PF investiga programa de drenagem de canais e pavimentação anunciado como prioritário para COP30
Segundo a PF, o programa passou a ser investigado por suspeita de irregularidades em contratos

Foto: Divulgação/PF
VINICIUS SASSINE
A PF (Polícia Federal) investiga contratos de um programa voltado a drenagem de canais, pavimentação de ruas, tratamento de esgoto e construção de casas em uma região periférica de Belém, onde os moradores convivem com alagamentos constantes. Essas obras foram apresentadas, em 2024, como prioritárias para a COP30, a conferência do clima da ONU.
O Programa de Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Mata Fome, voltado a intervenções urbanas para garantia de direitos básicos em quatro bairros da cidade, prevê ações em uma extensa rede de canais associados ao igarapé Mata Fome, em benefício a 130 mil pessoas.
Segundo a PF, o programa passou a ser investigado por suspeita de irregularidades em contratos.
A polícia informou a existência dessa investigação em um comunicado sobre uma operação deflagrada nesta quinta-feira (16), que mira a atuação de uma organização criminosa suspeita de fraude de licitações, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro a partir de contratos assinados entre 2020 e 2024 na Prefeitura de Belém.
Procurada pela Folha, a atual gestão municipal não respondeu.
A PF cumpriu 13 mandados de busca e apreensão, afastou 12 servidores e suspendeu três contratos públicos. Segundo a polícia, houve saques em espécie logo após os pagamentos feitos pelo município, o que indica lavagem de dinheiro.
"Também estão sendo investigados os contratos do projeto Mata Fome, contemplado pelo PAC Seleções do governo federal, no valor de R$ 132 milhões, cuja licitação foi suspensa por decisão do Tribunal de Contas dos Municípios [TCM] do Pará em janeiro de 2025", afirmou a PF.
A polícia não informou se o suposto esquema de saques de dinheiro em espécie, envolvendo contratos de R$ 153 milhões assinados entre 2020 e 2024, tem relação direta com as suspeitas relacionadas ao programa do Mata Fome.
Quando o projeto foi apresentado pela Prefeitura de Belém, em maio de 2024, a gestão passada afirmou que a iniciativa era prioritária para a realização da COP30 e contava com R$ 132,7 milhões do PAC Seleções, do governo federal.
Em reunião de transição de governo no fim de 2024, feita entre o então prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL) e o prefeito eleito, Igor Normando (MDB), Edmilson afirmou que o dinheiro do PAC -por meio do Ministério das Cidades- estava assegurado para o programa do Mata Fome, com previsão de drenagem e pavimentação de 41 ruas.
A gestão de Normando, que é primo de segundo grau do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), parou de tratar as intervenções no Mata Fome como iniciativas associadas à realização da COP30. Belém sedia o evento em novembro.
Edmilson afirmou, em nota, que não é investigado e não tem conhecimento dos fatos investigados pela PF.
A Prefeitura de Belém não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a investigação da PF, sobre os contratos vigentes para o Mata Fome, sobre a paralisação das obras nem sobre a associação das intervenções à realização da COP30.
O Ministério das Cidades -comandado por Jader Barbalho Filho (MDB), irmão do governador Helder Barbalho- disse que os recursos para urbanização e qualificação do Mata Fome não foram liberados pela pasta. "A obra não concluiu o processo licitatório", afirmou.
Já a Casa Civil da Presidência, responsável pelo Novo PAC, disse que existem duas ações distintas referentes ao Mata Fome, e que a do Novo PAC está vinculada ao programa Periferia Viva. Mesmo distintas, as duas ações são executadas pelo mesmo ente, a prefeitura, e na mesma região.
"No caso do projeto contemplado pelo PAC Seleções, não houve recurso executado e não houve repasse de recursos.
O contrato está na situação de 'cláusula suspensiva' porque não foram apresentados todos os documentos", afirmou a Casa Civil, em nota.
Em janeiro, o TCM do Pará suspendeu edital de licitação que contrataria a empresa para consultoria e gerenciamento de programa do Mata Fome. Segundo o TCM, havia um "fundado receio de lesão ao interesse público".
A operação da PF, intitulada Óbolo de Caronte, é a terceira investigação -que se tem conhecimento até agora- que envolve contratos relacionados à COP30 e saques de dinheiro em espécie -um indicativo de lavagem de dinheiro.
A polícia investiga um suposto grupo armado, formado por PMs e liderado pelo deputado federal Antonio Doido (MDB-PA), conforme a PF. Esse grupo fez saques de R$ 48,8 milhões em um ano a partir de contas de empresa em nome da mulher de Doido, segundo a investigação. Essa empresa tem contratos voltados à COP30.
Uma outra empresa, suspeita de ser de fachada, foi contratada pelo Governo do Pará para demolições e reconstruções associadas a uma obra da COP30, a extensão da rua da Marinha. A empresa foi usada em contratos fraudulentos, saques em espécie e pagamentos de propina, segundo a PF.