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Política

Lula deve terminar mandato com quatro anos de déficit fiscal efetivo, aponta relatório

Documentos deram um panorama do que esperar para as contas do governo até o final de 2024

Por FolhaPress
Ás

Lula deve terminar mandato com quatro anos de déficit fiscal efetivo, aponta relatório

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve terminar o governo com déficit fiscal efetivo nos quatros anos do seu terceiro mandato na Presidência da República. É o que sinalizam os dados oficiais mais recentes divulgados na proposta de Orçamento de 2025 e no quarto relatório de avaliação de receitas e despesas do Orçamento deste ano.

Os dois documentos oficiais deram um panorama do que esperar para as contas do governo até o final de 2024 e na segunda metade do governo Lula 3.

Mesmo que o presidente cumpra as metas fiscais estabelecidas para 2024 (0%), 2025 (0%) e 2026 (superávit de 0,25%), o cenário é de déficits efetivos (sem descontos) até o fim do seu mandato. Os especialistas chamam de resultado fiscal cheio.

A Folha ouviu dois especialistas em contas públicas. Mansueto Almeida e Felipe Salto são categóricos em prever quatros anos de déficits no governo Lula.

A razão é o uso de margem de tolerância do arcabouço fiscal e o impacto das despesas com precatórios (sentenças judiciais) e créditos extraordinários que ficam fora do cálculo da meta fiscal.

Em 2025, serão R$ 44,1 bilhões de despesas com precatórios não computadas na meta fiscal. Para 2026, o valor estimado é de R$ 55,7 bilhões. Todas essas exceções à regra permitem ao governo cumprir a meta fiscal, mesmo com déficits seguidos.

Para 2024, o próprio governo prevê um déficit de R$ 68,8 bilhões, com R$ 40,5 bilhões fora das regras fiscais em 2024. Em 2025, a projeção é de um déficit efetivo de R$ 40,4 bilhões em contrapartida a um superávit de R$ 3,7 bilhões com os descontos da meta.

Além disso, o governo adotou uma estratégia de ajuste gradual das contas públicas com foco no piso da margem inferior da regra, o que permite um déficit de até R$ 28,8 bilhões neste ano. Essa margem de tolerância está estimada em R$ 31 bilhões em 2025 e R$ 32,9 bilhões em 2026.

"Nas próprias apresentações do governo, quando se coloca toda a despesa, tem déficit. Esse é o número que importa para a dívida pública", diz Mansueto, economista-chefe do BTG e ex-secretário do Tesouro Nacional.

O time de Mansueto no BTG projeta um déficit efetivo de R$ 47,65 bilhões neste ano e de R$ 109,73 bilhões em 2025. "Em 2026, é déficit", diz.

O ex-secretário do Tesouro ressalta o cenário mais desafiador com o ciclo de aumento de juros, que piorou as projeções de crescimento da dívida pública. As estimativas do BTG apontam que a dívida bruta já em 2025 vai ultrapassar o patamar de 80%, fechando o ano em 81,58% do PIB (Produto Interno Bruto).

"Vamos ter déficit primário todos os anos desse governo e, aí, a projeção de déficit nominal vai ficar em torno de 6% do PIB. É um nível de países que estão puxando os cabelos para fazer algum ajuste fiscal", afirma ao citar a França. O déficit nominal apura a diferença entre as receitas e despesas públicas, incluindo os juros da dívida.

Na sua avaliação, para o Brasil almejar recuperar o grau de investimento pelas agências de classificação de risco, será preciso responder à pergunta: quando se espera ter um superávit suficiente para estabilizar a dívida e colocá-la na trajetória de queda?
"Hoje, não conseguimos responder a essa pergunta, porque para o arcabouço fiscal ficar de pé, como mostrou um relatório do Tesouro, vai ter que mexer na vinculação de saúde e educação ou mexer em algumas regras de crescimento de despesa obrigatória", diz.

Segundo Mansueto, mesmo com crescimento do PIB em torno de 2%, o crescimento da dívida pública não se estabiliza e, com juros maiores, a dívida cresce mais rápido. Mansueto lembra que esse é um cenário diferente daquele quando o Brasil recebeu, em 2008, o grau de investimento pela agência de classificação de risco S&P.

Naquela época, havia uma sequência forte de queda da dívida porque o governo gerava superávits elevados, o que colocou a dívida por vários anos em trajetória de queda.

Ex-secretário de Fazenda de São Paulo, Felipe Salto diz que o governo não está entregando a meta prometida de déficit zero. "Eles [a equipe econômica] tinham prometido uma recuperação do resultado, de modo que chegassem num primário positivo entre 2025 e 2026. Isso não vai acontecer", afirma Salto, economista-chefe da Warren Investimentos.

A equipe da Warren projeta um déficit cheio (sem descontos) de R$ 69,2 bilhões (2024); R$ 108,7 bilhões (2025) e R$ 122,4 bilhões (2026). Salto antevê que o governo vai mudar a meta fiscal a partir do ano que vem. Segundo eles, as contas públicas só vão ficar no azul em 2031.

"Na nossa conta, precisa ter um superávit de 1,5% do PIB para a dívida estabilizar. E o que está acontecendo aqui? Eles estão criando subterfúgios, abatendo o precatório, e usando essa banda inferior como se a banda fosse a meta", critica.

À Folha, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, diz acreditar na realização de um superávit efetivo em 2026 ainda no governo Lula.

"Nosso trabalho é mostrar que o país está muito bem, nós estamos em um momento sensacional do país, o país está crescendo bem e com o índice de desemprego nas mínimas históricas. Estamos recuperando o fiscal, precisamos seguir essa trajetória", avalia Ceron.
Salto lembra que o TCU (Tribunal de Contas da União) já chamou a atenção do governo para não mirar a banda inferior da meta.

Para ele, não é válido o argumento da área econômica de que o problema dos precatórios foi criado no governo Bolsonaro e que o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que ficaria fora das regras fiscais.

Salto afirma que governo poderia ter economizado para pagar os precatórios. "É um problema que eles tinham que equacionar dentro das possibilidades do Orçamento. Ele pode economizar em outro lugar de modo que a meta seja preservada", diz.

No primeiro ano do governo Lula, as contas tiveram um rombo de R$ 264,5 bilhões em 2023, de acordo com o resultado final calculado pelo Banco Central. O saldo negativo foi influenciado pela regularização dos precatórios. No fim do ano passado, o governo Lula obteve autorização do STF para quitar um passivo de R$ 92,4 bilhões.

Na proposta orçamentária de 2025, o governo afirma que a programação prevista para 2026 pressupõe a suficiência de receitas para alcance da meta de superávit de 0,25% do PIB, incluindo medidas e ações em estudo com potencial de aumentar a arrecadação ainda a serem apresentadas.

Com déficits nos quatros anos do mandato do presidente Lula, o economista-chefe da Warren avalia que o governo Lula está perdendo a oportunidade de ter taxas de juros mais baixas rapidamente ao mostrar que a responsabilidade fiscal não é uma prioridade máxima.

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