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Desequilíbrio tributário faz governo perder R$ 200 bi por ano, aponta estudo do Ipea

Documento é assinado pelo pesquisador da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, Sérgio Wulff Gobetti

Por Da Redação, Agência Brasil
Ás

Desequilíbrio tributário faz governo perder R$ 200 bi por ano, aponta estudo do Ipea

Foto: José Cruz/Agência Brasil/Arquivo

Em meio às batalhas que o governo federal tem enfrentado no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a cobrança de impostos, aumento de arrecadação e justiça tributária, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que brechas nas regras de cobrança de impostos fazem com que o governo deixe de arrecadar, anualmente, mais de R$ 200 bilhões.

O documento, intitulado "Ineficiências e Iniquidades do Imposto de Renda: Da Agenda Negligenciada para a Próxima Etapa da Reforma Tributária", é assinado por Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, atualmente cedido à Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul.

Segundo Gobetti, o estudo demonstra que “iniquidades perpetuadas” na legislação do Imposto de Renda geram ineficiências econômicas e comprometem o princípio da progressividade, ou seja, a ideia de que os mais ricos devem pagar proporcionalmente mais impostos que os mais pobres.

Disponível no site do Ipea, o estudo contribui para o debate sobre justiça tributária no momento em que a Câmara dos Deputados analisa um projeto de lei que isenta do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil mensais e estabelece uma tributação mínima para rendas mais altas, a partir de R$ 600 mil por ano.

O STF enfrenta uma discussão sobre decreto do governo que aumenta a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), após o Congresso ter derrubado a medida.

Regime tributário

O estudo critica as diferenças entre os regimes de tributação do lucro empresarial: Simples Nacional, lucro presumido e lucro real. Embora criados para simplificar a cobrança e incentivar pequenos negócios, os regimes simplificados (Simples e lucro presumido) acabaram sendo distorcidos, permitindo que empresas com alta lucratividade paguem menos impostos proporcionalmente.

Segundo Gobetti, isso gera injustiças, pois empresas com o mesmo faturamento podem ter sócios com capacidades de contribuição muito diferentes. A proposta do estudo não é extinguir esses regimes, mas recuperar seu objetivo original: facilitar a vida dos pequenos empresários, e não conceder vantagens desproporcionais.

Lucro menor

Outra falha, de acordo com o pesquisador, é que empresas podem buscar brechas para fazer com que o lucro presumido seja bem menor que o real.

"Na atualidade, muitos conglomerados são formados por empresas que estão enquadradas no lucro real e outras no lucro presumido. E há evidências de que por trás dessa organização empresarial existe uma estratégia de alocar o máximo de custos nas unidades submetidas ao lucro real e, por outro lado, registrar o máximo de faturamento possível nas unidades sujeitas ao lucro presumido. Assim, por meio de uma divisão artificial de custos e receitas entre empresas do mesmo grupo, consegue-se minimizar o pagamento de impostos", explica Gobetti.

Além disso, ele aponta que o percentual médio de presunção do lucro é de 15,8%, enquanto o percentual médio efetivo aferido pela Receita Federal foi de 30,4% entre 2015 e 2019.

O pesquisador estima que a diferença entre o imposto efetivamente pago e o valor que seria arrecadado sem benefícios fiscais corresponde a uma renúncia de receita resultante da política tributária especial. Em 2019, último ano com dados disponíveis, essa renúncia superou R$ 200 bilhões, sendo R$ 87,7 bilhões relacionados ao Simples Nacional e R$ 115,9 bilhões ao regime de lucro presumido.

Assim, ele conclui que alguém precisa pagar pelo benefício. Nesse caso, “quanto mais tratamentos favorecidos forem mantidos para certos bens e serviços, maior teria de ser a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA, novo imposto previsto na reforma tributária) sobre os não favorecidos para manter a arrecadação atual”.

"Uma alíquota mais baixa e uniformemente aplicada ou com menos exceções e discrepâncias do que temos hoje seria extremamente positiva para a competitividade da economia brasileira", avalia.

Dividendos

Outro ponto enfatizado pelo pesquisador é a isenção de tributação sobre os dividendos — a parcela do lucro distribuída pelas empresas aos acionistas. No Brasil, essa distribuição não é alvo do Imposto de Renda. Gobetti defende que tributar os dividendos tornaria o sistema tributário mais progressivo, além de possibilitar compensações que reduziriam a carga sobre as empresas, criando um ambiente de negócios mais atrativo, inclusive para investidores estrangeiros.

“Pode proporcionar mais competitividade à economia brasileira e maior progressividade ao Imposto de Renda, ao transferir o foco da empresa para o acionista”, argumenta o autor do estudo.

De acordo com a pesquisa, entre os 38 países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado “clube dos países ricos”, que reúne as economias mais desenvolvidas do mundo, apenas Estônia e Letônia ainda mantêm a isenção sobre dividendos. O Brasil, atualmente, é candidato a ingressar na organização.

Gobetti também alerta que, caso o país opte por tributar os dividendos, será necessário criar mecanismos para evitar que empresas passem a adotar outras formas de repassar recursos aos acionistas, como já ocorre com o chamado Juros sobre Capital Próprio (JCP). Nessa modalidade, os valores distribuídos são contabilizados como despesa, sendo dedutíveis do lucro tributável.

De acordo com o estudo do Ipea, o impacto fiscal do JCP representou uma perda de arrecadação de cerca de R$ 24 bilhões em 2023.

Para ilustrar o efeito da concentração de renda, Gobetti destaca que a fatia apropriada pelo 1% mais rico da população subiu de 20,5% para 24,4% nos últimos seis anos. Desse acréscimo, 88% foram “abocanhados” pelo 0,1% mais rico.

“O lucro das empresas cresceu muito, então podemos imaginar que passamos a um novo patamar de concentração de renda”, avalia Gobetti.

Petróleo

Gobetti aproveita o estudo para sugerir uma forma de ampliar a arrecadação em um setor específico da economia: o petrolífero, classificado por ele como gerador de “lucros extraordinários”.

Ele propõe a criação de uma cobrança adicional extraordinária sempre que o preço do barril de petróleo se aproximar da média histórica de US$ 70. Em 2025, o petróleo tipo Brent tem sido negociado dentro de uma faixa que varia entre US$ 64 e US$ 75.

Segundo o pesquisador, mesmo quando o barril está entre US$ 45 e US$ 57, as companhias do setor já registram “retornos atrativos”, com lucro de ao menos 10% sobre o capital investido. A ideia é aplicar uma alíquota adicional, de 10% a 20%, de forma progressiva, conforme o preço do petróleo ultrapasse determinados patamares.

“Com o preço internacional em torno da média histórica, o ganho de receita seria moderado, cerca de R$ 8 bilhões por ano, mas em cenários extremos, como em 2022, quando o Brent chegou a US$ 100, essa arrecadação poderia alcançar até R$ 40 bilhões”, estima.

Para Gobetti, essa tributação adicional não eliminaria o ganho extraordinário dos investidores em momentos de valorização do petróleo, mas serviria para captar uma pequena parcela desses lucros excepcionais.

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