Desembargadores do Mato Grosso recebem "extra" de mais de R$ 270 mil
ONG enxerga pagamento altos valores no Judiciário como forma de corrupção
Foto: Divulgação/TJ-MT
Com uma remuneração base de R$ 35,5 mil, o desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), Mario Kono, recebeu apenas no mês de dezembro do passado, quase R$ 274 mil como valor extra em sua conta. Ele não é exceção. A média do que foi pago aos 29 magistrados do tribunal, em dezembro, foi de R$ 262,8 mil. Os contracheques gordos do fim do ano vieram de “penduricalhos” e vantagens extras previstas nas normas da Corte. A Constituição limita o pagamento de salários no funcionalismo público ao que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que atualmente está em R$ 39,3 mil. Porém, em alguns casos, tribunais e demais órgãos públicos muitas vezes conseguem driblar a regra ao incluir auxílios como verbas indenizatórias, o que não entra no cálculo.
Em maio do ano passado, por exemplo, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) barrou uma tentativa do Ministério Público de Mato Grosso de criar um auxílio-saúde no valor de R$ 1 mil para cada procurador. O valor seria incorporado à folha de pagamento, mas não incidiria no teto. No caso do TJ-MT, os valores extras pagos em dezembro são divididos entre verbas indenizatórias (auxílios para transporte, alimentação, moradia e saúde) e vantagens pessoais (como 13º salário, indenizações por férias não tiradas e eventuais serviços extraordinários prestados pelos desembargadores).
No site do TJ-MT, os pagamentos estão separados em duas folhas salariais diferentes: correntes e complementares. Apenas cinco desembargadores receberam menos de R$ 200 mil em dezembro, já debitados os impostos e demais descontos. Ao todo, foram R$ 6,9 milhões apenas em pagamentos extras no mês. Apesar de chamar a atenção, o caso de Mato Grosso não é o único. Outros tribunais também pagaram valores acima do teto para desembargadores em dezembro, mas proporcionalmente menores.
No Congresso, uma proposta que regulamenta os pagamentos acima do teto constitucional no Judiciário, no Executivo e no Legislativo aguarda há mais de quatro anos para ser votada. Após passar no Senado, em 2016, a medida nunca foi analisada pela Câmara. O deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), relator da medida, afirmou que o fim do pagamento desses “penduricalhos” poderia gerar uma economia de pelo menos R$ 2,3 bilhões ao ano, segundo cálculo feito em 2018, quando apresentou seu relatório na comissão especial que discute o projeto.
A ONG Transparência Internacional, especializada em fiscalizar as contas públicas, vê o pagamento de altos valores no Judiciário como uma forma de corrupção institucionalizada. “O ponto central nisso é que essas excrescências, privilégios extraordinários e indecentes, que vimos corriqueiramente e aparecem a partir de investigações, são aberrações sistêmicas de corrupção. E corrupção institucional. Elas têm uma manto de legalidade, mas corrompem a natureza da coisa pública”, afirmou Bruno Brandão, diretor executivo da entidade no Brasil.