Caso Luísa Sonza: "Internet e as redes sociais não são uma terra sem lei", garante advogada de Direito Digital
Especialista explica quais são as principais penalidades para quem pratica crimes virtuais
Foto: Divulgação
Não é de hoje que a cantora Luísa Sonza tem sido alvo de ataques cibernéticos. Desde que se separou do ex-marido, o humorista Whindersson Nunes, ela tem sido ameaçada e xingada na internet e o aumento das intimidações agressivas por causa da morte do filho do humorista foram o estopim para a cantora abandonar o mundo virtual.
Essa espécie de “linchamento virtual” tem sido comum tanto para famosos quanto para anônimos e se manifesta, principalmente, quando as pessoas se posicionam seja em relação à sua preferência política, a vida amorosa ou na defesa de uma causa. A possibilidade de criar um perfil anônimo na internet e a falsa sensação de “proteção” também chamam a atenção para a atuação da Justiça em casos de crimes cibernéticos.
Para ilustrar esse cenário, dados recentes dos Cartórios de Notas da Bahia mostraram que os crimes virtuais cresceram quase 150% em abril deste ano em comparação com 2020. Em números totais, foram 65 casos no ano passado contra 162 casos registrados no quarto mês de 2021.
Em março deste ano, o Governo Federal aprovou a chamada "Lei do Stalking" (14.155/2021), que determina como crime ameaça à "integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade" (Art. 147).
Em entrevista ao Farol da Bahia, a advogada de Direito Digital, Ana Paula de Moraes, garantiu que a internet não é terra sem lei e que o anonimato às pessoas que cometem crimes virtuais não garante proteção para eventuais penalidades.
A advogada também esclareceu os limites entre liberdade de expressão e discurso de ódio, detalhou as penalidades específicas para cada caso e deu recomendações de como proceder caso a pessoa seja vítima de crimes virtuais. Confira a entrevista completa abaixo:
Farol da Bahia (FB): A possibilidade de criar um perfil falso faz com que as pessoas se “escondam” nessas contas para fazer ameaças às vítimas no ambiente virtual. O anonimato garante alguma proteção na internet?
Ana Paula (AP): Como sempre esclareço a todos, a nossa Constituição Federal em seu artigo 5.º nos ensina e garante que a ninguém é garantido o anonimato. Desta forma, podemos afirmar que a internet e as redes sociais não são uma terra sem lei e, por esse motivo, toda e qualquer pessoa que vier a cometer qualquer tipo de crime no mundo virtual está sujeito a ser identificado e por consequência responderá pelos crimes por ele ou ela praticado no mundo virtual.
Saliento que todo dispositivo móvel possui um número de IP (Internet Protocol) e esse número está atrelado ao seu telefone celular já que todos utilizam dados móveis da sua operadora de telefonia que lhe garante o acesso ao ambiente virtual. Assim sendo, uma vez que a pessoa comete um crime cibernético e a vítima registra uma ocorrência, a autoridade policial vai requerer a quebra destas informações à empresa de telefonia ou, se for através de e-mail à empresa que seu endereço de e-mail está atrelado ou, ainda, se o crime se der em ambiente de redes sociais e aí incluímos os mensageiros eletrônicos (WhastApp ou Telegram) essas empresas serão notificadas para fornecer os dados da pessoa que está sob investigação.
Além disso, devemos esclarecer a todos que estão acompanhando essa reportagem que todas as leis existentes no Brasil podem ser aplicadas para combater ou mitigar os ilícitos praticados no ambiente virtual. Não é à toa que no último dia 27/05 foi sancionada a Lei 14.155/2021 a qual passa a regulamentar os crimes cibernéticos como fraude, furto e estelionato praticados com o uso de dispositivos eletrônicos como celulares, computadores e tablets. Tais crimes passarão a ser punidos com penas mais duras.
A lei altera o Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940) para agravar penas como invasão de dispositivo, furto qualificado e estelionato ocorridos em meio digital, conectado ou não à internet. De acordo com a nova redação do Código Penal, o crime de invasão de dispositivo informático passará a ser punido com reclusão, de um a quatro anos, e multa, aumentando-se a pena de um terço a dois terços se a invasão resultar em prejuízo econômico. Antes, a pena aplicável era de detenção de três meses a um ano e multa.
Assim sendo, essa pena será aplicada para toda e qualquer pessoa que invadir um dispositivo móvel de terceiro (celular, tablet ou notebook) a fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do dono, ou ainda instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.
Caso o criminoso digital ao invadir o dispositivo informático de terceiro, venha obter conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido, a pena será de reclusão de dois a cinco anos e multa. Salientamos que antes da sanção da nova lei, a pena aplicada para esse tipo de crime era de seis meses a dois anos e multa.
A respectiva legislação também acrescentou ao Código Penal o agravante de pena para os casos de furto qualificado por meio eletrônico, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento similar. Nesse caso, a pena será de reclusão de quatro a oito anos e multa.
