Lei não pode deter curso da história, diz Gilmar Mendes em audiência sobre pejotização
Mendes disse ainda que o STF tem como missão encontrar uma forma de garantir os direitos constitucionais a trabalhadores

Foto: Antonio Augusto/STF
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, afirmou que a legislação trabalhista não pode "deter o curso da história", em audiência pública sobre pejotização na corte nesta segunda-feira (6).
"A complexidade do tema exige uma compreensão de como a inovação pode ser incorporada sem retrocessos, mas também sem a ilusão de que a legislação possa deter o curso da história ou preservar relações que, na prática, já se reconfiguraram", disse.
A audiência foi convocada por ele antes do julgamento da ação que trata sobre a validade dos contratos de PJ (Pessoa Jurídica). Os debates começaram às 8h30 e devem terminar por volta das 19j. É possível acompanhar a transmissão ao vivo pelo canal do Supremo no YouTube.
Mendes disse ainda que o STF tem como missão encontrar uma forma de garantir os direitos constitucionais a trabalhadores e não barrar a evolução da iniciativa privada, que também consta da Constituição.
"Nossa tarefa é pensar como assegurar transições justas e suaves, fomentando a economia e permitindo que a livre iniciativa e as novas formas de trabalho efetivamente promovam o desenvolvimento, tendo como pilar a dignidade da pessoa humana."
Ao todo, há mais de 50 inscritos representando diversas instituições. Cada um deles terá sete minutos para fazer sua exposição sobre o tema. As ações que debatem os contratos PJ estã o suspensas até que a corte tome uma decisão final.
O julgamento do Tema 1.389 tem repercussão geral e valerá para todas as ações do tipo na Justiça.
A pejotização é uma forma de contratação na qual o profissional abre uma empresa e presta serviço para outra, sem que haja vínculo trabalhista pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O modelo não é barrado na CLT, mas pode ser considerada ilegal caso seja usada pelo empregador para burlar a legislação trabalhista.
ESPECIALISTAS APONTARAM IMPACTOS NO ORÇAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
No primeiro bloco da audiência, das 8h30 às 10h30, grande parte dos convidados concordou que a pejotização é um problema tanto para os trabalhadores quanto para o orçamento federal.
José Pastore, sociólogo e professor, José Roberto Rodrigues Afonso, doutor em desenvolvimento econômico, e Felipe Scudeler Salto, economista, afirmaram que a situação da pejotização já afeta os sistemas brasileiros.
Segundo dados apresentados, pouco mais da metade dos brasileiros ocupados não têm carteira assinada nem são servidores públicos, e quase 70% das empresas no país não têm empregados. Além disso, o trabalhador contratado traz uma incidência tributária de 23,6%, e o pejotizado, de 17,3%.
Representantes do governo especialmente do Ministério da Previdência Social, da Receita Federal e do Ministério da Fazenda disseram que a pejotização atual, com trabalhadores que cumprem horários de trabalho e a hierarquia da empresa, configurariam fraude, com tentativa de burlar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, falou sobre os MEIs (Microempreendedores Individuais), afirmando que, quando o regime foi criado, a intenção era favorecer e formalizar, por exemplo, pipoqueiros autônomos, que tinham ainda menos direitos do que atualmente.
"Agora, um cidadão que monta dez carrinhos de pipoca e contrata dez MEIs. Já foge totalmente da lógica", disse.
Segundo estimativas apresentadas, a Previdência Social já perdeu dezenas de bilhões de reais com os contratos CLT, que oferecem menos direitos e com os quais se arrecada bem menos. Se continuar no ritmo atual, o déficit no governo pode chegar a R$ 213,97 bilhões por ano.
O QUE O STF VAI DECIDIR SOBRE PEJOTIZAÇÃO?
O plenário do STF deve se reunir, ainda sem data marcada, para julgar o tema 1.389, que tem repercussão geral, para definir:
1 - De quem é a competência para julgar casos em que se discute a fraude no contrato de trabalho por meio da pejotização, se da Justiça do Trabalho ou da Cível
2 - Se a contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços é lícita ou ilícita, tendo como base o que já decidiu o próprio STF na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 324, que reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos
3 - Quem deve provar que houve fraude na contratação civil, o empregado ou o empregador, e de quem é a responsabilidade ao firmar esse tipo de contrato
QUAL FOI A DECISÃO DO MINISTRO GILMAR MENDES SOBRE OS PROCESSOS ENVOLVENDO CONTRATOS PJ?
O ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos que se é lícito ou não contratar por meio da pejotização, contrato usado em diversos setores, como representação comercial, corretagem de imóveis, advocacia, saúde, artes, tecnologia da informação e entrega por motoboys, entre outros.
Para ele, há uma controvérsia sobre a legalidade desses contratos, que tem sobrecarregado o STF diante do elevado número de reclamações contra decisões da Justiça do Trabalho. O Judiciário trabalhista tem decisões a favor e contra a pejotização. Já o STF não vê problemas nos contratos PJ.
"O descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas", afirmou.
O QUE ACONTECE COM AÇÕES SOBRE PEJOTIZAÇÃO NO PAÍS?
As ações do tipo no país ficam paradas, até que o STF julgue o tema, o que não tem data para acontecer. O advogado e mestre em direito do trabalho, Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, do Fas Advogados, membro do Getrab-USP (Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo), diz que há muitas dúvidas sobre o alcance da decisão.
Essa suspensão é para processos em qual fase? Os que já transitaram em julgado (chegaram totalmente ao final) e estão esperando só o cálculo também vão ser suspensos? E quem ganhou ação por meio de liminar, em fase de execução provisória, deve ter a decisão paralisada?
Outro ponto apontado por ele são as ações de fiscalização do Ministério Público do Trabalho. Como dizer se o contrato é ilícito, se o STF ainda não decidiu isso?
O QUE É E COMO FUNCIONA O CONTRATO PJ?
Um contrato PJ é um tipo documento de prestação de serviços firmado entre uma empresa e um profissional ou outra empresa, que atua como pessoa jurídica, sem vínculo de emprego previsto pela CLT, com direitos constitucionais como 13º salário, férias, FGTS e multa na rescisão sem justa causa.