospital para nunca mais voltar. Partiu para o Orun uma das Oxuns mais lindas do Opô Afonjá.

Vardinha vive em sua essência. Salve Oxun Toyi! 
 

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