Caso Samarco: novo acordo não atrai e cidades focam em ação inglesa
Poucos impactados por queda de barragem em Mariana concordam com repactuação
Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil
A repactuação do processo de reparação dos danos gerados no rompimento da barragem da mineradora Samarco ainda não atraiu grande parte das cidades impactadas. Firmado em 2024 e homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o novo acordo foi discutido na procura de resoluções para impasses que continuam depois de mais de 9 anos da tragédia. Entre várias providências, foi prevista a transferência de recursos para as prefeituras dessas cidades.
Porém tinha uma condição: desistir da ação de reparação de danos que tramita na Justiça inglesa. Contudo, até então, somente quatro tiveram a desistência confirmada. Os outros 42 persistem na procura pela reparação dos danos fora do país.
O acordo de repactuação cedeu às prefeituras 120 dias para resolver se a cidade irá aderir. A contagem do prazo começa com a data da homologação pelo STF, que aconteceu em 6 de novembro de 2024. Desse modo, a decisão pode ser considerada até o dia 6 de março. Várias cidades têm manifestado inclinação a continuarem focados no processo que tramita nos tribunais ingleses.
A prefeitura de Ouro Preto (MG) está entre as que, até então, não adotaram à repactuação. Em nota, a cidade defende que "o acordo não reconhece os prejuízos sofridos no território e, por isso, não promove a reparação necessária". O texto ainda registra que a administração municipal observa de perto os desdobramentos do processo na Inglaterra.
Rompimento da barragem
A barragem que se rompeu no dia 5 de novembro de 2015 se encontrava-se na zona rural da cidade de Mariana (MG), em um complexo minerário da Samarco, uma joint venture que tem como acionistas a anglo-australiana BHP Billiton e a brasileira Vale. No momento, cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos escoaram pela Bacia do Rio Doce, até a foz no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram, dois distritos - Bento Rodrigues e Paracatu - foram totalmente destruídos e tiveram impactos às populações de dezenas de municípios mineiros e capixabas.
O julgamento na Inglaterra tinha sido paralisado em 20 de dezembro para o recesso de final de ano e foi reavido na última segunda-feira (13). Nele, quase de 620 mil atingidos, além de cidades, comunidades indígenas e quilombolas, empresas e instituições religiosas, processam a BHP Billiton, que fica em Londres. São anotadas perdas de propriedades e de renda, crescimento de despesas, impactos psicológicos, impactos decorrentes de deslocamento e falta de acesso à água e energia elétrica, entre outros prejuízos.
A ação, que tramita desde 2018, foi para a etapa de julgamento do mérito em outubro de 2024. Ao final das audiências, que deverão continuar até o mês de março, os juízes irão decidir se há ou não responsabilidade da mineradora. Em caso positivo, o tribunal começará a analisar os pedidos de indenização individual, o que poderá se postergar até o fim de 2026.
Tem um acordo entre a BHP Billiton e a Vale para que, se houver condenação, cada uma arque com 50% dos valores fixados. O escritório Pogust Goodhead, que representa os atingidos, pleiteia uma indenização a ser paga pelas mineradoras em cerca de R$ 260 bilhões. Se porventura a sentença seja condenatória, os valores teriam de ser pagos à vista.
No acordo de repactuação, as mineradoras se comprometeram a destinar R$ 100 bilhões em dinheiro novo. Deste total, R$ 6,1 bilhões seriam para as 49 cidades, em parcelas por ano que se estendem por 20 anos. São listados em específico os valores para cada um deles. A maneira como os recursos foram divididos foi determinada baseada na proposta feita pelo Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), composto somente por cidades atingidas pela tragédia.
Diferentes administrações, contudo, consideram que o montante repartido é escasso. Essa é uma queixa do prefeito de Mariana, Juliano Duarte. A cidade faz jus à maior quantia, de R$ 1,22 bilhão. Duarte, contudo, já se manifestou em diferentes contextos que julga o valor pequeno perante os danos suportados. Ele critica ainda o longo parcelamento, fazendo com que os valores cheguem a conta-gotas.
A Samarco declara em nota que 12 cidades já aderiram ao novo acordo e que, em dezembro, foram feitos repasses que somam R$ 26,8 milhões. Os recursos recebidos devem ser designados para iniciativas diferentes envolvendo temas variados: fomento à agropecuária, melhoria de sistema viária, gestão de cultura e turismo, educação, saneamento e saúde. Há, contudo, diferenças entre a lista das cidades atingidas reconhecidas pelo acordo e a relação daquelas que estão incluídas no processo inglês.
Córrego Novo (MG), Sobrália (MG), Conceição da Barra (ES) e São Mateus (ES) são os quatro que já desistiram oficialmente e foram confirmados no tribunal estrangeiro. Além deles, a Samarco confirma que teve a adesão à repactuação formalizada por Ponte Nova (MG) que procurava também pela reparação na Inglaterra. O escritório Pogust Goodhead salienta que, até então, só recebeu quatro pedidos de desistência.
Além das cinco cidades, sete que já adotaram à repactuação - Iapu (MG), Santana do Paraíso (MG), Marliéria (MG), Anchieta (ES), Fundão (ES), Serra (ES) e Linhares (ES) - não estavam na ação que ocorre na Inglaterra. "A Samarco segue em diálogo com os demais municípios para viabilizar novos repasses e assegurar uma reparação definitiva dos danos provocados pelo rompimento", adiciona a nota publicada pela mineradora.
Prazo máximo
Uma parte das cidades deseja utilizar todo o prazo disponível para avaliar o cenário e tomar um parecer. De um lado, há expectativa de que a Samarco seja convencida a melhorar as condições que estão no acordo de repactuação, o que alteraria o cenário. De outro, há ainda diálogos com o escritório Pogust Goodhead para uma melhor compreensão do prognóstico em volta do processo inglês.
O prefeito de Colatina (ES), Renzo Vasconcelos, é um dos que também consideram as opções. A prefeitura declarou que o prazo limite de 6 de março deve ser utilizado para decidir e que "recebeu, nesta semana, representantes do escritório inglês e das empresas envolvidas no rompimento da barragem".
No final de 2024, quando o tribunal inglês começou recesso dele, os advogados das vítimas publicaram um balanço positivo das últimas audiências. Eles consideraram que foram expostas evidências graves sobre falhas de governança e omissões de segurança em relação à barragem. "Documentos e depoimentos de diversas testemunhas mostraram que a BHP já tinha ciência dos riscos de rompimento desde 2014, mas não implementou evacuações preventivas em Bento Rodrigues, mesmo sabendo que uma ruptura inundaria a área em menos de 10 minutos", afirma nota assinada pelo escritório.
Opções
Costurado depois de três anos de discussões, o acordo de repactuação procurou oferecer respostas aos impasses acumulados e aos milhares de processos judiciais discutindo a atuação das mineradoras e da Fundação Renova. A entidade tinha sido criada para administrar todas medidas reparatórias, segundo o que fixou um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado em 2016 entre as mineradoras, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Contudo, depois de mais de nove anos, tinha questionamentos envolvendo temas como indenizações individuais, reconstrução de comunidades destruídas, recuperação ambiental e outros itens.
O novo acordo de repactuação extingiu a Fundação Renova e determinou novas medidas. Todos os signatários do TTAC e ainda as instituições de Justiça que trabalham tanto em âmbito federal como nos dois estados - Ministério Público e Defensoria Pública - participaram das tratativas. A mesa, contudo, não contou com representantes das cidades. Esse é um fator que já gerou várias manifestações de insatisfação entre os prefeitos.