Se o crime for praticado contra idoso ou vulnerável, a pena aumenta de um terço ao dobro. E, se for praticado com o uso de servidor de informática mantido fora do país, o aumento da pena pode ir de um terço a dois terços.
Da mesma forma que a mesma legislação, também, se preocupou de incluir no mesmo Código Penal que a pena para aqueles que cometem o crime de estelionato será de reclusão de quatro a oito anos e multa quando a vítima for enganada e fornecer informações por meio de redes sociais. Anteriormente o estelionatário — indivíduo que engana alguém e causa prejuízo a essa pessoa para obter vantagem ilícita — podia ser punido com pena de reclusão de um a cinco anos e multa.
Assim como no furto qualificado, a pena para estelionato via meio eletrônico é aumentada se for utilizado servidor fora do território nacional ou se o crime for praticado contra idoso ou vulnerável. Quando o estelionato for praticado por meio de depósito, emissão de cheques sem fundos ou mediante transferência de valores, a exemplo do que acontece com os golpes de WhatsApp, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima.
FB: Juridicamente, quais são os limites entre liberdade de expressão e discurso de ódio?
AP: Mais uma vez recorro à nossa Constituição Federal, para lhe responder a essa pergunta. Veja a Carta Magna do Brasil em seu artigo 5º, incisos IV, V e IX, respectivamente, nos ensina que: “é livre a manifestação do pensamento”, “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”, e “é livre a expressão de atividade o direito à liberdade de expressão é tratado como garantia da autonomia dos particulares, de modo a reconhecer a independência do indivíduo perante a sociedade.
Já no que diz respeito à liberdade de expressão relacionado a comunicação social, a mesma Constituição Federal em seu artigo 220 da nos ensina que “a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observando o disposto nesta Constituição”. De forma a reafirmar a proibição à criação de embaraços à plena liberdade de informação pelos veículos de comunicação social, o legislador dispôs no parágrafo 2º, do art. 220, que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Neste sentido, podemos afirmar que o discurso de ódio se configura no momento em que ultrapassa o limite do direito à liberdade de expressão, incitando a violência, desqualificando a pessoa que não detém as mesmas características ou que não comunga das mesmas ideias e passa a incitar a violência.
FB: Quais são as penalidades para quem comete crime virtual?
AP: A penalidade para quem comete crime virtual está diretamente ligada ao tipo de crime cometido. Conforme esclarecemos anteriormente, o Brasil acaba de sancionar uma lei para tratar especificamente dos crimes cibernéticos, além destes crimes elencados pela nova legislação não podemos esquecer dos crimes contra a Honra, quais sejam: Calúnia, Injúria e Difamação. Cuja diferença é:
Caluniar - atribuir falsamente crime.
Difamar - atribuir fato negativo que não seja crime.
Injuriar - atribuir palavras ou qualidades negativas, xingar.
E neste sentido você também terá a aplicação de pena de forma diferente, então no Crime de Calúnia que está regulamentado no Art. 138 do Código Penal, o mesmo estabelece que - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
Já na Difamação que está regulamentado no art. 139, também, do Código Penal o mesmo estabelece que: - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Já no caso da Injúria o Art. 140 do Código Penal regulamenta que – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)
Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.
Mas é claro que não fica só nisso temos, também, o crime de injúria racial que se caracteriza quando uma pessoa ofende alguém com base em sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência. O Código Penal, em seu artigo 140, descreve o delito de injúria, que consiste na conduta de ofender a dignidade de alguém, e prevê como pena, a reclusão de 1 a 6 meses ou multa.
Já o crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, caracteriza-se pela conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. A legislação elenca uma relação de situações que podem ser enquadradas como como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros.
Desta forma, como eu disse no início, vai depender do ato ilícito praticado pelo autor do crime e, caso seja verificado que o ato praticado possui uma série de crimes praticados ao mesmo tempo, esse criminoso então vai responder por um concurso de crimes cujo cálculo da pena será realizado pelo juiz responsável pelo julgamento do processo.
FB: Caso a pessoa seja vítima de crime digital, como ela deve proceder?
AP: Bem a primeira coisa a ser feita é realizar a salvaguarda das provas que comprovam a prática do crime, seja essa prova um print do ambiente virtual; seja um arquivo de áudio ou vídeo ou, ainda, uma conversa em aplicativo de mensagem eletrônica de forma individual ou em grupo de WhastsApp ou Telegram.
Uma vez feita a coleta e guarda das provas, ato contínuo a vítima deve realizar um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima à sua residência. Após a realização do boletim de ocorrência, a vítima deve realizar a lavratura da ata notarial a qual tem por objetivo dar validade jurídica às provas coletadas; isso porque no dia do depoimento da vítima junto a autoridade policial que está à frente da investigação a vítima deve entregar a Ata Notarial seja original ou cópia autenticada ao delegado ou delegada pois, assim, ela provará que as suas provas possuem robustez jurídica para que a investigação prossiga com segurança jurídica.