Defensores lançam campanha por equidade racial
Pessoas pretas lideram atendimentos feitos por Defensores baianos
Foto: Getty Images
Defensores públicos de todo o país, representados pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), iniciaram na última quarta-feira (19), dia em que é celebrado o dia do Defensor Público, a campanha ‘Racismo se combate em todo lugar: Defensoras e Defensores Públicos pela equidade racial’. A ação visa fomentar a necessidade de equidade no acesso a direitos e às políticas públicas de pessoas indígenas, negras, quilombolas e povos tradicionais.
Na Bahia, 90% das pessoas que buscam diariamente pelo serviço da Defensoria Pública do Estado (DPE-BA) são pretas e, dessas, a maioria tem renda abaixo de R$500. Os dados são do levantamento feito pelo Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial da DPE, instituído em 2019. Ao Farol da Bahia, o presidente da Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado (ADEP-BA), Igor Santos, disse que atuar em prol dos minorias é um dos principais papéis da categoria e, em meio à pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, essa tarefa tem sido ainda maior. Além disso, ele também falou sobre a importância da campanha.
“A campanha, além de cumprir um dos objetivos da Defensoria, que é promover a difusão e conscientização dos direitos, objetiva pautar o tema do racismo em uma sociedade como a baiana que, como é de conhecimento, por ser uma das maiores representantes das pessoas indígenas, negras, quilombolas e povos tradicionais, também é uma das maiores representações de práticas racistas, a exemplo, para citar o mais recente, do duplo homicídio relacionados a suposto furto no ‘Atakadão Atakarejo’,em Salvador, no último dia 26”, explicou.
Segundo ele, todo ano a ANADEP lançou uma campanha nacional, que foi trabalhada ao longo dos 12 meses com uma temática afetiva à atividade institucional. Este ano, a defensora pública baiana Clarissa Verena, coordenadora da Comissão de Igualdade Racial da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), conduz nacionalmente a campanha sobre o racismo.
Sobre as pessoas pretas serem a maior parte da população que recorre aos atendimentos realizados pelo defensores baianos, Igor Santos explica, ainda em entrevista ao Farol da Bahia, que os serviços mais solicitados são os que envolvem a área do Direito de Família e, segundo ele, na pandemia, houve um aumento de pedidos relacionados a fixação e cobrança de pensão alimentícia.
“Vale dizer, são os pedidos para que a autoridade judicial diga quanto o genitor deve pagar de pensão para os filhos e também para que o juiz determine o pagamento da pensão que deixou de ser paga, embora já determinada. Nesse recorte, a grande maioria das assistidas são mulheres, pretas e chefes de família, o que é também um retrato dessa sociedade baiana na pandemia: dado o processo de empobrecimento e intensificação da desigualdade social os genitores deixam de pagar, ou pagam de forma incompleta, a pensão e as genitoras se veem obrigadas a recorrer à justiça, por meio da Defensoria, para que o direito de seus filhos sejam atendidos”, afirmou.
Questionado sobre qual é o papel da Defensoria Pública no combate ao racismo, Igor Santos disse que “a campanha nacional já é uma forma de combate ao racismo, mas nós defensores entendemos que não é suficiente”.
“Enquanto Instituição, é também preciso que o discurso tenha efeitos práticos internos, prova disto é o recente edital de concurso, publicado no último dia 19 de maio, que traz novamente as cotas raciais (novidade no último concurso) e inova também ao tratar de cotas para os povos indígenas. Além disso, a Defensoria da Bahia conta desde 2019 com o Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial, hoje coordenado pela colega Vanessa Nunes Lopes”, disse.
A coordenadora do Grupo, Vanessa Nunes, destaca a importância de implementar uma politica antirracista nos órgãos para diminuir a disparidade e o racismo estrutural da sociedade, levando em conta quais são os serviços buscados e quem são, de fato, essas duas mil pessoas que buscam por ajuda todos os dias.
“A política de promoção da equidade racial e enfrentamento ao racismo da Defensoria Pública deve começar em um processo interno, como exemplo de mudança cultural na instituição. Outros dois pontos importantes do funcionamento dessa política são a garantia de ocupação, nas funções de confiança, de pelo menos 50% de mulheres e 30% de pessoas negras, o que enriquece a composição da gestão e promove representatividade, e a priorização de pautas importantes dos movimentos negros para a atuação das defensoras e defensores que estão na ponta”, detalha.
Direito à justiça e conscientização
De acordo com a Anadep, é importante que as pessoas conheçam o trabalho do órgão para que possam apoiar e usufruir desse direito. “A Defensoria Pública garante acesso à justiça para pessoas que não podem pagar por um advogado ou advogada particular e tem como objetivos a promoção da dignidade humana e a redução das desigualdades humanas,” diz a nota divulgada pelo órgão no lançamento da campanha.
Segundo o órgão, a ideia maior da campanha é fazer com que o debate sobre o racismo seja fomentado em todo o país. Para marcar o ato, foi disponibilizada uma cartilha virtual sobre o tema. O material busca esclarecer os mais diversos tipos de racismo, como o institucional, que parte, por exemplo, de órgãos públicos ou empresas privadas; recreativo, por meio de práticas humorísticas; e estrutural, ou seja, um sistema de opressão normalizado, que "nega direitos e decorre dos processos histórico e político".
A cartilha também traz esclarecimentos sobre a Lei 7.716/89, que classifica o racismo como crime inafiançável. Além disso, o material divulga instruções sobre como a pessoa deve agir caso seja vítima de racismo. De acordo com os dados da Anadep, com base no último Atlas da Violência, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em 2019, as pessoas negras são as maiores vítimas de mortes violentas no Brasil. De mais de 65 mil registros, ao menos 75% foram de indivíduos negros, e mais da metade, de jovens entre 15 e 29 anos. Já no caso dos indígenas, o número de assassinatos cresceu 20%.