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Maduro ignora Brasil e diz que se vê na 'família Brics'

1 dos 26 convidados do bloco que participaram da sessão ampliada da cúpula

Por FolhaPress
Ás

Maduro ignora Brasil e diz que se vê na 'família Brics'

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Um dia depois de ser deixado de fora da lista de 13 países que serão convidados a ser parceiros do Brics, o ditador Nicolás Maduro ignorou em discurso nesta quinta (24) o Brasil, que trabalhou pela sua exclusão, e disse que "se vê" no bloco. "A Venezuela faz parte da família do Brics."

Ele discursou no evento em Kazan, na Rússia, como 1 dos 26 convidados do bloco que participaram da sessão ampliada da cúpula. Na sua saudação, passou recibo ao trabalho do Itamaraty ao citar que "aqui estão os irmãos de Cuba, Bolívia e Nicarágua". O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, estava presente.

Na véspera, ele havia recebido apoio do anfitrião, o aliado Vladimir Putin, para sua pretensão. Nesta quinta, o venezuelano disse que vai trabalhar pela inclusão de seu país no bloco. Maduro nem era esperado na cúpula, na qual estava representado por sua vice, mas fez uma visita surpresa para pressionar pelo convite.

Ao fim, como a Folha adiantou na terça (22), a lista aprovada terá Cuba, Bolívia, Argélia, Nigéria, Uganda, Malásia, Indonésia, Vietnã, Tailândia, Cazaquistão, Uzbequistão, Turquia e Belarus. Aleksandr Lukachenko, o ditador belorrusso aliado de Putin, já disse que topará.

Convite não significa adesão, claro. Antes, a China havia retomado sua campanha para que o bloco cresça com a adesão de países não alinhados com Washington.

O líder do gigante asiático, Xi Jinping, afirmou que o Brics precisa de mais membros do chamado Sul Global, o jargão da vez para denominar economias emergentes que não estão no polo americano da Guerra Fria 2.0 entre Pequim e os Estados Unidos.

Na reunião do ano passado, os chineses trabalharam na última hora para incluir o antiamericano Irã e a Etiópia na maior expansão do grupo desde sua criação, em 2006, que também trouxe Egito e Emirados Árabes Unidos a Arábia Saudita também ingressou, mas não consumou ainda sua adesão.

O Brasil era contrário a isso, não menos pelo caráter antiocidental que a mexida deu ao Brics. O chanceler Mauro Vieira, que representa o ausente presidente Lula (PT) no atual encontro em Kazan, minimiza isso, mas o Itamaraty trabalhou para arrefecer o ímpeto chinês.

Assim, ao longo dos meses que antecederam a cúpula russa, foi adotada a fórmula de convite a países para serem parceiros do Brics, sem os deveres e direitos da adesão plena. A ideia era manter certa coesão nas linhas do grupo e evitar a cacofonia que já se vê num clube com nações tão díspares.

Ao longo de sua fala, Maduro só citou Vieira lateralmente, ao concordar com a necessidade apontada pelo brasileiro de reforma de instituições globais.

Com efeito, em seu discurso no encerramento da cúpula, Vieira defendeu os pontos usuais para reforçar a relevância do Brics, mas não citou a ampliação do bloco. Qualquer alteração na lista atual precisará ser pactuada com todos os membros do Brics (nove, na prática).

Apesar de uma declaração final com terminologia vaga, algo que tende a aumentar o quão mais membros houver no Brics, na retórica a dupla China e Rússia se manteve na ofensiva.

Para Xi, o bloco "tem de liderar o processo de reforma da governança econômica global". Há um consenso entre os integrantes do Brics de que o atual arcabouço que rege o sistema monetário do planeta, herdado da conferência de Bretton Woods (EUA) em 1944, está desatualizado.

Suas duas principais instituições, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, refletem o balanço de poder do pós-guerra, com predominância de americanos e europeus no seu comando. Mudar isso é um ponto em que Lula, Xi, Putin e os outros líderes do Brics concordam.

O presidente russo, por sua vez, deu um tom ainda mais político em sua fala na reunião final do chamado Brics+, uma versão com 26 convidados e a presença polêmica do secretário-geral da ONU, o português António Guterres —a Ucrânia diz que sua visita a um país em guerra sugere lado na disputa.

O Ocidente, diz Putin, "está usando a Ucrânia para infligir uma derrota estratégica à Rússia". "Isso é ilusão", afirmou. Ele defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU, instância máxima da entidade, com maior representatividade do tal Sul Global.

O russo também voltou a criticar o pacote de sanções aplicado pelos EUA e aliados contra Moscou, como punição pela invasão do vizinho em 2022. Para ele, é um "regime ilegal de manipulação de moedas", um outro tema corrente no Brics: a tentativa de tirar do dólar a primazia nas transações comerciais entre países do grupo.

Apesar de este ser um problema muito russo, devido às sanções, Lula fez a mesma defesa em discurso na quarta (23). A ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que lidera o banco do Brics, deverá ser reconduzida ao cargo baseada na defesa desta mesma plataforma.

A prática, contudo, difere da realidade. A Índia virou, com a guerra e o fechamento de mercados à Rússia, grande compradora de petróleo do país de Putin. Os pagamentos são em sua maioria em moeda nacional, mas não é negócio para os russos ter o superávit de US$ 55 bilhões guardado em rúpias indianas.

Isso gera um desequilíbrio ao fim, o que leva à especulação sobre a adoção de uma moeda como padrão para o comércio intra-Brics, restando saber qual. A ideia de substituir o sistema de pagamentos Swift é ainda mais complexa.

Outro ponto comum nas falas finais foi a condenação a Israel. Putin disse que o Oriente Médio está à beira de uma guerra total, e Vieira criticou a ação em Gaza, chamando-a de "genocídio do povo palestino". Assoprou ao condenar o ataque terrorista do Hamas que iniciou o atual conflito, há pouco mais de um ano, mas logo virou-se contra "a reação desproporcional" do Estado judeu.

Largamente ausente dos debates oficiais, mas permeando as preocupações do grupo, está a eleição americana. Para diplomatas, a eventual volta de Donald Trump ao poder deverá acirrar ainda mais a Guerra Fria 2.0, de resto lançada pelo então presidente em 2017.

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