Gritava o nome dele e as pessoas do meu lado mortas, diz irmão de brasileiro que morreu no Líbano
Mohamed contou que ele e o irmão Ali ajudavam o pai na fábrica quando ouviu sons de um bombardeio
Foto: Reprodução/RPC
O brasileiro Mohamed Kamal Abdallah, 17, sobrevivente de um ataque israelense no vilarejo de Sohmor, no vale do Bekaa, no Líbano, relatou momentos de dor ao perder o irmão Ali Kamal Abdallah, 15, e o pai, Kamal Hussein Abdallah, 64, durante um bombardeio que atingiu uma fábrica de produtos de limpeza da família. Ele desembarcou por volta da meia-noite desta quinta-feira (26) em Foz do Iguaçu (PR) com a irmã, Yara Abdallah, 22.
Mohamed contou que ele e o irmão Ali ajudavam o pai na fábrica quando ouviu sons de um bombardeio. Na sequência, ocorreu outro, em uma montanha perto de onde estavam. Assustado, ele disse que gritou para o pai e a irmã fugirem. "Ele (pai) só queria terminar de encher água lá dentro para trabalhar. A gente enchendo, caiu tudo, nem vi mais nada, não conseguia mais respirar. Tirei as pedras de mim e fui ver meu pai e estava no chão morto e eu não conseguia achar meu irmão. Gritava o nome dele e as pessoas do meu lado mortas, eu não achava ele."
O jovem foi socorrido, com ferimentos na mão esquerda e na perna. No momento do bombardeio, Yara estava na casa da família, que fica em Keyla, próximo de Sohmor. Ao reencontrar a mãe em Foz do Iguaçu, afirmou: "Foi muito bom eu ter ficado [sobrevivido], para ficar com ela".
Mohamed, o irmão Ali e Yara nasceram em Foz do Iguaçu e se mudaram há cerca de 4 anos para o Líbano com o pai e a mãe, Noha Ismail. Todos viviam em Kelya, onde a pequena fábrica de nome Limpo, destruídas pelas bombas, funcionava.
A mãe deixou o Líbano recentemente, antes do bombardeio israelense, e estava em Foz do Iguaçu para visitar uma das quatro filhas do casal, que acabou de ter um bebê. Com a intensificação dos ataques, o pai, Kamal, estava preocupado com a situação dos filhos e pretendia voltar ao Brasil.
Libanês naturalizado paraguaio, Kamal atuou no comércio de Ciudad del Este, na fronteira com Foz, e resolveu deixar a região para abrir um novo negócio no Líbano. Todos os sete filhos do casal nasceram na cidade paranaense.
Centenas de membros da comunidade árabe de Foz do Iguaçu compareceram ao aeroporto para prestar solidariedade à família e receber os irmãos. Eles vestiam camisetas em homenagem a Ali e levavam bandeiras do Líbano. Entre os amigos, havia 35 colegas da Escola Libanesa-Brasileira de Foz do Iguaçu, onde os irmãos estudaram.
Prima de Ali, Celin Khatib, 15, disse que conversava com o menino toda semana e falou com ele um dia antes do ataque. O sonho dele, contou, era ser jogador. "Era um garoto muito feliz, sempre rodeado de alegria, dava abraço em todo mundo, era muito carinhoso, e amava jogar futebol".
Amigo dos irmãos, Hadi Melhem, 16, disse que fez questão de ir ao aeroporto não só em forma de apoio, mas também como protesto aos ataques israelenses que ocorrem no Líbano.
Xeque da Sociedade Beneficente Islâmica, Mohamad Khalil, considera a situação desumana e fala em genocídio. "A nossa preocupação é que esse ato vai eliminar a consciência humana."
Foz do Iguaçu tem a segunda maior colônia árabe do país, depois de São Paulo. São cerca de 20 mil imigrantes e descendentes, predominando libaneses. A cidade conta com duas mesquitas.