'Medo de morrer', 'tratado igual cachorro'; o que dizem os brasileiros deportados
Vários dos migrantes disseram ter ficado 50 horas algemados, sem ar condicionado no voo e sujeitos a abusos
Foto: The White House/Reprodução
Os brasileiros deportados dos Estados Unidos que chegaram a Belo Horizonte neste sábado (25) relataram agressões, ameaças e tratamento degradante que sofreram por parte dos agentes de imigração americanos responsáveis pelo voo de volta ao Brasil.
Desembarcando na noite de sábado no aeroporto de Confins após serem soltos pela Polícia Federal, vários dos migrantes disseram ter ficado 50 horas algemados, sem ar condicionado no voo e sujeitos a abusos dos americanos.
"Nem cachorro merecia ser tratado daquele jeito", disse Jefferson Maia, que ficou dois meses preso nos EUA após atravessar a fronteira com o México. "Passei quase 50 horas acorrentado, sem comer direito. Estou há cinco dias sem tomar banho."
Segundo Jefferson, ele foi agredido pelos agentes de imigração já em Manaus, quando os americanos tentaram fazer o avião decolar mesmo apresentando falha no motor. Nesse momento, os migrantes pediram para sair da aeronave. "O agente me enforcou, puxou a corrente das algemas até que meu braço sangrasse", conta. "Não volto [pros EUA] nunca mais."
Vários dos deportados relatam que só conseguiram alertar as autoridades brasileiras depois de abrir uma das portas de emergência do avião e gritar por socorro do alto da asa, ao que funcionários do aeroporto que trabalhavam na pista alertaram a Polícia Federal. "A gente disse pra eles: nós não vamos mais viajar nesse avião, chama a nossa polícia, tira a gente daqui", afirma Denilson José de Oliveira, 26 anos. "Senti muito medo. Parecia que estavam tentando nos matar."
Segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o governo Lula determinou a retirada das algemas dos brasileiros assim que foi informado da situação pela PF. O ministro falou em "flagrante desrespeito" dos direitos dos brasileiros. O Planalto também enviou um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para fazer o transporte dos migrantes até Belo Horizonte, destino final do voo original.
Na noite deste sábado, o Itamaraty publicou em suas redes sociais a informação de que pedirá explicações ao governo Donald Trump sobre "o tratamento degradante dispensado aos passageiros no voo".
Carlos Vinicius de Jesus, 29, disse que os agentes americanos agrediram e humilharam os migrantes. "Bateram em nós, falaram que iam derrubar o avião, que nosso governo não era de nada. A gente que se rebelou, iam nos matar. Eles falaram que se eles quisessem eles fechavam a porta da aeronave e matavam todos nós."
Segundo Carlos, o avião, que partiu na sexta-feira (24) da cidade de Alexandria, na Viríginia, apresentou falha técnica ainda em espaço aéreo americano, fazendo uma parada no estado da Louisiana, no sul do país. Depois, precisou pousar no Panamá e, por fim, em Manaus.
O carioca Marcos Vinicius Santiago de Oliveira, 38, confirmou as agressões contra outros deportados e contou a respeito da pane que teria ocorrido no avião. "Quando parou no Panamá, o avião não queria funcionar. A gente ficou horas sem ar condicionado e algemado. Até para ir no banheiro, para beber água, aquilo era difícil", disse. De acordo com Jefferson Maia, os brasileiros foram forçados a ir ao banheiro de porta aberta.
Aeliton Cândido, 33, de Divinópolis (MG), relatou que estava há dois anos detido nos EUA e reiterou que houve agressões e problemas na aeronave durante o retorno para Brasil. "Agora é vida nova, respirar e recuperar a minha dignidade. Foi a pior coisa que já passei na minha vida. Medo de morrer."
"Eu não fui agredido, mas os meninos foram. Eles estavam algemados, meteram o porrete neles sem dó. Desumano. Chutes, jogando os moleques no chão. Em um deles, um cara deu um mata-leão", disse Luiz Fernando Caetano Costa, um dos migrantes retornados, que estava havia um ano e meio nos EUA.
"Alguns rapazes mais novos começaram a ver as crianças passando mal, eles estavam falando para tirar as crianças", afirmou Mario Henrique Andrade Mateus, 41, que diz ter ficado três meses detido na imigração americana. "Os agentes dos Estados Unidos não queriam deixar a gente sair. Agrediram um dos meninos, derrubaram ele no chão e deram um chute nele." Outros brasileiros relataram que os agentes separaram famílias dentro do avião.
"Após a chegada da Polícia Federal, depois de muita discussão, muita briga, eles não queriam deixar a gente descer. E quando aceitaram, eles queriam tirar as algemas para que a PF não visse que nós estávamos algemados em território brasileiro", acrescentou Mario Henrique.
Os brasileiros também relataram as condições degradantes durante a detenção nos EUA, aguardando deportação. "Até cachorro aqui no Brasil come melhor do que a gente comeu lá", disse Lucas Gabriel Maia. "Era pão, água e cereal." Outros migrantes também relataram que a dieta consistia de hambúrguer no almoço e na janta, e que muitos detidos passaram fome e frio. "Ninguém merece ser tratado assim", diz Lucas.
Procurada pela Folha para comentar as acusações, a Embaixada dos EUA em Brasília não se manifestou formalmente até a publicação deste texto. No sábado, havia dito apenas que "os cidadãos brasileiros do voo de repatriação estão sob custódia das autoridades brasileiras" e que a representação diplomática estava em contato com as autoridades.