Indígena que relata série de estupros por policiais processa estado do Amazonas
Crime teria acontecido por 9 meses, entre os anos de 2022 e 2023

Foto: Reprodução
Uma indígena que relata ter sido estuprada repetidamente em uma delegacia do Amazonas durante nove meses por quatro policiais militares e um guarda municipal está processando o estado por danos morais e materiais. Na ação, ela pede uma indenização de 330 salários mínimos, o equivalente a cerca de R$ 500 mil. Quando foi presa, em novembro de 2022, a vítima havia acabado de dar à luz uma criança, que foi mantida com ela no período em que esteve sob custódia na unidade de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas.
A prisão aconteceu quando a mulher de 29 anos foi encaminhada à delegacia após uma briga com seu então companheiro. Na chegada, porém, os policiais constataram que havia um mandado em seu nome em virtude de uma condenação a 19 anos e sete meses de reclusão por um assassinato ocorrido em outra cidade. A indígena nega a autoria do crime.
O jornal O Globo obteve acesso ao processo em que a vítima detalha os abusos sofridos, reforçados por laudos. Ela desenvolveu um quadro de depressão e, atualmente, precisa de acompanhamento psicológico e psiquiátrico.
O advogado da indígena, Dacimar Souza Carneiro, explica que a condenação que levou a cliente à prisão já havia transitado em julgado, mas que ela não recorreu em momento algum por não saber da existência da denúncia.
No processo, a vítima destaca que só contou sobre os abusos após ser transferida para o presídio de Manaus e que ainda tinha medo de retaliações. Ela relata que chegaram a ocorrer, por mais de uma vez, estupros coletivos por todos os agentes.
"Em razão de evidente cumprimento de pena desumano, cruel e degradante, constata-se que a vítima serviu como escrava sexual por um longo período de 9 meses e 17 dias nos confins da 53ª Delegacia Interativa de Polícia", argumenta a defesa na ação.
No relato, a vítima conta que era mantida em um corredor com outros detentos e que um dos policiais chegava à delegacia embriagado, mesmo fora do seu horário de trabalho, e a obrigava a manter relações sexuais. De acordo com o depoimento, as violências aconteciam na parte da noite e, em muitos momentos, o filho dela estava ao lado e presenciava os abusos.
Em outro trecho do processo, a defesa destaca que, logo após dar à luz, a mulher não teve "qualquer assistência médica ou psicológica durante todo o período" de amamentação e que a criança foi "amamentada em meio à podridão do cárcere", o que seria a "prova cabal do descaso do Estado com a dignidade humana e com a proteção integral à criança e ao adolescente".
Em nota, a Polícia Civil do Amazonas informou que instaurou procedimento para apurar o caso e que a Corregedoria-Geral do Sistema de Segurança Pública do estado também investiga as acusações. A Polícia Militar do Amazonas também abriu inquérito que, atualmente, está em fase de conclusão.
A acusação contra os policiais e o pedido de indenização da vítima tramitam separadamente. O processo contra os supostos autores dos fatos corre em segredo de Justiça.
No processo, o estado do Amazonas reconhece a necessidade de indenizar a vítima, mas oferece R$ 50 mil. A defesa, porém, manteve o pedido inicial de R$ 500 mil. Ainda não há decisão.