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DIRETAS-JÁ: Ditadura tentou reprimir Diretas Já com blecaute, censura e violência policial

Presidente Figueiredo chegou a baixar medidas emergenciais apesar de promessa de abertura política

Por FolhaPress
Ás

DIRETAS-JÁ: Ditadura tentou reprimir Diretas Já com blecaute, censura e violência policial

Foto: Reprodução

A ditadura militar, que havia prometido abertura política e a realizava de forma "lenta, gradual e segura", tentou reprimir a força das manifestações das Diretas Já, que reunia centenas de milhares de pessoas nas ruas das principais capitais do país e unia a oposição em torno do direito ao voto para presidente.

O general João Figueiredo, último presidente do período autoritário, chamou o movimento de subversivo e baixou decreto com medidas emergenciais, atribuindo ao Exército o controle da segurança pública em Brasília e em municípios ao redor.

Além disso, operações das polícias, a imprensa sob pressão do governo e até um blecaute foram percalços para a campanha, frustrada com a derrota da PEC (proposta de emenda à Constituição) Dante de Oliveira, que convocava o pleito direto para a chefia do Executivo federal, em abril de 1984.

Os militares não queriam perder o controle do processo da abertura política, o que ocasionou uma série de resistências, cristalizadas em repressão e atos considerados contraditórios.

Ao mesmo tempo que foi liberada, em 1974 e sob o governo de Ernesto Geisel, a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, houve um aumento dos casos de tortura de opositores. Em seguida, o MDB conquistou uma vitória nacional expressiva no pleito, obtendo 160 cadeiras na Câmara dos Deputados e 22 no Senado.

No ano seguinte, o jornalista Vladimir Herzog morreu torturado em São Paulo, mobilizando protestos pelo país e pelo mundo.

Em 1976, foi criada a Lei Falcão, derivada do nome do então ministro da Justiça, Armando Falcão. A partir daí, a propaganda eleitoral deveria se restringir à narração do nome, do partido, do número e do currículo de cada candidato, cerceando o debate de ideias e críticas ao regime.

Um ano depois, veio o Pacote de Abril, série de leis outorgadas por Geisel que mantinham as eleições indiretas em todos os níveis da federação, entre outras restrições. Em 1978, o AI-5 (Ato Institucional de número 5) foi revogado em meio ao crescimento da oposição, e em 1979 vieram a Lei da Anistia e a volta do pluripartidarismo.

A linha dura, então, respondeu com uma série de atentados a bomba, incluindo o do Riocentro, em 1981, que marcou a reabertura política visando conferir legitimidade a uma possível nova rodada de repressão pelo governo.

É no meio desse vaivém que surgem as Diretas Já, que desagradaram aos militares, inclusive Figueiredo, pela ampliação dos comícios, fora da tutela da caserna. Inicialmente ignorada pela ala majoritária do agora PMDB, a proposta passou a ganhar força entre a esquerda e teve ajuda dos governadores oposicionistas.

O general-presidente chegou a chamar de subversivo o primeiro protesto das Diretas em São Paulo, ocorrido em novembro de 1983 em frente ao estádio do Pacaembu, com pouco público.

No entanto, dois meses depois, no aniversário da capital paulista, a ditadura se deparou com uma movimentação de cerca de 300 mil pessoas, e em 16 de abril, com 400 mil, segundo o Datafolha, demandando o direito de escolher o mandatário do país.

Figueiredo se deu conta de que era preciso tomar as rédeas do processo de abertura política novamente. Assim, propôs uma PEC alternativa à Dante de Oliveira, que autorizaria a escolha direta do presidente em 1988, ou seja, quatro anos mais tarde.

A proposta, amplamente criticada nos comícios, não vingou. Os parlamentares de oposição apresentaram uma alteração no texto para convocar o pleito imediatamente, o que desagradou ao Planalto e o obrigou a retirar o projeto, contrariando fala do presidente em rede nacional.

A imprensa também foi alvo dos militares. A Band, por exemplo, transmitiu ao vivo imagens do comício da Sé e, como consequência, seu dono, João Saad, foi impedido de abrir uma outra emissora em Brasília.

Executivos da Globo relataram cobranças do regime para minimizar a importância dos atos. Roberto Marinho, dono da rede, testemunhou um helicóptero militar pairando a poucos metros de sua sala.

Uma semana antes da votação da PEC Dante de Oliveira, o governo baixou medidas de emergência para salvaguardar as instituições, instrumento que, em substituição ao AI-5, daria direito ao Executivo de cercear o direito de reunião, impor censura e delegar ao Exército a segurança pública de Brasília e das cidades no entorno.

Figueiredo já havia utilizado esse instrumento antes, em outubro de 1983, na votação de projetos de arrocho salarial e dos crescentes protestos orquestrados pela recém-criada CUT (Confederação Única dos Trabalhadores). PMs cercaram Brasília, bloquearam estradas e chegaram a invadir a sede regional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Com isso, as emissoras de rádio e de televisão foram proibidas de transmitir a sessão de votação da proposta em plenário, em 25 de abril de 1984. Tropas policiais e militares cercaram o prédio do Congresso Nacional, medida que blindou os parlamentares que votariam contra o projeto da proximidade com eleitores.

No início da noite, os manifestantes que acompanhavam a sessão no Distrito Federal foram alvo de pancadaria, sendo perseguidos por pelotões armados, munidos de bombas de gás lacrimogêneo.

Para completar, houve um blecaute nas regiões Sul e Sudeste no dia da apreciação da PEC, impedindo a população de acompanhar por quaisquer meios que conseguissem informações. Segundo a Eletrobras, que controlava o sistema elétrico nacional, o apagão havia sido causado por problemas técnicos na rede de transmissão.

Os ingredientes foram suficientes para a receita vista com frustração e choro pelo país no final daquele dia —com 113 ausentes, a emenda das Diretas obteve 298 votos a favor, 65 contra e três abstenções, sendo rejeitada. O número era insuficiente para passar uma proposta de emendar a Constituição à época, já que eram necessários dois terços dos deputados, um total de 320.

Para Rodrigo Gallo, professor de relações internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia, o governo militar não via uma eleição direta naquele momento com bons olhos porque a via indireta serviria para não apartar o regime existente do novo governo e nem dos processos decisórios no Executivo.

Ele cita o caso da eleição de pessoas ligadas à ditadura naquele momento, como Delfim Netto, que se tornou deputado federal em 1986. O pleito indireto permitiu que diversos representantes do período autoritário se mantivessem na vida política a partir de um processo eleitoral.

"Parte dos grupos políticos da época tinha ligações diretas ou indiretas com a ditadura, e mesmo grupos não vinculados à ditadura tiveram que negociar, em alguma medida, com o regime nos anos que antecederam a abertura", diz o professor.

Gallo afirma que as Diretas Já tornaram a abertura política diferente do que desejavam os militares e do que queriam os vários segmentos da sociedade civil. E ressalta a presença de marcas da ditadura no campo político ainda hoje pela falta de uma transição que tivesse lidado com mais rigor com os acontecimentos dos anos anteriores.

"Há pautas ligadas a costumes, questões indígenas, desrespeito a direitos humanos, dentre outros, que ainda são alvos de disputa. É um cenário complexo, que dificilmente deixará de existir tão cedo."

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