Número de centenários com plano de saúde cresce 42% em cinco anos, diz ANS
Valores cobrados são altos, e a dificuldade em manter em dia o pagamento é uma realidade para idosos

Foto: Marcello Casal/ Agência Brasil
Entre 2019 e 2024, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) registrou um crescimento de 42% no número de centenários beneficiários de planos de saúde, conforme relatório divulgado pela própria agência. A quantidade subiu de 7.636 para 10.845, o que representa quase um terço dessa população no Brasil, estimada em 37.814 em 2024, conforme o documento.
O salto pode ser atribuído principalmente à maior longevidade da população e não necessariamente à maior adesão aos convênios por esse grupo, de acordo com especialistas.
Os valores cobrados pelos planos são altos, e a dificuldade em manter em dia o pagamento é uma realidade para muitos idosos.
Heloísa Damásio Borges, 73, afirma que seu pai gasta R$ 23.383 mensais para manter o SulAmérica Executivo. Altino Damásio, 105, envelheceu com o plano, e o aumento gradativo das mensalidades resultaram em valor hoje considerado abusivo pela filha, que entrou na Justiça para tentar reaver uma parte do dinheiro.
"Faz 20 anos que estamos com esse plano. Só o último reajuste, no ano passado, foi de R$ 5.000. Não saímos [do convênio] porque ninguém o aceita nessa idade", diz.
Embora recusar clientes seja algo vedado pela ANS, a prática é corriqueira e representa outro problema que consumidores nessa idade costumam enfrentar.
Damásio usa uma sonda gástrica, tem problemas nas cordas vocais e vez ou outra precisa ser internado devido a alguma complicação de saúde. O plano, no entanto, negou o serviço de home care, apesar de pedidos médicos.
Procurada para comentar o caso, a SulAmérica afirmou que o plano mencionado é coletivo por adesão e que a aplicação dos reajustes é de responsabilidade da administradora de benefícios. Sobre a recusa de assistência domiciliar, disse que a cobertura segue as condições contratuais e a necessidade clínica avaliada tecnicamente.
A maioria dos centenários está em planos individuais (44,1%) e nas cooperativas médicas (37,5%), conforme o levantamento.
Embora o crescimento da adesão dos centenários tenha sido o mais acentuado nos últimos cinco anos, o número de beneficiários de 60 anos ou mais cresceu significativamente em todas as faixas.
A perspectiva, de acordo com escritórios de advocacia, é também de aumento no número de idosos que buscam a Justiça para resolver os problemas que têm com as operadoras.
Segundo Thaís Kechichian Alonso, sócia do Vilhena Silva Advogados, especializado em direito à saúde, as ações são motivadas por reajustes abusivos, dificuldades de acesso a tratamentos, questões envolvendo portabilidade de carência e cancelamentos unilaterais.
Com a redução da renda devido à aposentadoria, os idosos muitas vezes dependem da ajuda das famílias para pagar o plano. É o caso de Pedrina Ramos de Souza, 98, que, embora tenha poupado parte de sua renda como professora, ainda assim precisa da ajuda da sobrinha-neta para pagar a mensalidade de cerca de R$ 9.800 do plano de saúde, sem falar nos gastos com medicação e outras necessidades.
"Por ela tirava o plano, mas não tem como fazermos isso. Da última vez ela caiu, teve uma internação grave, e no hospital falaram para a gente que teríamos que ter home care", diz Marta Brito, 47, sobrinha-neta de Pedrina.
O serviço chegou a ser liberado, mas a idosa perdeu o benefício após uma nova internação hospitalar e só o recuperou muito depois. Entre idas e vindas, a família também entrou na Justiça para tentar reduzir o valor da mensalidade e para ter acesso a determinados tratamentos.
Beneficiários centenários estão em uma posição especialmente frágil no sistema de saúde suplementar, afirma Bruno Becker, sócio no Berardo Advogados. "A maioria dos problemas decorre de contratos antigos, assinados antes das regras atuais. Com o tempo, a regulação mudou, criando conflitos entre expectativas iniciais e a realidade do mercado, o que gerou disputas sobre reajustes e rescisões", diz.
De acordo com o economista Rudi Rocha, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e diretor de pesquisa do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), o envelhecimento das carteiras acontece mesmo com o alto volume de idosos que deixam as operadoras.
Conforme dados da ANS, em junho de 2024, as adesões na faixa de centenários ficou muito aquém dos cancelamentos (4.241 cancelamentos contra 746 adesões) por motivos que incluem óbito, iniciativa do beneficiário, desligamento da empresa e inadimplência.
A realidade é a mesma a partir dos 60 anos em geral, e oposta para beneficiários de 0 a 39 anos. A entrada de jovens é importante para equilibrar os negócios nas operadoras e proporcionar preços e reajustes menores para o beneficiário, inclusive o idoso, segundo Gustavo Ribeiro, da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde).
COMO AGIR EM SITUAÇÕES ABUSIVAS
Para Marina Paullelli, advogada do programa de saúde do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), é essencial que o idoso não seja visto como um problema ou como um consumidor que encarece o plano de saúde.
"Antes de tudo, é muito importante que a permanência do consumidor idoso no plano de saúde seja considerada uma política. A regulação da ANS deve avançar no sentido de proteger efetivamente esse grupo que representa uma parcela considerável dos usuários de plano de saúde", afirma.
Quando o consumidor se depara com uma prática abusiva ou uma conduta que deseja questionar, é direito dele buscar uma solução junto ao operador de plano de saúde. Na ausência de resposta, o cliente pode buscar um órgão de defesa do consumidor como o Procon.
Pode, ainda, registrar uma queixa na ANS, afirma Léo Rosenbaum, advogado especialista em planos de saúde. A consulta pública 145 da agência discute atualmente como melhorar a política de preços, o que pode ajudar a evitar reajustes exagerados no futuro.
Em último caso, o consumidor pode buscar a Justiça, com base no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Pessoa Idosa, que proíbem discriminação por idade.
"Reclamações sobre reajuste, via de regra, só se resolvem por meio de uma ação judicial, mas é muito importante que o consumidor tente resolver isso de forma extrajudicial", acrescenta Marina Paullelli.
"Em casos urgentes, como negativa de exames importantes, é possível pedir uma liminar judicial para garantir a cobertura imediata, desde que haja risco à saúde ou prescrição médica clara. Outra opção é usar a portabilidade de carências para trocar de plano sem perder direitos", finaliza Rosenbaum.
Segundo a ANS, não há um limite de valores de mensalidades, mas há regras de estabelecimento de preços e reajustes.
A agência orienta que, caso o usuário não consiga resolver o problema com a operadora, deve registrar reclamação em um dos seus canais de atendimento.