Câmara aprova urgência de projeto contra adultização sob protestos de bolsonaristas
Votação do mérito da proposta, que já foi aprovada pelo Senado e tem apoio do governo Lula, deve ocorrer nesta quarta-feira (20)

Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (19), o regime de urgência do projeto que busca proteger crianças e adolescentes no ambiente online. A votação simbólica, feita em segundos pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), ocorreu sob protestos de deputados bolsonaristas.
Os deputados da oposição queriam forçar a votação nominal, em que cada deputado deve declarar seu voto, em vez da simbólica, mas Motta logo anunciou a votação do próximo tema, inviabilizando a manobra de obstrução da oposição. O mérito do projeto deve ser votado nesta quarta-feira (20).
Na votação simbólica, o presidente afirma que os deputados favoráveis devem permanecer como se encontram e, em seguida, declara a aprovação.
Líder do Novo, o deputado Marcel van Hattem (RS), afirmou que a atitude de Motta foi uma covardia. Segundo os deputados de oposição, eles pediram que houvesse a votação nominal, o que foi ignorado ou não foi ouvido pelo presidente.
"O presidente, que tem sido democrático, quer tratorar toda uma bancada que é contrária a essa proposta", protestou o deputado Carlos Jordy (PL-RJ). "Como nós ficamos com o nosso eleitor que exige de nós um posicionamento a respeito disso?", questionou ainda.
"Vossa Excelência quer chegar depois e aparecer. Essa presidência não vai permitir isso. A decisão está tomada, votação feita, amanhã votaremos o mérito da matéria", respondeu Motta ao deputado.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, deputados bolsonaristas, principalmente do PL e do Novo, declararam obstrução ao projeto, apontando que o texto contém o que consideram ser censura às redes sociais. Aliados do presidente da Câmara minimizaram a crítica, afirmando que o projeto terá maioria na Casa.
Ao chegar para a reunião com líderes de partidos nesta terça, Motta afirmou que obstruir o projeto "é um direito da oposição", mas ressaltou que trata-se de "uma pauta urgente da sociedade brasileira".
"Há um excesso de regulamentação, se usa do pretexto de combater a sexualização infantil para poder controlar as big techs. [...] É um problema que independe de regulamentação, que independe de lei, são os pais que deveriam proteger os menores e deixam eles com livre acesso [à internet]", disse mais cedo a líder da minoria, Caroline de Toni (PL-SC).
"É um projeto que, lamentavelmente, está sendo utilizado sob o pretexto de combater aquilo que precisa ser combatido, que é pedofilia, que é exposição ilegal de crianças nas redes sociais, para dar ao governo instrumentos para censurar a população brasileira sem uma decisão judicial. Isso é algo muito grave", completou van Hattem.
Segundo o cronograma proposto pelo presidente da Casa, a votação do projeto no plenário ocorrerá na quarta, logo após uma comissão geral, que ouvirá, a partir das 9h, parlamentares e especialistas sobre adultização.
O texto, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), já foi aprovado no Senado e conta com o apoio do governo Lula (PT), que aproveitou a exposição do tema pelo youtuber Felca para tentar avançar em outros projetos de regulação de redes sociais algo de que os bolsonaristas não querem nem ouvir falar.
A versão final do projeto de lei de regulação das big techs do governo Lula usa critérios semelhantes aos adotados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em decisão de junho que alterou o Marco Civil da Internet.
Segundo os deputados da oposição, deveria haver uma distinção entre punir a exploração online de menores de idade e estabelecer regras para conteúdos nas redes sociais. O relator do PL 2628, deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), argumenta que não é possível separar as duas coisas.
"O problema está justamente em como as redes funcionam hoje. A lógica de engajamento a qualquer custo expõe crianças e adolescentes a riscos sérios. Discutir soluções sem rever esse modelo seria inócuo", afirma.
Alencar, para quem a polarização pode contaminar o debate, diz que o projeto não trata de censura ou regulação política de conteúdos. "Essa é uma pauta que deveria unir todos os lados."
O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou à Folha de S.Paulo na semana passada que havia um incômodo com a mudança de posição de Motta, que a princípio anunciou que todos os projetos sobre proteção de crianças e adolescentes seriam reunidos em um grupo de trabalho, que teria de 30 a 60 dias para elaborar um novo texto conjunto.
Agora, o presidente da Câmara diz que o grupo de trabalho será paralelo e complementar à discussão do PL 2628, que ele decidiu destacar e acelerar após um apelo de entidades da sociedade civil.
O texto prevê remoção de conteúdo caso haja decisão judicial ou caso o conteúdo esteja em desacordo com a classificação indicativa o que vale para conteúdos de pedofilia, adultização, jogos de azar e automutilação, por exemplo. A medida estabelece ainda regras para proteção de dados e publicidade digital infantil.
Depois do motim bolsonarista que paralisou o plenário no último dia 5, Motta aposta no projeto da adultização para buscar consensos e fazer andar a pauta da Casa plano que pode ser atrapalhado pela discussão inflamada sobre regulação de redes.