Desde que o mundo é mundo, que a troca de produtos movimentava o comércio na antiguidade. Essa prática funcionava mediante a troca de mercadorias, onde o produto que não tivesse utilidade para fulano era trocado por outro com cicrano. Porém, ambos deveriam estar em acordo com a troca. Na época da colonização do Brasil, essa permuta era feita de forma capciosa, ondebens de pouco valor, como: espelhos, perfumes, e utensílios eram trocados pelas riquezas dos índios, e que ainda hoje seguem com extremo valor no mercado, a exemplo da madeira e do ouro. E que até o presente momento causam grandes transtornos com a sua exploração. Mas isso é assunto pra outro momento. Já em África, em tempos remotos a moeda de troca era o “cauri”, o famoso “búzio da costa”. Esta moeda não metálicaque servia para pagamento dos impostos, também era muito utilizada para compra de produtos alimentícios, onde a sua quantidade e aparência física determinavam o seu valor.
Na religião cristã, até os dias atuais, o dízimo, que é uma espécie de tributo, serve como doação para o auxílio da igreja e dos sacerdotes. E no Candomblénão é diferente! Os custos para manutenção do Terreiro, onde muitas vezes estes valores são bem maiores que o da igreja, haja vista que alguns Terreiros de Candomblé se tornaram grandes comunidades, onde nos períodos de obrigações estecusto triplica, pois, além dos filhos da casa;simpatizantes, amigos, convidados e aqueles que deveriam ter o apoio das políticas públicas, que também se fazem presentes em grande massa [vide o texto: Sacrifício: as mais diversas formas de adorar os Orixás], tende aumentar as despesas. É possível que em algumas casas de Axé tenha uma mensalidade, onde os próprios filhos da casa se responsabilizam pela arrecadação, para que assim tenham subsídios para manutenção do Terreiro. Oque é louvável! Água e luz são o que mais se consome, contudo, ainda existem outras despesas, como limpeza e alimento que se fazem necessário.
Por ser um local de acolhimento, muita gente acha que o Candomblé é um espaço de caridade peloviés financeiro. Minha mãe Nivalda, costuma dizer que o Candomblé é uma religião cara. E é verdade! No entanto, desde a antiguidade que o escambo e odinheiro têm a capacidade de suprir os desejos e necessidades das pessoas. E, independentemente de quanto se gaste financeiramente, a caridade no Candomblé já está intrínseca na ação do que vai ser feito. E para ser mais claro, usarei uma situação real, onde a minha filha carnal passou, e, até concluir as suas obrigações irá passar, e consequentemente terá custos. Pois muitas vezes quem desconhece desta dinâmica, acha o dispêndio exorbitante.
Mas vamos lá...
Reina Azevedo, se iniciou com Mãe Stella de Oxossi há 10 anos. O fato de ela ser sobrinha-neta da mãe de santo não diminuiu os seus custos, neste caso, os meus, pois quando ela se iniciou tinha somente13 anos de idade, e a costureira; o enxoval; as roupas de cama; os utensílios; o gás de cozinha; a comida e a bebida pra ela que estava de obrigação, e para as pessoas que se fizeram presentes depositando a sua energia, tratando os bichos;lavando as louças; lavando as roupas e arrumando a casa para receber os convidados, tudo isso teve custos, pois nos dias de hoje quando vamos ao mercado temos que comprar com dinheiro físico, pois permuta é coisa do passado. Além disso, teve aquele “agrado” do menino que jogou o lixo fora, odesembolso extra do tempero que faltou bem na hora do preparo da comida, e fora o “dinheiro do chão”, pra quem de forma efetiva e afetiva depositoua sua energia e fé em forma de caridade por diasafinco, e muitas vezes varando a madrugada, para que aquela obrigação tivesse êxito, onde a mãe de santo; a/o Ojubonã - “mãe/pai cuidador(a)” o Axogun; a pessoa que tirou as folhas; o rapaz que faz a limpeza do corpo; e não podemos esquecer-nos daquele que tem a missão de levar o ebó no local determinado, onde também tem extrema importância no ritual. Todos estes depositaram a sua fé e energia para o bem estar daquele que teve os custos. Também vale lembrar, daqueles que depositaram o seu tempo, haja vista que muitos têm suas vidas fora do Terreiro, onde necessitam “bater ponto”, e, a falta injustificável acarreta em danos financeiros no final do mês, onde o tempo é precioso para quem corre atrás “Dele”.
Portanto, o dinheiro do chão não é um pagamento pelo “serviço” realizado. É a troca de energia para que tudo aquilo que está sendo feito, volte em forma de saúde e prosperidade. Neste ano de 2023, Reina já crescida, mulher e mãe de uma linda criança, o Miguel Akin de Azevedo, irá completar suas obrigações com Mãe Ana de Xangô. A dinâmica continua a mesma. Os gastos consequntementeaumentaram, mas a necessidade em concluir o que tia Stella começou, é inevitável. Pelo menos para aqueles que têm fé, pois o que fazemos para os Orixás com amor, carinho e dedicação, com certeza será revertido em coisas boas com toda a sua essência. E só para enfatizar o que minha mãe disse; Reina continuará a ter despesas, pois no dia que eu morrer, ela que lute pra fazer o meu Axexê, pois o povo que irá participar come e bebe – e eu bem que sei, [risos]. E a obrigação precisa ser feita.
O dinheiro do chão é mais um sacrifício que temos com o nosso sagrado. Então:
Irê ilerá, irê owô, ire ayó gbogbo!
Caminho de saúde, dinheiro e alegria para todos!