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Bahia

Andar com fé: Lavagem do Bonfim move baianos para ruas da Cidade Baixa

Celebração de origem portuguesa se tornou a cara da Bahia ao longo dos anos

Por Liz Barretto
Ás

Andar com fé: Lavagem do Bonfim move baianos para ruas da Cidade Baixa

Foto: Max Haack/Secom

Unindo a fé e a folia, milhares de pessoas com trajes brancos percorrem as ruas de Salvador em uma das maiores festas populares da Bahia, a lavagem do Bonfim, que acontece nesta quinta-feira (11), a segunda do ano. A multidão parte da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia e segue até a Basílica Santuário Senhor do Bonfim, na Colina Sagrada, onde ocorre a tradicional lavagem das escadarias. 

Criada em homenagem à imagem do Senhor do Bonfim, o Jesus Cristo, a celebração é uma herança da colonização portuguesa e tem sua origem em meados do século XVIII, quando o capitão de mar e guerra Theodósio Rodrigues de Faria pediu que uma cópia da imagem do Bonfim fosse transportada da Europa para Salvador.

Após os inícios do culto à imagem, a festa passou a ganhar importância na cidade, como explica Rafael Dantas, historiador e pesquisador de iconografia. “A imagem inicialmente fica na igreja da Penha e depois é trasladada em cortejo, em festa, para a colina sagrada. E a partir desse momento, a festa se torna constante na cidade. Ela começa a se consagrar nos anos de 1800 como um ícone turístico e também da identidade do povo da Bahia e de Salvador”, afirmou.

No coração dos baianos
A tradição, que é considerada Patrimônio Imaterial Nacional pelo IPHAN, é a segunda data que mais reúne pessoas nas ruas da capital baiana, perdendo apenas para o Carnaval. Os festejos dedicados ao Bonfim têm 11 dias de festividade, que incluem a Novena, o Cortejo, a Lavagem, os Ternos de Reis e a Missa Solene. Esse ano, o tema deste será: “Com Jesus, o amado Senhor do Bonfim, aprendemos a caminhar juntos como irmãos”.


Foto: Fábio Marconi | PMS

O reitor da Igreja, Padre Edson Menezes, destaca a importância do evento para a comunidade. “São várias pessoas e entidades envolvidas para que a festa possa acontecer. A lavagem chama atenção para uma questão necessária que é aprender a conviver com o outro, que pensa diferente de você. No dia da lavagem acontece esse fenômeno de pessoas que caminham juntas”, disse ele.

Ronaldo Nobre, de 50 anos, é uma das pessoas que percorrem esse caminho todos os anos. “Já deve fazer mais de 20 anos que eu frequento a lavagem. A experiência é ótima, você ver essa manifestação religiosa, popular, esse caminho feito até a Basílica, é muito interessante”, contou.

Mar de fitas
Uma grande marca desse festejo é a famosa fitinha do Bonfim, que hoje representa não só a festa, mas toda a cidade de Salvador. Cobiçado por turistas, o objeto foi uma criação para arrecadar fundos e impulsionar o turismo na capital.

A fita advém da “Medida do Bonfim”, que media 47 centímetros de comprimento, tamanho do braço direito da estátua de Jesus Cristo, Senhor do Bonfim. Eram brancas, feitas em algodão ou seda e detalhes em dourado. A partir do século XX, essas passam a ser confeccionadas coloridas e voltadas para o comércio.

Outro símbolo marcante da festa é a lavagem do adro da igreja, referência ao sincretismo existente na Bahia e a resistência negra, como relata Rafael Dantas. “Primeiro que a lavagem é um ato de purificação. As águas sempre tiveram importância em muitas religiões, tanto na religião católica quanto nas de matrizes africanas, o ato de purificar também faz parte dos ritos”, disse o historiador.

“Hoje, ela acontece fora da igreja, com a água de cheiro e as baianas, O que alguns estudiosos apontam, é que seria uma recriação das antigas lavagens feitas pelos escravizados que aconteciam no interior da igreja”, completou.


