Salvador

Celebrando a beleza negra: o legado vibrante do Ilê Aiyê

Saiba mais sobre a jornada de resistência e cultura afro do bloco em Salvador

Por Laiz Menezes
Ás

Celebrando a beleza negra: o legado vibrante do Ilê Aiyê

Foto: Reprodução/EBC

A beleza negra. As cores vibrantes. O legado da resistência. A alegria contagiante. O ritmo envolvente. A exaltação da cultura afro. E um grupo musical com quase 50 anos de existência, tão marcante em Salvador, que somente frases já deixam claro que bloco é esse. 

Primeiro bloco afro do Brasil, fundado em 1974, o Ilê Aiyê é figura marcante no Carnaval de Salvador. Mas não só nele.

A folia momesca acontece em seis dias, mas o ano é longo e as atividades não param: as escolas continuam, a busca por recursos permanece ativa, outros eventos são realizados, e o planejamento é intenso para conseguir colocar o bloco na rua durante a festa de fevereiro. 

Uma das ações promovidas pelo Ilê Aiyê já foi realizada neste ano. A Noite da Beleza Negra aconteceu no dia 13 de janeiro, no bairro do Curuzu, onde fica a sede do bloco. Na ocasião, a empresária, professora e coreógrafa Larissa Valéria Sá Sacramento, de 29 anos, foi eleita a nova Deusa do Ébano, no ano do cinquentenário do grupo afro-musical. 

E a história dela com o Ilê é longa, vem desde a infância. “Minha vivência no bloco afro vem desde a união dos meus pais. Ele era músico e minha mãe associada. Fiz parte do projeto cultural juvenil chamado Band’erê (Ilê Mirim), no qual aprendemos sobre corte e costura, canto, dança, percussão e cidadania”, lembrou a empresária em entrevista ao Farol da Bahia.

Para o presidente e fundador do bloco, Vovô do Ilê, a Noite da Beleza Negra é um momento de resgate da autoestima das baianas. “Foi uma grande contribuição [a criação do evento]. É um resgate do orgulho da mulher negra, dela assumir que é bonita, que é linda, que é cheirosa, que é competente, que é poderosa”, destacou. 

A Deusa do Ébano deste ano também reforçou as falas do presidente do grupo afro: “Nascida e criada na comunidade onde o Ilê foi fundado, a resistência do bloco e a potência em existir me define como mulher preta em uma sociedade ainda machista. A grande Noite da Beleza Negra para mim é uma noite de celebração da autoafirmação da identidade e exaltação da importância do poder feminino na sociedade”. 

Antes de Larissa, outras foram eleitas como Deusa do Ébano. Vovô do Ilê lembra que logo no primeiro ano de criação do bloco, em 1974, e na primeira presença do grupo no Carnaval de Salvador, em 1975, já era eleita a rainha do bloco. Em 1980, o evento foi oficializado pelo então diretor do grupo, já falecido, Sérgio Roberto. 

“Bem no início já escolhemos a rainha do bloco, mas era na quadra mesmo, pegava uma negona que tava assistindo o ensaio, chamava para completar, fazer um número [...] Quando nós anunciamos, a primeira noite da Beleza Negra foi bem bonita nessa cidade, porque as pessoas não sabiam o que era isso. Falavam que era ousadia nossa. Os eventos aqui, já tínhamos os clubes carnavalescos, mas só mulheres brancas. A rainha do carnaval, também branca. Com o surgimento do Ilê que começou a mudar essas coisas”, contou o fundador. 

O bloco está sempre em movimento 

As atividades desenvolvidas pelos blocos afros de Salvador não param. É certo que o período carnavalesco é um dos mais movimentados e, com certeza, um dos mais vistos pelo público. Todos os anos, o grupo sai na maior festa de rua do mundo. Mas a preparação para colocar tanta gente no desfile, com a beleza e perfeição que o bloco exige, é grande. 

“Passa quarta-feira de cinzas, começou a quaresma, nós já estamos trabalhando de novo, porque as atividades não param. Passou o carnaval, dá um tempo, e já começam as atividades, as nossas escolas, o atendimento a comunidade, essa busca incessante de parceiro, de recurso. Os outros blocos [não afros] só se reúnem a partir do do verão, começam a fazer ensaio, manda fazer seus abadás e vão pra rua, diferente da gente [blocos afros]”, explicou Vovô do Ilê. 

São realizadas festas de pré-carnaval, de São João, do Novembro Negro, celebração do aniversário do Ilê, além de outros eventos criados pelo bloco, como a Semana da Mãe Preta, em setembro, o Festival de Grãos Wajeum Ilê Aiyê e a própria Noite da Beleza Negra. Além disso, ainda tem as atividades de cunho social que são desenvolvidas dentro da comunidade do Curuzu com as famílias em situação de vulnerabilidade. 

História 

Sediado no Terreiro Ilê Axé Jitolú, fundado pela matriarca Mãe Hilda, em 1951, o grupo musical surgiu com uma ideia bem original e, por que não dizer, revolucionária: um bloco formado exclusivamente por negros. Tanto é que um trecho de uma das músicas mais famosas do Ilê já dizia o propósito de quem o compunha: “Que bloco é esse?/ Eu quero saber/ É o mundo negro que viemos mostrar pra você”. Foi essa, inclusive, a canção tema da saída do bloco em 1975. E assim acontece, em todo sábado de Carnaval, com o som dos tambores da banda, o banho de pipoca e a soltura de pombas brancas. 

“São muitos momentos emocionantes que marcam o Ilê. A primeira saída foi uma coisa muito interessante, impactante. Subimos o Curuzu com 100 pessoas negras, faltou energia na sede do Ilê, minha mãe fez aquele ritual pela primeira vez, da saída do Ilê. Em 1982 surgiu o primeiro bloco afro fora de Salvador, que foi Agbara Dudu, no Rio de Janeiro. Em 83 surgiu um bloco afro, o primeiro bloco em São Paulo, com Sueli Carneiro e Regina Rolland. Então, eu chamo de revolução dos tambores, tanto que eu não falo de 50 anos de Ilê Aiyê, falo de 50 anos de bloco afro no Brasil e fora do Brasil”, declarou Vovô do Ilê. 

Neste ano, o tema do carnaval do Ilê Aiyê é “Vovô e Popó”, em homenagem aos seus fundadores: Apolônio Souza de Jesus Filho (Popó do Ilê) e Antonio Carlos dos Santos Vovô (Vovô do Ilê). A tradicional saída do bloco acontece no sábado (9).

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