Febraban alertou deputados que texto da desoneração não garante os R$ 8,5 bi esquecidos nas contas
A permissão do resgate foi incluída no projeto de lei da desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores e municípios de 156 mil habitantes
Foto: Mario Agra / Câmara dos Deputados
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) alertou deputados que a autorização dada ao Executivo para resgatar recursos esquecidos em contas bancárias pelos brasileiros pode não garantir todos os R$ 8,5 bilhões que estão depositados.
A permissão do resgate foi incluída no projeto de lei da desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores e municípios de 156 mil habitantes, aprovada na Câmara dos Deputados nesta semana.
Técnicos ouvidos pela Folha não descartam que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) edite uma MP (medida provisória) para assegurar que o dinheiro registrado no SVR (Sistema de Valores a Receber) do Banco Central possa ser transferido como receita para o Tesouro Nacional.
O projeto de lei foi aprovado com uma emenda de redação que abre uma exceção para permitir que a receita desses depósitos seja contabilizada para verificação do cumprimento da meta fiscal, que em 2024 é de déficit zero. O BC, porém, não será obrigado a registrar esses depósitos como receita no cálculo do resultado primário das contas do governo.
Um técnico envolvido nas discussões com o Legislativo informou à reportagem que o trecho do projeto precisava especificar que o resgate seria dos depósitos esquecidos além do dinheiro que está no SRV, o sistema do BC. Ele explicou que faltou a palavra "mais" no texto do projeto.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o SVR indica a existência de R$ 8,5 bilhões esquecidos. Os bancos lideram o volume de dinheiro esquecido, seguidos por administradoras de consórcios, cooperativas, instituições de pagamento, financeiras e corretoras.
O alerta foi feito antes da votação, que se estendeu até 2h25 da madrugada de quarta-feira (11) para quinta, quando foi concluída.
Uma emenda de redação chegou a ser escrita para corrigir o problema, mas acabou não prosperando diante da pressa para terminar a votação e a pressão da oposição para adiá-la.
A Febraban também atuou para que fosse aprovada uma outra emenda de redação propondo a fixação de um marco temporal para o repasse dos depósitos.
Durante a votação, o relator do projeto e líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), chegou a apresentar uma complementação de voto para que os valores sujeitos a SVR lançados há mais de três anos somente poderão ser reclamados junto às instituições depositárias até 30 dias após a publicação desta lei. No texto original, esse prazo de três anos não constava.
De acordo com parlamentares, no entanto, essa iniciativa não foi aceita pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Na quarta, Lira se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para tratar do projeto.
Um líder diz que Haddad queria incluir outras emendas de redação --e tratou disso com alguns parlamentares--, mas essa sugestão não foi acatada pela Mesa Diretora.
Os deputados votaram o texto-base do projeto poucos minutos antes do prazo final dado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para a aprovação das medidas de compensação da perda de arrecadação com a desoneração.
Diante desse prazo, não era possível fazer mudanças robustas ao texto, já que isso obrigaria uma nova análise da matéria pelos senadores. Dessa forma, a mudança teve de ocorrer via emenda de redação --artifício que foi criticado por parlamentares da oposição.
O projeto aprovado contém uma série de medidas de compensação além dos depósitos esquecidos do BC. Entre eles, uma medida para agilizar a transferência de depósitos judiciais retidos de forma indevida pela Caixa Econômica Federal. Dos R$ 14,2 bilhões inicialmente mapeados, a instituição repassou R$ 6,8 bilhões ao Tesouro --ou seja, ainda restam R$ 7,4 bilhões.
O projeto determina ainda o repasse de valores abandonados em contas judiciais. Só a Justiça do Trabalho já identificou pelo menos R$ 3,9 bilhões aptos a serem repassados aos cofres da União, mas o potencial real da medida pode ser ainda maior.
A expectativa do governo é de uma arrecadação entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões com todos os tipos de depósitos.
A votação na Câmara foi marcada por forte empenho da oposição para obstruir a tramitação da matéria. A deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), que havia sido designada relatora da proposta, devolveu a relatoria, dizendo que não aceitaria "chantagem".
Diante disso, Guimarães foi designado o novo relator. Na sessão, ele parecia perdido ao tentar explicar um complemento do parecer, que não foi aceito pela mesa diretora.
Em resposta às críticas da deputada Adriana Ventura (Novo-SP), uma das parlamentares que mais atuou ao longo da sessão, o líder chegou a dizer que a emenda dos depósitos esquecidos tinha sido negociada com o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
"Foi uma solicitação do Banco Central, do Roberto Campos, que é tão elogiado por V.Exa. Já foi dito hoje aqui que ele é o melhor Presidente do Banco Central do mundo. Essa foi a negociação [redação final] que foi feita entre o ministro Haddad e a autoridade monetária", disse Guimarães.
A deputada do Novo colocou em xeque a informação do petista ao dizer que tinha informações que o BC queria a rejeição da medida.