Decisão de contingenciar gastos gera embate no governo e preocupação com TCU
Um dos técnicos ouvidos pela Folha reconhece que, se as novas estimativas do Orçamento indicarem um déficit de até R$ 28,8 bilhões
Foto: Agência Brasil
A discussão sobre o contingenciamento de gastos para assegurar o alcance da meta fiscal de déficit zero em 2024 abriu um embate dentro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Uma ala da equipe econômica defende segurar despesas mesmo que a estimativa das contas públicas fique dentro do intervalo de tolerância, que permite um resultado negativo de até R$ 28,8 bilhões. Em maio, a projeção indicava um déficit de R$ 14,5 bilhões.
A preocupação dessa ala é mostrar para o TCU (Tribunal de Contas da União) que o governo não está perseguindo o limite inferior da banda, apenas para cumprir a regra do novo arcabouço fiscal, mas sim o centro da meta.
A ideia, porém, enfrenta resistências de outro grupo, que vê com reservas a tese de que é preciso impor uma trava mais dura para mostrar à corte de contas e ao mercado disposição do governo em frear despesas.
Para esse grupo, o governo deve mirar o centro da meta, mas se o relatório projetar um resultado dentro do intervalo, não cabe contingenciamento.
Nos últimos dias, as incertezas em torno do compromisso do Executivo com o cumprimento das regras ajudaram a impulsionar a cotação do dólar, que chegou a passar dos R$ 5,70 durante os negócios na terça-feira (2).
O contingenciamento é necessário quando há frustração de receitas. Nessa situação, o governo precisa segurar os gastos para evitar o estouro da meta fiscal.
O próximo relatório de avaliação de receitas e despesas, relativo ao terceiro bimestre, será divulgado em 22 de julho. No estágio atual, apontar qualquer número seria especulação, pois os dados atualizados de gastos obrigatórios e da evolução da arrecadação ainda não estão prontos.
Um dos técnicos ouvidos pela Folha reconhece que, se as novas estimativas do Orçamento indicarem um déficit de até R$ 28,8 bilhões dentro do intervalo de tolerância, é possível que haja um racha na equipe econômica em torno da decisão sobre o contingenciamento.
Por isso, há até uma espécie de torcida para que a reavaliação aponte um resultado mais negativo do que a banda permite. Assim, a necessidade de congelar recursos seria inequívoca, e o embate se daria em torno do tamanho do bloqueio.
Nesta segunda (1º), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que o contingenciamento será do "tamanho necessário" para cumprir as regras do arcabouço fiscal, mas não deu detalhes.
Em junho, o TCU emitiu um alerta de que tomar o limite inferior da banda de resultado primário como referência para adotar ou não o contingenciamento pode elevar o risco de estouro da meta e "afetar a credibilidade das regras fiscais".
A decisão do plenário foi recebida por parte dos integrantes da equipe econômica como um recado importante sobre como o tribunal vai analisar a condução da política fiscal.
O tribunal ainda não se manifestou sobre outro aspecto relevante: a possibilidade de limitar o contingenciamento de despesas a R$ 25,9 bilhões, conforme previsto na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), sem que isso configure infração do gestor.
O Ministério do Planejamento enviou a consulta formal ao TCU sobre o tema, mas o processo ainda não tem data para ser julgado.
O governo está otimista com o desfecho sobre o caso, apesar da manifestação contrária da área técnica. Ainda assim, o tom é de cautela.
Parte dos técnicos do governo diz que, sem decisão definitiva do tribunal até 22 de julho, a recomendação será efetuar o contingenciamento em valor mais conservador mas sem paralisar a máquina pública para evitar que eventual revés na corte de contas pegue o governo de surpresa.
Qualquer decisão diferente disso, segundo um dos técnicos, pode deflagrar um impasse e a resistência de gestores em assinar os documentos que formalizam as estimativas.
A avaliação da ala mais cautelosa é de que empurrar com a barriga e evitar agora um contingenciamento mais significativo pode, inclusive, criar uma armadilha para o próprio governo, que ficaria nas mãos do Congresso Nacional.
A lei complementar do novo arcabouço fiscal descriminalizou o estouro da meta fiscal, mas estabeleceu uma série de gatilhos de contenção de gastos. Um deles, como mostrou a Folha, pode tirar até R$ 16 bilhões de Lula em 2026, ano de eleições presidenciais.
Nas palavras de um técnico, o descumprimento da meta "não mais derruba o presidente, mas o deixa sangrando".
Sem uma base consolidada no Congresso Nacional, o governo enfrentaria dificuldades para aprovar eventual flexibilização no alvo para 2024.
Já os opositores e a ala do centrão mais sedenta por emendas teriam uma poderosa moeda de troca para barganhar com o Executivo. Por isso, parte dos técnicos defende que, diante da "arapuca montada", o governo seja cauteloso e adote o contingenciamento ainda em julho.