Israel e Hamas chegam a acordo de cessar-fogo e troca de prisioneiros, diz Trump
O anúncio, adiantado por negociadores a diversas agências de notícias, foi confirmado pelo presidente eleitos dos EUA, Donald Trump
Foto: Isac Nóbrega/PR
Após 467 dias de guerra, o governo de Israel e o grupo palestino Hamas acertaram nesta quarta (15) os termos de um cessar-fogo inicial de seis semanas, abrindo caminho para encerrar o mais longevo dos grandes conflitos entre o Estado judeu e seus vizinhos árabes em quase 77 anos de história moderna comum.
O anúncio, adiantado por negociadores a diversas agências de notícias, foi confirmado pelo presidente eleitos dos EUA, Donald Trump, já buscando faturar com o evento. "Nós temos um acordo para os reféns no Oriente Médio. Eles serão libertados logo", disse.
Foi combinada a troca escalonada dos 98 reféns remanescentes desde que os terroristas do Hamas fizeram no mega-ataque de 7 de outubro de 2023, que deflagrou a guerra, por cerca de 1.000 dos 12 mil prisioneiros palestinos em Israel. Estima-se que talvez 60 dos reféns possam estar vivos.
Os detalhes serão dados premiê do Qatar, Mohammed al-Thani, que também é chanceler do país, onde o governo local e o dos Estados Unidos vinham trabalhando desde o fim do ano passado. Parte das discussões ocorreu também no Cairo, com a mediação do Egito, que faz fronteira a oeste com a Faixa de Gaza, território que era controlado pelo Hamas desde 2007.
O acordo deve agora ser aprovado pelo gabinete de segurança de Israel, que tem 11 membros, o que pode ocorrer nesta terça apesar da resistência da ultradireita religiosa cujos 2 representantes no colegiado criticam o arranjo e ameaçam abrir uma crise parlamentar para o premiê Binyamin Netanyahu.
A troca inicial incluirá 33 reféns israelenses, um grupo com doentes, crianças, mulheres e homens com mais de 50 anos, sendo libertados ao lado de um número incerto de palestinos. Em 16 dias, uma segunda fase irá começar, restando saber se serão incluídos dez nomes considerados sensíveis demais do lado árabe, como o do líder militar Marwan Barghouti.
Netanyahu encontrou-se na véspera com familiares de sequestrados para explicar o plano e ouviu preocupação com a libertação em etapas. Na terceira fase, corpos de mortos serão trocados.
Detidos por Israel no 7 de Outubro não serão soltos, e acusados de assassinato libertados não poderão ir para a Cisjordânia, a área sob controle da Autoridade Nacional Palestina. Segundo plano dos EUA, o órgão será reformado, unificando facções rivais para governar também Gaza mas isso dependerá de aprovação de Trump.
As forças de Tel Aviv só sairão de Gaza mais à frente, mas permitirão a volta de palestinos a suas casas na região de exclusão desenhada hoje no norte da faixa. Há provisões para que mantenham o perímetro do território cercado.
ENVIADO DE TRUMP PRESSIONOU ISRAEL
Das conversas participaram os chefes da inteligência israelense, David Barnea e Ronen Bar, o premiê qatari, o negociador americano Brett McGurk e o enviado indicado por Trump para assuntos do Oriente Médio, Steve Witkoff.
A presença de Witkoff foi crucial, dado que Trump assume em uma semana a Presidência americana, ainda que o grosso das negociações tenha sido conduzido pela equipe do atual mandatário, Joe Biden. Já na segunda (13) havia indicações de que o acordo havia sido praticamente fechado na madrugada.
Witkoff, um empresário judeu do ramo de imóveis, é amigo de Trump e não um diplomata. Segundo os relatos da imprensa israelense, ele forçou Netanyahu a aceitar termos a que vinha se recusando, como a retirada de suas tropas de Gaza.
