Andamento de 'pente fino' em contas públicas, em benefício neste ano, aponta dificuldades para 2025
A previsão deste ano é poupar R$10 bilhões, principalmente com gastos do INSS
Foto: Reprodução/GovBr
A revisão de gastos com programas do governo anda a passos lentos neste ano e reforça a dificuldade de atingir a meta fiscal zero em 2025. Essa incerteza se soma às dúvidas em relação à capacidade do governo de obter R$166 bilhões em receitas extras para fechar as contas no ano que vem.
A previsão deste ano é poupar R$10 bilhões, principalmente com gastos do INSS. Mas, a quatro meses do fim do ano, a economia alcançada com os benefícios previdenciários é de cerca de 40% do total. No ano que vem, o governo conta com a redução de R$25,9 bilhões em gastos obrigatórios com a iniciativa, focada novamente no INSS.
Há dúvidas se essas medidas serão suficientes. O argumento de especialistas é que o combate a irregularidades faz parte da rotina dos ministérios, não sendo algo adicional para lidar com o avanço dos gastos públicos.
De acordo com eles, para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal, será necessário avançar na desindexação do Orçamento e em mudanças estruturais que diminuam o tamanho dos programas. Entretanto, o governo decidiu adiar essa discussão para o ano que vem por conta das eleições municipais.
Auxílio-doença e BPC
O 'pente fino' está sendo realizado desde o ano passado, com o objetivo de combater fraudes e irregularidades na concessão de benefícios. Após evidências de pagamentos indevidos no final do governo do ex-presidente, Jair Bolsonaro, o primeiro alvo foi o Bolsa Família.
Este ano, as principais apostas são o uso da ferramenta Atestmed, que concede auxílio-doença sem necessidade de perícia (R$ 5,6 bilhões) e a reavaliação de benefícios desse tipo que já foram concedidos (R$ 2,973 bilhões). Com o Atestmed, a folga foi de 35% do total previsto.
A reavaliação do auxílio-doença teve início em julho, com a previsão de analisar 800 mil benefícios. Até o momento, 258 mil passaram por perícia, o que resultou no cancelamento de 133 mil, gerando um corte de R$ 1,3 bilhão até o fim de 2024.
O economista-chefe da Warren Rena e ex-secretário da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, avalia que o pente-fino é positivo e deve continuar para combater as fraudes, que são inaceitáveis, mas pondera que essa agenda é permanente e está aquém do esperado este ano.
Economista aponta necessidade de uma reforma estrutural
Manoel Pires, economista e coordenador do Centro de Política Fiscal da FGV, afirma que o governo dificilmente cumprirá o arcabouço se, na estratégia para equilibrar as contas públicas, não incluir reformas estruturantes. Nem todos os benefícios que vão passar por pente-fino são irregulares, e trabalhar com uma arrecadação não recorrente sem margem de segurança é arriscado.
"Sou a favor de mesclar aumento de arrecadação, uma agenda de controle de despesa e ter alguma reforma estrutural. Com essas três coisas andando juntas, é possível resolver o problema, de forma equilibrada, justa, e, ao mesmo tempo, obter um alívio no cenário de longo prazo, com benefícios a partir de hoje", disse ele.
A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, avalia que o governo conseguirá cumprir a meta em 2025, levando-se em conta que o arcabouço permite um déficit de até 0,25% do PIB. Contudo, destaca que a proposta contém riscos “nada desprezíveis”, que podem obrigar o governo a fazer bloqueios e contingenciamentos, pressionando ainda mais as despesas discricionárias.
Auxílio Gás
O ex-secretário do Tesouro Nacional e chefe de macroeconomia do ASA, Jeferson Bittencourt, diz que o caso do auxílio-gás é sintomático dessa baixa inclinação a viver com pouca despesa. Um projeto do Executivo, que precisa passar pelo Congresso, permite pagar esse programa fora do arcabouço, via Caixa Econômica Federal.
É avaliado que os gastos com o auxílio-gás em 2025 passem de R$3,5 bilhões para R$ 5 bilhões, sendo que apenas R$600 milhões foram contemplados dentro das despesas públicas no ano que vem. A outra parte seria financiada fora do arcabouço fiscal.
Em 2027, será outro mundo na visão de Bittencourt, porque os gastos com precatórios (sentenças judiciais) voltarão a ser contabilizados em sua totalidade dentro do limite de despesas. Em 2025, por exemplo, R$44 bilhões estão fora das regras fiscais por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse caso, as discricionárias tenderiam a ficar perto de 1% do PIB, nível em que há alto risco de “apagão” da máquina.