Áudios apontam que gastos de Michelle Bolsonaro eram pagos em dinheiro vivo, diz site
Conversas foram interceptados pela Polícia Federal a partir da quebra de sigilo de Mauro Cid
Foto: Isac Nóbrega/PR
Conversas entre assessoras do governo de Jair Bolsonaro e o então ajudante de ordens do Palácio do Planalto, o tenente-coronel Mauro Cid, indicam que existia uma orientação para que as despesas da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro fossem pagas em espécie. Diálogo foi interceptado pela Polícia Federal por meio da quebra de sigilo das comunicações de Mauro Cid, preso no dia 3 de maio por suspeitas de fraudar certificados de vacina da Covid-19.
O UOL, que teve acesso com exclusividade à transcrição desses áudios e a outros detalhes inéditos sobre a investigação, divulgou as informações neste sábado (13).
Segundo os áudios, Cid tinha a preocupação de que a prática fosse caracterizada como um esquema de rachadinha, já que não tinha comprovante da origem do dinheiro.
A partir das investigações , a PF chegou a indícios da existência de um esquema de desvios de recursos públicos para bancar as despesas da primeira-dama Michelle.
Os diálogos revelam a existência de uma "dinâmica sobre os depósitos em dinheiro para as contas de terceiros e a orientação de não deixar registros e impossibilidades de transferências", diz o relatório de análise da PF.
De acordo com a investigação, a ex-primeira-dama fazia uso de um cartão de crédito ligado à conta de uma amiga, Rosimary Cardoso Cordeiro, que também era assessora parlamentar no Senado.
A PF detectou depósitos em dinheiro vivo para Rosimary. O recurso tinha o objetivo de custear as despesas com o cartão de crédito, tentando ocultar a origem do dinheiro.
Duas assessoras da primeira-dama, Cintia Borba Nogueira e Giselle dos Santos Carneiro da Silva, conversaram entre si e com Mauro Cid, manifestando preocupação sobre irregularidades no pagamento de despesas de Michelle. Elas queriam convencer a ex-primeira-dama a parar de usar o cartão de crédito vinculado a sua amiga.
Procurado pelo Uol, o advogado de Mauro Cid, Bernardo Fenelon, disse que "a defesa técnica, por respeito ao Supremo Tribunal Federal, se manifestará apenas nos autos do processo". A defesa de Jair Bolsonaro disse que não comentaria o assunto. Também procurada, a assessoria da primeira-dama Michelle não respondeu.
Leia os diálogos transcritos pela PF e divulgados pelo Uol:
"Então hoje essa situação do cartão realmente é um pouco preocupante. O que eu sugiro para você é o seguinte. No momento que você for despachar com ela, é esse assunto. Você pode falar com ela assim sutilmente, né? (...) Mas eu acho que você poderia falar assim: dona Michelle, que é que a senhora acha da gente fazer um cartão para a senhora? Um cartão independente da Caixa. Pra evitar que a gente fique na dependência da Rosy. E aí a gente pode controlar melhor aqui as contas. (...) Pode alertá-las o seguinte, que isso pode dar problema futuramente, se algum dia, Deus o livre, a imprensa descobre que ela é dependente da Rose, pode gerar algum problema", disse Cintia Borba Nogueira, no dia 30 de outubro de 2020, em um áudio enviado a Giselle Carneiro.
"Coronel, bom dia. Ontem eu conversei com a senhora Adriana para saber se ela tinha falado com a dona Michelle né. Ela falou que conversou. Explicou, falou todos os problemas, preocupações, né. (...). Mas então o resultado foi que a dona Michelle ficou pensativa. Segundo a dona Adriana, ficou pensativa, mas que vai continuar com o cartão. E ela falou que tem, tem os comprovantes assim, né? Que esse cartão já era bem antes do presidente ser eleito. Mas de qualquer maneira, a dona Adriana falou que ela ficou pensativa, né? Ontem mesmo já fizemos uma compra, mas foi em outro cartão. Então eu estou vendo que realmente tá sendo de pouco uso o da Caixa. Mas por enquanto é isso. Obrigada, tchau", enviou Giselle Carneiro no dia 25 de novembro de 2020 em áudio enviado ao tenente-coronel Mauro Cid.
"Giselle, mas ainda não é o ideal isso não tá? O Cordeiro conversou com ela, tá, também. E ela ficou com a pulga atrás da orelha mesmo: tá, é? É. É a mesma coisa do Flávio. O problema não é quando! É como deputado, rachadinha, essas coisas", disse Mauro Cid do dia 25 de novembro de 2020 em áudio enviado a Giselle.
"Se ela perguntar pra você ou falar alguma coisa ou comentar, é importante ressaltar com ela que é o comprovante que ela tem. É um comprovante de depósito, é comprovante de pagamento. Não é um comprovante dela pagando nem do presidente pagando. Entendeu? É um comprovante que alguém tá pagando. Tanto que a gente saca o dinheiro e dá pra ela pagar ou sei lá quem paga ali. Então não tem como comprovar que esse dinheiro efetivamente sai da conta do presidente. O Ministério Público, quando pegar isso aí, vai fazer a mesma coisa que fez com o Flávio, vai dizer que tem uma assessora de um senador aliado do presidente, que está dando rachadinha, tá dando a parte do dinheiro para Michelle", disse Mauro Cid no dia 25 de novembro de 2020 em segundo áudio enviado a Giselle
"E isso sem contar a imprensa que quando a imprensa caiu de pau em cima, vai vender essa narrativa. Pode ser que nunca aconteça? Pode. Mas pode ser que amanhã, um mês, um ano ou quando ele terminar o mandato dele, isso venha à tona", disse Mauro Cid em terceiro áudio enviado a Giselle no mesmo dia.
As conversas mostram que era proibido pagar despesas com transferências bancárias. O método era o de pagamentos em dinheiro vivo. Para a PF, isso é um indicativo da existência de desvios de recursos públicos para a quitação dessas despesas.