Criança indígena tem 14 vezes mais chance de morrer de diarreia do que uma branca, diz estudo
Levantamento da Fiocruz aponta profundas desigualdades raciais na mortalidade infantil

Foto: Agência Brasil
De janeiro a agosto de 2019, cerca de 16 crianças indígenas com menos de cinco anos morreram por diarreia em duas aldeias do interior do Acre. Um estudo feito pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e publicado na revista científica Lancet mostra que a situação não é excepcional e faz parte de um quadro de desigualdade racial entre as crianças brasileiras.
Segundo os dados, crianças indígenas têm 14 vezes mais chances de morrer por diarreia. Esse mesmo risco é 72% maior entre as pretas quando comparado com as chances em crianças nascidas de mães brancas. Já é conhecido pela ciência que, assim como idosos, as crianças menores de cinco anos estão mais suscetíveis aos riscos decorrentes do lugar em que vivem, da qualidade da água, da falta de acesso ao saneamento básico, da falta de acesso a serviços de saúde, da escolaridade, entre outros fatores.
“O racismo ele opera como fator que vai determinar as condições de vida dessa criança, os anos de escolaridade da mãe, o local que nasce, por isso é importante ser considerado”, explica Poliana Rebouças, pesquisadora associada ao Cidacs/Fiocruz Bahia e responsável por liderar o estudo.
O levantamento observou 19.515.843 milhões de crianças nascidas entre 1º de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2018. A partir dessa amostra expressiva coletada do Sistema de Nascidos Vivos (Sinasc), conferiu-se quantas e quais dessas crianças também apareceram no Sistema de Mortalidade (SIM). Os dados extraídos em 2020 constataram que 224.213 crianças menores de 5 anos foram encontradas no SIM. “E o que a gente traz neste estudo é que essas mortes, muitas vezes, ocorrem por causa evitáveis, como diarreia, desnutrição, pneumonia e gripe”, afirmou Poliana.
Como todo estudo epidemiológico, este também se refere ao risco comparado. Neste caso, o grupo usado como base de comparação é o das crianças nascidas de mães brancas, neste mesmo período, sempre em relação a outros grupos, como é o caso de crianças de mães pretas ou pardas. Para o caso das mães pretas, há 39% a mais de risco para que a vida seja interrompida antes mesmo dos 5 anos. Para as crianças filhas de mães pretas, quando se pensa na causa da morte, há duas vezes mais risco de morrer por má nutrição.
A pesquisa também observou as causas de morte: diarreia, má nutrição e pneumonia são os desfechos mais associados à morte de crianças com menos de 5 anos. Se a diarreia afeta 14 vezes mais a vida das crianças indígenas, a má-nutrição chega a 16 e a pneumonia a 7 vezes. Entre as mulheres pretas, também há risco de que percam seus filhos por estes desfechos. Esses riscos foram quantificados em 72% (diarréias), 78% (pneumonia) e 2 vezes mais (má-nutrição). Tudo isso em comparação com as crianças nascidas de mães brancas. Quando pensado em causas acidentais, as crianças filhas de mães pretas têm 37% mais riscos de morrerem do que as de mães brancas. Já entre os indígenas, esse risco é aumentado para 74%.
Perfil das mães
Entre as variáveis observadas estava o status em termos de relacionamento dessas mães: 52% das mulheres pretas apresentavam estado civil solteira, entre as indígenas essa porcentagem é de 43%, as pardas 45% e entre as brancas 36%. Além de vivenciarem mais a maternidade solo, elas integram também uma fatia importante das que têm quatro filhos (três filhos vivos na hora do parto e o que está nascendo). Esse grupo é liderado pelas indígenas que têm mais filhos: elas são 34%, as pretas 14%, as pardas 12% e as brancas 6%.