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Pataxós lutam por homologação há 20 anos na Bahia e relatam violência em meio a conflitos com fazendeiros: 'temos medo de dizer que somos indígenas'

No Dia dos Povos Indígenas, Farol da Bahia reúne depoimentos de lideranças que relatam rotina de ameaças no extremo sul do estado

Por Bélit Loiane
Ás

Pataxós lutam por homologação há 20 anos na Bahia e relatam violência em meio a conflitos com fazendeiros: 'temos medo de dizer que somos indígenas'

Foto: Arquivo Pessoal

“Eu sinto como se tivessemos retornado para a década de 50, porque hoje temos medo de dizer que somos indígenas”. A fala é de uma liderança Pataxó que acompanha a escalada dos conflitos no extremo sul da Bahia, onde povos originários reinvidicam há mais de 20 anos a homologação da Terra Indígena Comexatibá, em Prado. 

Neste 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, o Farol da Bahia reúne depoimentos de indígenas sobre o avanço dos conflitos fundiários na região.

A Comexatibá abriga atualmente 14 aldeias Pataxó. Entre elas, destacam-se: Barra Velha, Alegria Nova, Gurita, Kaí e Monte Dourado. Essas comunidades estão distribuídas em uma área rica em recursos naturais, de aproximadamente 28 mil hectares, que inclui trechos de Mata Atlântica e faixa litorânea de mais de 23 quilômetros.

A terra já foi demarcada fisicamente pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e passou por etapas como o relatório de identificação e a demarcação no território. Mas a homologação, etapa final do processo ainda não aconteceu, o que impede o reconhecimento pleno da terra como território indígena protegido por lei.

Entre os anos de 2023 e 2025, pelo menos cinco indígenas foram mortos na região, em meio a disputas com fazendeiros. Os casos mais recentes são os de Vitor Braz, assassinado no dia 10 de março, em um ataque na aldeia de Barra Velha; e João Celestino Lima Filho, no dia 5 de abril, em meio a um conflito com produtores rurais.

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O cacique explica que a falta de reconhecimento da Justiça perante as terras deixa as comunidades mais vulneráveis a ameaças, ataques e destruição ambiental.  “Nossos parentes são quem tomba e morre. Nós vivemos uma prisão domiciliar dentro do nosso próprio território. Até a ambulância para nos socorrer precisa entrar escoltada, se não somos atacados e é tudo culpa dessa morosidade que não nos resguarda”, disse a liderança que preferiu não se identificar por medo de represálias. 

Ele destaca que a luta é ancestral, já que sua avó, considerada matriarca da aldeia onde ele mora, foi expulsa do território por se opor a uma empresa multinacional que fazia exportação e retirada de madeira na Comexatibá. 

“A terra era devoluta da União e ainda nem existia o Parque [Nacional do Descobrimento], mas várias famílias já moravam aqui, assim como a minha. De lá para cá foram várias lutas e seguimos com esperança, pois somos guerreiros. Mas para nós é importante refletir nessa data [19], pois seguimos vivendo dias difíceis”.

Além da pressão histórica de grandes empresas e fazendeiros, a presença de extensas plantações de eucalipto no entorno da Comexatibá tem gerado prejuízos ambientais e culturais para os povos indígenas. A monocultura afeta a qualidade da água, empobrece o solo e compromete a biodiversidade, dificultando práticas tradicionais de subsistência, como a agricultura e a coleta de plantas medicinais. “Onde antes tinha rio limpo, hoje tem veneno e sede”, resume uma outra liderança que também escolheu não se identificar.

Ocupação e autodemarcação

O grupo juventude do Território Indígena Pataxó de Comexatibá ocupou o Parque Nacional do Descobrimento, localizado em Prado, por 22 dias, após a morte de Vitor Braz, para cobrar não só a demarcação do território, como também a segurança dos indígenas. 

A decisão desencadeou no fechamento do parque, criação de um grupo de trabalho pelo Governo da Bahia, e operação da polícia que resultou na prisão de 11 indígenas.

Uma das lideranças do grupo juventude, Hayapo Nascimento, morador da aldeia Cassiano, conta que os indígenas têm as casas invadidas por grileiros e a decisão de ocupar partiu do cansaço que envolve a espera pelo judiciário, resultando na ideia de autodemarcação. 

“Ali tem grandes fazendeiros que não querem abrir mão e a verdade é que a gente vive um retrocesso muito grande, porque hoje muitos sentem medo de dizer que é indígena. Eles caçam a gente e já tentaram de várias formas nos parar, mas estamos indo pelo impulso porque a natureza nos pede socorro, se não nós vamos acabar”.

Já a polícia alega que grupos de "supostos indígenas" usam o "pretexto de retomada de territórios ancestrais" para agir com violência e grave ameaça contra trabalhadores e proprietários rurais; saquear produções agrícolas, mobiliários e veículos; e restringir a liberdade das vítimas por períodos juridicamente relevantes.

Na quinta-feira (17), o Governo da Bahia anunciou o envio da Força Nacional de Segurança Pública para o extremo sul do estado, devido a situação. As áreas que serão atendidas pelas equipes não foram especificadas. A decisão  parte de uma sugestão feita pelo Ministério da Justiça e corroborada pelo Ministério dos Povos Indígenas e pelo Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba).

Em nota enviada ao Farol da Bahia, a Secretaria de Segurança Pública (SSP), disse que entre 2021 e 2025, 26 pessoas foram presas em ocorrências relacionadas às disputas de terras na região.

Em 2023, além do reforço policial, a pasta instituiu a Força Integrada de Combate a Crimes Comuns envolvendo Povos e Comunidades Tradicionais.A Força Integrada realiza ações diárias de patrulhamento e também atua em parceria com órgãos federais (PF, MPF, Justiça Federal, Funai e DPU).

O Farol da Bahia buscou a Funai para comentar o processo de homologação, mas não obteve retorno. 

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