Na sexta (10), o enviado avisou que gostaria de falar com o premiê durante o shabat, o descanso semanal do judaísmo, e Netanyahu aquiesceu. No dia dia seguinte, após a conversa, Witkoff rumou para amarrar o acordo no Qatar. Também de forma pouco usual, o time de Biden não se opôs à sua presença na reta final.
Netanyahu assim teve de engolir uma trégua à qual resistiu por meses. Se é verdade que incapacitou por ora o Hamas e seus aliados, fará malabarismo para esquecer a promessa de que a guerra só acabaria com a vitória total sobre os terroristas supondo com isso a impossível missão de matar a todos.
O debate foi duro até o final, com o debate final varando a noite de terça para quarta. O Hamas, que segundo relatos já havia topado o acordo, ao fim exigiu que Israel detalhasse a saída de suas forças de Gaza. Biden o ditador egípcio, Abdul Fatah al-Sisi, entraram remotamente no circuito.
O Hamas exigia detalhes do plano de retirada de tropas de Israel, que relutantemente os cedeu. Depois, pediu a saída dos israelenses do corredor da fronteira Gaza-Egito, o que só irá acontecer gradualmente.
Com todas as ressalvas que a região obriga, pode ser o fim do numericamente mais mortífero conflito da região, que já viu antes três grandes guerras e vários conflitos de menor porte. O Hamas, temida força regional, foi reduzido a uma guerrilha, ativa, mas severamente limitada e em processo de reconstrução.
No 7 de Outubro, o Hamas matou 1.170 pessoas e levou consigo 251 reféns. A reação de Tel Aviv deixou 46.707 mortos até esta quarta, nas contas árabes. Os ataques de Israel seguiram mesmo com as negociações. Até aqui, só houve um cessar-fogo, de uma semana em novembro de 2023, no qual 105 reféns foram trocados por 240 prisioneiros palestinos.
O embate ainda se espraiou, virando uma guerra regional que quase levou Israel às vias de fato com o patrono do Hamas e do Hezbollah libanês, o Irã. Os rivais trocaram quatro salvas diretas de mísseis, mas não escalaram além disso até aqui.
A incerteza é generalizada. No Líbano, está em vigor o cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah, que havia escalado sua guerra de atrito fronteiriço em apoio ao Hamas e acabou vendo toda sua liderança bombardeada até a morte a partir do fim de setembro passado.
Na vizinha Síria, a ditadura aliada ao Irã de Bashar al-Assad colapsou em 12 dias de ataques de insurgentes islâmicos apoiados pela Turquia. Israel não perdeu tempo. Aniquilou as capacidades militares que ficaram para trás e ocupou mais 400 km2 das Colinas de Golã, que anexara em 1967 do vizinho.
Há dúvidas sobre o quão durável é o acordo. Há quem tema que, como Trump havia dito que a soltura dos reféns era condição para evitar um "inferno" no Oriente Médio, a violência seja retomada assim que as trocas forem concretizadas. Fala contra essa visão os temos acordados, claro.
Seja como for, o cessar-fogo abre a esperança para o fim de uma tragédia humanitária que inclui, e não transcende, a barbárie perpetrada pelo Hamas.
A mortandade de civis e destruição da infraestrutura em Gaza é classificada por muitos como genocídio, e Netanyahu tem um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional contra si sob essa acusação.
Em sua defesa, Israel diz que não busca matar populações e que o Hamas imiscuiu sua rede logística e de combate entre a população civil, dificultando a separação do joio terrorista do trigo inocente.
Com o cessar-fogo, Netanyahu de todo modo dá uma resposta tardia ao público externo sobre o sangue derramado. E a resolução da questão dos reféns, ponto pelo qual mais é criticado dentro de Israel, fala à plateia doméstica.
Politicamente, contudo, é incerto se lhe dará refresco. Com a crise principal do Estado judeu em décadas em tese controlada, o foco será nas críticas de sua base ultraortodoxa de direita, que sustenta o contestado premiê no poder e já ameaça deixar o governo.