Ex-juiz da Lava Jato admite telefonema para sócio de Moro que motivou ação do CNJ
Na ligação, Appio fingiu ser outra pessoa, tentando comprovar que falava com o filho do magistrado
Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
O juiz federal Eduardo Appio admitiu pela primeira vez que foi ele quem fez a ligação ao advogado João Eduardo Barreto Malucelli, em um episódio que o tirou da 13ª Vara de Curitiba, conhecida como a "Vara da Lava Jato", e o colocou na mira da Corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Appio ficou menos de quatro meses na vara, entre fevereiro e maio de 2023.
Durante o programa "Dando a Real", com Leandro Demori, exibido na TV Brasil na noite desta terça-feira (24), Appio afirmou que fez a ligação porque não havia "ninguém em quem confiar" para "checar a informação" sobre o vínculo entre o advogado e o juiz federal Marcelo Malucelli, que na época atuava em processos da Lava Jato na segunda instância, no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
"Não é comum que o juiz tenha que fazer este tipo de investigação. Era uma checagem de informação", disse Appio. "Minha obrigação como juiz é combater a corrupção, mesmo que envolva um colega e mesmo que seja um superior do TRF-4", continuou Appio, que também reconheceu que a ligação foi um "meio inadequado".
Na ligação, Appio fingiu ser outra pessoa, tentando comprovar que falava com o filho do magistrado. João Eduardo é sócio do ex-juiz da Lava Jato e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) em um escritório de advocacia e, na época do telefonema, Marcelo Malucelli e Appio tinham decisões judiciais conflitantes em relação ao advogado Rodrigo Tacla Duran.
"[A ligação] era para entender se [João Eduardo] era filho ou sobrinho [de Marcelo Malucelli]. Se fosse sobrinho, não haveria qualquer problema. Sendo filho, problemas graves e indícios de corrupção. Porque Malucelli estava jurisdicionando os processos que afetavam diretamente o interesse do Sergio Moro. Tacla Duran sempre foi o arqui-inimigo do Moro. Então como que poderia jurisdicionar e, ao mesmo tempo, o filho ser sócio do Moro?", afirmou ele.
João Eduardo gravou a ligação, mas Appio nunca admitiu publicamente ter feito o telefonema, que foi interpretado pelo advogado como uma espécie de ameaça.
Na TV Brasil, Appio justificou ainda que foi a única alternativa encontrada naquele contexto: "Dentro do ambiente de trabalho, não poderia ser pior. Todos os servidores totalmente hostis desde o primeiro momento. Sempre cochichando atrás dos ombros e informações importantes talvez sendo passadas para a frente inimiga".
"Esta conjugação de fatores me levou a ligar sim para o rapaz. Mas não no sentido de intimidar, ameaçar. Era para entender se era filho ou sobrinho", disse Appio.
Abertamente crítico dos métodos da operação deflagrada em 2014 e da atuação das autoridades que ganharam notoriedade durante a investigação, Appio assinou decisões polêmicas na 13ª Vara e se tornou alvo de pedido de suspeição proposto pelo Ministério Público Federal. Entre outras coisas, o MPF apontava os vínculos de Appio com lideranças do PT. Até o início de 2023, Appio usava o login "LUL2022" para acessar o sistema da Justiça Federal.
"Moro conseguiu me tirar de campo, deu uma canelada, e contou com o apoio irrestrito de uma parcela importante do TRF-4", disse Appio nesta terça. "A República de Curitiba está muito bem organizada há muito tempo. Mexer nessas estruturas exige coragem", continuou ele.
O episódio da ligação gerou um processo administrativo disciplinar contra Appio na Corregedoria do TRF-4. Mas o magistrado conseguiu transferir o caso para análise da Corregedoria do CNJ. No CNJ, o então corregedor, Luís Felipe Salomão, conduziu uma audiência de mediação entre Appio e o TRF-4, e houve um acordo para que o processo disciplinar fosse encerrado.
Appio concordou em deixar a Vara da Lava Jato e, desde 6 de dezembro de 2023, ele está à frente da 18ª Vara Federal de Curitiba, que trata de temas previdenciários.
Questionado por Demori se havia arrependimento sobre a ligação, Appio respondeu que "obviamente que o meio utilizado não foi adequado" e que "a minha permanência lá [na 13ª Vara] teria sido importante para eu aprofundar as investigações em torno destas interceptações telefônicas". "Neste sentido eu me ressinto. E também me sinto subutilizado numa vara cível. Porque minha carreira toda foi marcada por atuações em varas criminais", disse ele.
Ainda durante sua participação no programa da TV Brasil, Appio voltou a criticar a Lava Jato e disse ter "indícios concretos de espionagem política", "desde aquela interceptação ilegal que acabou também contribuindo no golpe contra a presidente Dilma".
Ele também falou sobre a tentativa do MPF de constituir uma fundação privada para receber dinheiro, tema que voltou para a pauta do CNJ neste ano, através de um relatório do corregedor Salomão, a quem Appio chama de "grande herói desta história".
"O relatório apontou tentativa de peculato, que só não aconteceu graças a uma liminar do ministro Alexandre de Moraes, chamado por alguns de Alexandre, o Grande, hoje, no sentido de cortar o trânsito deste dinheiro", continuou Appio.