Esquema que fraudava exames toxicológicos do Detran usava fios de cabelo de crianças
Mechas de cabelo de uma menina foi usado para fazer diversos exames se passando por motoristas que tinham dependência química
Foto: Reprodução/MarceloCasalJr/AgênciaBrasil
A operação Toxicoloko, realizada simultaneamente em três estados, prendeu oito suspeitos e recolheu provas de uma grave ameaça à segurança nas estradas do país. A polícia descobriu um esquema que fraudava exames toxicológicos obrigatórios para quem precisa tirar a habilitação que dá direito a dirigir veículos pesados, como caminhões. Até fios de cabelo de uma criança foram usados para produzir resultados favoráveis a motoristas usuários de drogas.
O delegado da Polícia Civil de Santa Catarina, Osnei Valdir de Oliveira, explicou ao Fantástico que identificaram mechas de cabelo de uma menina usadas para fazer diversos exames se passando por motoristas que tinham dependência química. O esquema foi descoberto através da investigação de outro crime - em 2022, um homem envolvido em furtos de cargas no Paraná contou que, para poder dirigir caminhão, tinha burlado a lei para obter a CNH, a Carteira Nacional de Habilitação.
O delegado contou que, como ele tinha uma dependência química, foi questionado de como obteve a CNH, e principalmente como fez o exame toxicológico. O procedimento é obrigatório em três categorias da CNH que autorizam a condução de veículos de cargas e de passageiros. Para fazê-lo, o candidato precisa fornecer uma amostra de pelo, cabelo ou unha. O material é analisado num laboratório credenciado e o motorista tem que fazer aulas em um Centro de Formação de Condutores, ou CFC, como são chamadas as autoescolas.
O registro do comparecimento a cada aula é feito numa leitora de impressão digital. A investigação indicou uma das autoescolas envolvidas no caso, o CFC Elitte, no interior de São Paulo, fazia moldes de silicone das digitais dos alunos. O molde marcava a presença dos alunos que não compareciam às aulas.
Um dos donos da Elitte, Francisco Gonçalves Júnior, foi preso na operação Toxicoloko. Ele também vai responder por porte ilegal de arma. A defesa de Francisco diz que as acusações são inverídicas e fantasiosas e que confia na Justiça.
O golpe da digital de silicone é antigo e a fraude descoberta na operação, mais ainda. Um negócio de pai para filho. O pai era conhecido como "Ari do Detran", mas nunca trabalhou no órgão. Ele morreu durante a pandemia, e o filho, Lucas Gustavo Ferreira, continuou a prática criminosa. Lucas foi preso durante a operação, e segundo as investigações, era ele o articulador do esquema.
A fraude reunia dois pontos de coleta no Paraná, uma autoescola em São Paulo e outra em Santa Catarina. A polícia identificou mais de 40 motoristas que usaram o esquema. Os laboratórios credenciados pela Secretaria Nacional de Trânsito podem contratar postos de coleta, que recolhem cabelos, pelos ou unhas e enviam para exame.
A sócia de um posto do esquema, Lionice Aparecida Machado, diz a Lucas através de uma mensagem, que mandou uma mecha de uma criança para um laboratório. Em outra mensagem, ela falou que não entende por que a amostra de cabelo deu positivo.
“Dois componentes de cocaína no exame. O mesmo cabelo que entreguei para três pessoas ontem”, escreveu.
O Detran do Paraná, o Detran de São Paulo e o Detran de Santa Catarina afirmam, em nota, que, se comprovadas as fraudes, as CNHs vão ser canceladas. s autoescolas em Santa Catarina e em São Paulo vão sofrer processo administrativo.
Lucas Gustavo Ferreira e Lionice Aparecida Machado ainda não têm advogados e a defesa de José Arildo de Castro, que deu o depoimento que deslanchou a investigação, não se manifestou.