México vai às urnas dividido entre herdeiros de AMLO e o voto de protesto ao populista
São mais de 20,7 mil cargos em disputa
Foto: Israel Torres
Os números, por si só, já tornariam históricas as eleições gerais deste domingo (2) no México, o segundo país mais populoso e a segunda maior economia da América Latina, atrás apenas do Brasil.
São mais de 20,7 mil cargos em disputa. Estão em jogo a Presidência, todas as vagas do Congresso e mais milhares de cargos a nível estadual e municipal. São ainda 99 milhões de eleitores em um universo de 129,4 milhões de habitantes. É a maior eleição da história mexicana.
Aos números vultosos se soma a singularidade da disputa: após seis anos de governo daquele considerado o primeiro presidente à esquerda da história do país, o que está em jogo nos mais de 170 mil centros de votação espalhados pelo território é uma aprovação (ou reprovação) de Andrés Manuel López Obrador, comumente chamado de AMLO.
Das 8h às 18h no horário local (11h às 21h de Brasília) do domingo, os milhões de eleitores de perfil majoritariamente jovem vão preencher uma porção de cédulas eleitorais --uma para cada cargo a ser eleito-- para definir quem comanda o próximo sexênio da história mexicana.
A Constituição diz que o voto é obrigatório, mas não há nenhuma punição para os eleitores que escolherem não votar.
Larga na frente nas pesquisas de intenção de voto, com vantagem, a apadrinhada de AMLO, Claudia Sheinbaum, ex-chefe de governo da Cidade do México. Na sequência estão a ex-senadora Xóchitl Gálvez, representante da tríade de partidos tradicionais PRI-PAN-PRD e o azarão Jorge Álvarez Máynez, do partido Movimento Cidadão.
Mas quase em uníssono, analistas ponderam que o que está em jogo transcende esses nomes. A escolha é entre apoiar a continuidade do projeto de AMLO, um político tradicional que guinou ao populismo, ou rechaçá-lo, no que apelidam de "voto de castigo", ou voto de protesto.
Proibido pela Carta Magna de concorrer à reeleição, López Obrador é consideravelmente popular. Em uma pesquisa do jornal El Financiero de abril, ele tinha exatos 60% de apoio. Com um discurso nacionalista, uma personalidade carismática e uma porção de programas sociais, ele aparentemente logrou transferir esse capital político para Claudia Sheinbaum, a preferida à vitória neste pleito.
Acadêmicos e consultores são extremamente críticos à postura que AMLO adotou contra instituições fundamentais da democracia. Ele tentou modificar regras do instituto eleitoral e da Suprema Corte e é um dos mais afeitos líderes contra a imprensa independente.
Hoje seu partido, o Morena, possui maioria simples no Congresso Nacional, mas não maioria qualificada --ao menos 2/3 dos votos na Câmara e no Senado--, que permite aprovar essas mudanças.
Há forte expectativa de que neste pleito o Morena a obtenha, junto com o PT e o Partido Verde, da coalizão. Neste cenário, aprovar esse pacotão polêmico seria mais fácil.
"Esse foi um governo que aplicou uma boa quantidade de políticas que a direita faria com gosto em matéria econômica, em especial a austeridade fiscal, mas com a alegação de que era uma política de esquerda", diz o cientista político Francisco Valdés.
"Isso não seria tão grave se os elementos principais que AMLO propunha, como combater a corrupção, fazer os militares voltarem aos quartéis, melhorar o sistema de saúde, tivessem sido objetivos reais do governo. Em nenhum desses temas podemos ver elementos positivos."
O pesquisador da Unam (Universidade Nacional Autônoma do México) é especialmente crítico ao modelo de assistência social do governo. "Políticas de transferência direta de renda são boas se há apoio complementar, que mude a estrutura. Mas no México a tendência foi derramar dinheiro em busca de criar uma clientela social."
Durante os anos de AMLO no poder, a fatia do orçamento destinada a programas sociais cresceu 197,9%. O principal salto foi na pensão dada a maiores de 65 anos, que teve aumento de 215% em relação a 2019, primeiro ano de fato de seu governo, e este 2024.
Segundo dados oficiais, a parcela em situação de pobreza no México teria diminuído para 36,3% em 2022, os últimos dados disponíveis, contra 41,9% em 2018, ano em que López Obrador assumiu o governo. Isso ignorando o pandêmico 2020, quando o índice chegou a 43,9%.
Os números são questionados por alguns especialistas. Um dos motivos é o fato de a diminuição substancial ter ocorrido na pobreza moderada (de 34,9% a 29,3%) e não na pobreza extrema, que ficou praticamente estável (de 7% para 7,1%), nesta comparação.
AMLO também operou uma mudança considerável no salário mínimo, com aumento de 110% do montante de 2018 a este 2024.
Sheinbaum promete seguir com o assistencialismo e ampliá-lo. Xóchitl, após inúmeras acusações de AMLO de que pretendia acabar com essas políticas, disse que não o fará, mas que quer torná-las mais eficientes.
Para tamanho investimento social, a pergunta que fica é: de onde sairá o dinheiro? Especialistas dizem que uma reforma fiscal é iminente, ainda que nenhum governo queira colocar o tema em pauta para evitar que a polêmica de aumentar impostos drene sua popularidade.
Em comparação com a América Latina, o México é um dos países que menos arrecada impostos. A carga tributária girava em torno de 16,9% do PIB em 2022, cerca de metade da do Brasil, 32,4%.
Para além de todos esses desafios, eleitores e candidatos também vão às urnas sob clima de temor em algumas partes do país. Afinal, mais de 30 candidatos foram assassinados nestes meses de campanha eleitoral, e exemplos não param de ser coletados.
Dois dias antes do pleito, na sexta-feira (31), um candidato a vereador pelo Partido Verde foi morto a tiros em Izúcar de Matamoros, no estado de Puebla. Segundo monitoramento da imprensa local, ao menos 20 desses crimes seguem sob investigação, sem que tenham sido encontrados autores materiais ou intelectuais do crime.