Investimento climático cresce 157% no Brasil, mas deixa de lado setores com mais emissões
Financiamento climático é um dos principais pontos de tensão na COP30, a conferência das Nações Unidas sobre o clima, que ocorre em Belém

Foto: Imagem ilustrativa/Pexels
NICOLA PAMPLONA
O volume de recursos destinados ao enfrentamento da mudança climática no Brasil mais que dobrou desde 2019, alcançando US$ 67,8 bilhões (R$ 360 bilhões) em 2023 um aumento de 157%. Grande parte dos recursos, porém, é direcionada ao setor de energia, que tem pouco peso nas emissões de gases do efeito estufa do país.
O financiamento climático é um dos principais pontos de tensão na COP30, a conferência das Nações Unidas sobre o clima, que ocorre em Belém. Países em desenvolvimento pedem mais recursos aos desenvolvidos, que são responsáveis por grande parte das emissões de gases do efeito estufa.
Segundo estudo elaborado pela CPI/PUC-RIO (Climate Policy Initiative, em parceria coma PUC/Rio), 44% dos recursos aportados com financiamento climático no biênio 2022/2023 foram destinados a projetos de geração de energia.
É o dobro do biênio anterior, com impulso do crescimento de projetos de energia solar no país às vésperas do fim do prazo para obter subsídios, que se encerrou em julho de 2023. O dinheiro dado a usinas solares cresceu de US$ 9,5 bilhões (R$ 50 bilhões) para US$ 22,4 bilhões (R$ 118 bilhões).
Setores com maior impacto nas emissões brasileiras, a agricultura e o uso da terra, também viram os recursos dobrarem no período, mas grande parte do valor refere-se a crédito rural via bancos comerciais, que é alinhado ao clima, mas nem sempre tem resultados ou é bem fiscalizado.
Outro estudo do próprio CPI/PUC-RIO, por exemplo, estima que quase 3/4 das áreas beneficiadas por programa de empréstimo para recuperação de pastagem permanecia inalterada quatro anos após a concesão dos empréstimos.
"A restauração de pastagens é parte importante desse crédito rural, é uma das principais linhas", diz o diretor executivo da CPI/PUC-Rio, Juliano Assunção, reforçando que parte do crédito rural mobilizado não está necessariamente ligado a resultados.
Já o financiamento para florestas despencou entre 2019 e 2023, passando de US$ 1,5 bilhão (R$ 8 bilhões) para apenas US$ 254 milhões (R$ 1,3 bilhão). No país, o desmatamento e a agropecuária são responsáveis por mais de dois terços das emissões de gases do efeito estufa.
"Há uma concentração significativa de recursos em energia, que não reflete a estrutura das emissões brasileiras", avaliam os autores do estudo Panorama das Finanças Climáticas no Brasil, lançado no início do mês.
Desde 2024, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) vem acelerando projetos de restauração e proteção de florestas. Esta semana, anunciou em Belém que esse esforço já mobilizou R$ 7 bilhões em operações contratadas.
Dados do próprio banco, porém, corroboram a tese de concentração dos aportes em energia: cerca de 55% dos R$ 22 bilhões já aprovados pelo Fundo Clima, um dos principais mecanismos de financiamento climático do país, são para projetos de transição energética.
Quase um terço das operações contratadas com recursos do fundo são de usinas solares, segmento hoje apontado por especialistas como a raiz do problema de excesso de energia que desafia a operação do sistema elétrico brasileiro.
A concentração de recursos de financiamento climático não é exclusividade brasileira: no mundo, quase metade do US$ 1,8 trilhão (R$ 9,5 trilhões) gasto em 2023 foi direcionado a sistemas de energia, segundo a versão global do estudo da CPI.
Puxado pela eletrificação da frota, o setor de transporte foi responsável por quase um terço deste total. No Brasil, há dinheiro direcionado a esse segmento, mas ainda pequeno. O segmento de Logística e Mobilidade verde responde por 10% das aprovações do Fundo Clima.
Mas, como na geração de energia, também aqui o Brasil está na frente de outros países: com o elevado uso de biocombustíveis, a queima de combustíveis fósseis em veículos terrestres de carga ou passageiros representa cerca de 10% das emissões totais do país.
Além da elevada concentração em um setor que não emite muito, o país enfrenta também o desafio de melhorar a alocação de recursos em adaptação à mudança climática, isto é, medidas para preparar o país aos impactos já em curso, como secas, enchentes e desastres extremos.
Este segmento ficou com apenas 7% dos recursos totais aportados em financiamento climático no país entre 2022 e 2023, segundo o estudo do CPI/PUC-RIO. Os dados do BNDES mostram que, em 2025, a o valor aprovado a projetos de adaptação equivale a 10% do total aprovado para mitigação.
O cenário não difere muito do global, diz o conselheiro do Hub de Economia e Clima do ICS (Instituto Clima e Sociedade), Rogério Studart. De todo o fluxo internacional de financiamento climático, afirma, apenas 2% são destinados a adaptação.
"Quando tem aumento das enchentes, por exemplo, as populações mais pobres é que são afetadas", afirma ele. "A prioridade deveria ser saneamento, moradia de qualidade, infraestrutura básica, refazer pontes e diques", enumera.