Foto: Fábio Marconi | PMS

De todas as fés
Apesar da base católica, a presença da tradição africana sempre compôs o evento, mesmo sendo rejeitada pela elite religiosa da época. A resistência dos povos escravizados, que inicialmente limpavam o templo para as missas de domingo, fez com que elementos afro-brasileiros fossem incorporados à festa desde o século XIX.

Além deste ritual, o Senhor do Bonfim foi sincretizado à figura de Oxalá, e as baianas e os ritmos afro passaram a colorir a festa na Colina Sagrada, marcando a presença da influência das religiões de matriz africanas no percurso.

Maíne Santos, de 32 anos, cultua o orixá e frequenta a lavagem desde a infância, quando começou a acompanhar a mãe no trajeto.  “Vou para lavagem desde criança, minha mãe é baiana de eventos e hoje vamos juntas todos os anos. Minha criação sempre girou em torno de festas como a lavagem. Eu amo a diversidade, amo ver o povo vestido de branco, amo ver a fé das pessoas em ir andando do comércio até a colina sagrada, é uma sensação única. Espero que Oxalá continue me dando saúde para participar dessa festa linda”, contou ela.



Crédito: Arquivo Pessoal 

Adriano Azevedo, Obá de Xangô e host do podcast Podomblé, tem contato com as festas populares baianas, e reconhece a importância dessas manifestações. “A lavagem do Bonfim foi uma dessas festas que pude ter contato ainda criança. A festa é católica, mas para a gente do Candomblé esses resquícios da escravidão permanecem como forma de resistência”, disse adepto do candomblé. 

“Vejo a lavagem como um encontro de pessoas de fé, que vestem branco, e onde o povo do Candomblé está inserido, mesmo que Oxalá não seja o mesmo que o Senhor do Bonfim, todos estão ali com o mesmo objetivo”, concluiu.

A Igreja da Bahia
A Basílica Santuário do Bom Jesus Senhor do Bonfim, palco de diversos ritos que compõe a festa, completa 270 anos este ano. Símbolo de urbanização da época em que foi fundado, o templo é um dos mais relevantes da cidade e atrai turistas do país inteiro. 


Foto: Max Haack | Secom 

Para o historiador Rafael Dantas, a igreja é um ícone soteropolitano. “Estamos falando de uma igreja de estética arquitetônica Rococó no seu exterior e interior neoclássico, com pintura de grandes artistas baianos do século XIX. Uma coleção de obras de arte e documentos preciosa e uma irmandade que é referência de fé e devoção há mais de 200 anos”, ressaltou o pesquisador em iconografia.

Na Basílica, diversos devotos do Senhor do Bonfim se mobilizam para a festa, como é o caso de Marly, catequista e voluntaria da Basílica. “Para mim, Jesus Cristo, o amado Senhor do Bonfim, é tudo. Ele é o meu espelho, a minha referência de vida, um exemplo a ser seguido”, contou ela.

“Participo ativamente das atividades da Basílica, nós recebemos as orientações de nosso reitor padre Edson que nos ajuda a beneficiar esse público. Pessoas de todas as religiões, crenças, países, vêm à Basílica e a gente tem que estar preparado para saber acolher quando eles necessitam”, relatou a devota.

A voluntária vê o festejo como um reduto de paz e harmonia. “A lavagem é um retrato do que a vida deveria ser, todos juntos, cantando, rezando, caminhando e usando seu corpo para um objetivo final, chegar a unção da misericórdia e agradecer pela nossa vida”, afirmou.

A saída da 9ª Caminhada “Lavagem de Corpo e Alma” da Basílica Santuário Nossa Senhora da Conceição da Praia até a Colina Sagrada será às 7h e o cortejo acontecerá ao som dos grupos Oficina de Frevos e Dobrados, Maestro Fred Dantas, Fanfarra da Alegria e Fanfarra Stylo.


 

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