Expansão de crédito via mercado de capitais reacende debate sobre regulação do BC
Crescimento expressivo desse canal de crédito, principalmente no financiamento de grandes empresas, vem sendo observado com atenção pelo Comef
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Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
O aumento do volume de crédito via mercado de capitais, que vem ganhando importância como fonte de financiamento, reacendeu o debate sobre o poder de regulação do Banco Central e o plano de reconfigurar atribuições e redistribuir forças dos órgãos envolvidos.
O crescimento expressivo desse canal de crédito, principalmente no financiamento de grandes empresas, vem sendo observado com atenção pelo Comitê de Estabilidade Financeira (Comef) desde meados do ano passado.
Na reunião desta quarta-feira (19), o colegiado do BC alertou em comunicado que o crédito obtido via mercado de capitais não apresenta sinais de desaceleração apesar "das alterações nas condições financeiras" do país.
O cenário hoje está mais adverso, com a elevação da taxa básica de juros -a Selic está em 13,25% ao ano- e a perspectiva de desaceleração da economia, o que pode piorar os níveis atuais (ainda altos) de inadimplência, comprometimento de renda e endividamento das famílias, bem como pelo endividamento das empresas.
Uma análise mais detalhada deve aparecer na ata do encontro, que será divulgada na próxima semana.
Em novembro, na última reunião de 2024, o Comef ressaltou que a importância do crédito obtido via mercado de capitais era substancial e continuava aumentando.
Dados do Banco Central mostram que, no ano passado, houve um salto de 24,1% no saldo de crédito de títulos de dívidas emitidos por empresas no mercado doméstico (debêntures e notas comerciais). Em dezembro, o estoque atingiu R$ 1,2 trilhão, ante R$ 976 bilhões no mesmo mês de 2023.
Na ocasião, o colegiado disse que as emissões de debêntures -títulos de dívida emitidos por empresas com o objetivo de captar recursos- estavam ocorrendo com spreads menores e prazos mais longos. Spread é definido pela diferença entre a taxa paga pelas instituições para captar recursos e a taxa efetivamente cobrada do cliente.
O comitê afirmou também na ata que os fundos de crédito privado "são importantes financiadores dessas debêntures", acrescentando que "marcam suas carteiras a mercado", ou seja, ajustam os preços dos ativos diariamente e que seguem a precificação da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).
"Elevação significativa dos spreads reduziria a rentabilidade dos fundos e poderia levar alguns investidores a solicitar resgates, mas testes de estresse indicam que o risco de liquidez é baixo", disse o Comef no documento.
Os fundos de crédito privado são cestas de investimento que aplicam mais de 50% dos recursos totais em títulos de dívida emitidos por empresas privadas.
Esses fundos ficam hoje sob responsabilidade da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Como algumas instituições financeiras acabam sendo cotistas deles e o BC não tem acesso a informações completas das carteiras que compõem esses fundos, o trabalho da área de fiscalização se torna mais difícil.
O Comef apontou também em novembro que a política macroprudencial se mantinha em posição neutra, "consistente com períodos sem acúmulo significativo de riscos financeiros." No comunicado da reunião desta semana, o trecho foi excluído.
Na autoridade monetária, há preocupação com eventuais riscos para a estabilidade financeira do país em caso de uma crise imprevista do mercado de capitais.
Esse cenário trouxe novamente à tona o debate sobre um plano de longo prazo em estudo pelo Ministério da Fazenda para reconfigurar o modelo de regulação e supervisão do sistema financeiro.
A ideia -inspirada no modelo "twin peaks", que surgiu na Austrália, foi copiado pela Inglaterra e se espalhou por diversos países- consiste em regular o sistema financeiro por função e não por produto (seguro, depósito bancário, empréstimo, títulos, previdência), como é hoje no Brasil.
A implementação seria feita em etapas, começando pela absorção da Susep (Superintendência de Seguros Privados) pela autoridade monetária. Isso porque ela está hoje mais fragilizada em comparação aos demais órgãos, na avaliação do governo.
O segundo passo seria reforçar o quadro de funcionários e a estrutura da CVM, que depois de fortalecida assumiria competências de regulação hoje sob responsabilidade do BC, como proteção ao consumidor de produtos financeiros (seguro e bancário, por exemplo).
Nesse reequilíbrio de funções, o BC assumiria a atribuição de regulamentação prudencial (proteção da solidez das instituições) de fundos de investimentos, hoje a cargo da CVM.
A última etapa seria incorporar a Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) aos dois "super-reguladores" -BC e CVM. O processo completo seria concluído em cerca de cinco anos.
Pessoas a par da discussão consideram que, se houver vontade política, a proposta pode avançar, mas que isso depende de forças de poder. O tema está sendo discutido desde o ano passado por representantes do BC e do Ministério da Fazenda.
Em 13 de fevereiro, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) se reuniu com o diretor de Fiscalização do BC, Ailton Aquino, "para tratar de assuntos institucionais". Também participou do encontro o secretário de Reformas Econômicas, Marcos Barbosa Pinto.
Em 21 de janeiro, o secretário da Fazenda teve uma reunião virtual com o presidente do BC, Gabriel Galípolo. O novo chefe da autoridade monetária também se encontrou com o presidente da CVM, João Pedro do Nascimento, no dia 11 de fevereiro, no Rio de Janeiro, e tem um compromisso agendado para esta quinta (20) com Alessandro Octaviani, superintendente da Susep.