• Home/
  • Notícias/
  • Bahia/
  • Racismo e infância: a importância de trabalhar questões étnico-raciais na educação infantil
Bahia

Racismo e infância: a importância de trabalhar questões étnico-raciais na educação infantil

Escola Maria Felipa abre inscrições para formação pedagógica

Por Ane Catarine Lima
Ás

Racismo e infância: a importância de trabalhar questões étnico-raciais na educação infantil

Foto: Divulgação

Pioneira em oferecer um projeto pedagógico centrado em uma educação antirracista e sob óticas africanas e indígenas, a Escola Afro-Brasileira Maria Felipa, em Salvador, é a única instituição de educação infantil afro-brasileira bilíngue do país. A escola, que nasceu em 2019, tem o objetivo de educar crianças a partir de uma nova perspectiva de valorização das raízes epistemológicas africanas e ameríndias, bem como a estética e cultura destes povos. A inserção da temática étnico-racial na educação infantil visa garantir uma educação que supere o racismo e as desigualdades geradas por ele, principalmente porque no Brasil a maioria das escolas são fundadas e fundamentadas sob uma narrativa europeia e tendem, através de um processo natural baseado no racismo estrutural, a não valorizar as histórias afro-brasileiras resumindo o negro, por exemplo, ao período escravocrata. 

Bárbara Carine, idealizadora e consultora pedagógica da instituição, contou ao Farol da Bahia detalhes sobre  o surgimento da Escolinha Maria Felipa e falou também sobre o impacto do racismo na vida das crianças. Segundo ela, a escola nasceu após ela adotar uma criança e se preocupar com a educação dela. Na busca incessante por uma boa escola para sua filha, Bárbara Carine, uma mulher negra, encontrou locais que não valorizam as raízes africanas e ameríndias. Ao perceber que a escola pautada em uma perspectiva descolonial, que contribuísse para o desenvolvimento humano não só da filha dela, mas de todos as outras crianças, não existia, Bárbara se juntou a outras pessoas, que compartilhavam a mesma necessidade, e se aprofundou em estudos sobre a temática étnico-racial e pedagógica para mais tarde fundar a escola Maria Felipa.

“A escola Maria Felipa surge a partir de uma demanda familiar de educar filhos e filhas. No processo de maternagem para educar Iana, uma menina negra e adotada, a escola Maria Felipa foi pensada e projetada para acolhê-la. Pensamos no quanto crianças negras são tão pouco acolhidas nos espaços escolares em que geralmente observamos a perpetuação de um modelo educacional eurocêntrico. Então, a escola surge nessa perspectiva e se mantém nessa perspectiva. Pensamos em uma escola para as nossas crianças no sentido de educá-las para o mundo e para uma sociedade que preza e valoriza a equidade”, explicou.

Ela disse ainda que os impactos do racismo na infância estão ligados diretamente na constituição subjetiva de cada criança. “Isso significa que impacta no psiquismo. Ou seja, são impactos diretos na construção da personalidade da criança. O racismo tem impacto tanto nas crianças negras como também nas crianças brancas e por isso que a escola Maria Felipa é para todas as crianças, e não unicamente para as crianças negras”, disse Bárbara, que também é professora adjunta do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

“Nós acreditamos que as crianças negras precisam ter uma educação de valorização da sua essência a partir de uma ancestralidade positivada, acessando uma África outra muito diferente daquela estereotipada que nós acessamos, que é destinada e criada para o escravagismo. Nesse sentido, as crianças brancas precisam ser instruídas a constituir a subjetividade não unilateral. Ou seja, que elas não pensem, por exemplo, que somente elas têm ancestrais, reis e rainhas. Além disso, as crianças brancas precisam saber que outras pessoas também podem ocupar espaços de poder. Esse é o impacto de uma educação antirracista na infância. O impacto de uma construção subjetiva saudável e de uma humanidade igualitária. Por isso que a educação da escola Maria Felipa é destinada para todas as crianças, independentemente de constituição étnica”, completou.

De acordo com Bárbara, a educação étnica-racial é importante para as crianças negras e indígenas porque ela possibilita que essas crianças conheçam as suas histórias a partir da narrativa que não é contada pelo opressor. A educação étnica-racial possibilita que crianças negras e indígenas conheçam as suas histórias a partir de sua própria narrativa ancestral. “Essas crianças precisam saber que os povos originários foram os primeiros a habitarem o nosso território e que, diferente do que contam, ele não foi descoberto por europeus. Elas precisam saber que antes já existiam comunidades societárias diversas construindo esse caldeirão cultural que hoje nós chamamos de Brasil. Precisam compreender ainda que a humanidade surge no continente africano e que as primeiras formas de constituição societárias dali surgem. Ou seja, os primeiros reinos, os primeiros impérios, cientistas e filósofos… Enfim, todas as formas de produção de conhecimento se estabelecem primariamente e pioneiramente no continente africano. As crianças precisam saber que as pessoas negras não surgem no mundo para serem escravos e que essa é uma desgraça muito recente da nossa sociedade, uma coisa de quatro séculos”, explicou.

“A educação étnica-racial é importante porque possibilita que essas crianças acessem uma outra história e reconstruam o tempo presente. Além disso, que reconstruam quem nós somos para que coletivamente possamos dar novos passos rumo a uma emancipação social. Então, a gente não quer perpetuar essa lógica do aniquilamento de possibilidades futuras para a vida de pessoas negras pelo genocídio que é múltiplo. É o genocídio objetivo, corpóreo, dos nossos conhecimentos, das nossas matrizes religiosas, da nossa estética e beleza… Nós somos mortos na sociedade de diferentes formas e a educação antirracista vem justamente em um outro sentido que é o de nos tornarmos cada vez mais vivos e potentes socialmente”, completou. 

Para tornar a educação étnica-racial mais abrangente, a Escola Afro-Brasileira Maria Felipa começou a expandir o modelo de educação na modalidade remota para crianças de outras cidades fora do estado e, além disso, oferece cursos de qualificação para professores dentro dessa metodologia. 

 

Formação pedagógica em educação étnica-racial

Terminam neste sábado (26),  as inscrições para o ciclo de formação pedagógica em Educação Infantil para as relações étnico-raciais. O ciclo, que será realizado de 28 a 30 de junho, é voltado para gestores, coordenadores e profissionais da educação. O objetivo da iniciativa é construir coletivamente uma perspectiva de educação emancipadora e diversa, que respeite e possibilite as múltiplas formas de existir. O curso será realizado através do Google Meet e a taxa de inscrição custa R$ 60.

A formação pedagógica em educação étnica-racial iniciou-se em 2019, de forma presencial, na própria escola, e teve a primeira versão online em 2020. Além de trocas de conhecimento, o ciclo pedagógico tem o propósito de levantar recursos financeiros para manutenção da instituição, que também foi prejudicada por esse momento de crise causado pela pandemia.

Programação do ciclo de formação

1° dia: 28/06/21 (segunda-feira)
Tema: “A importância da Literatura Indígena no movimento Indígena”, ministrado pela professora, escritora e ativista indígena Eliane Potiguara.

2° dia: 29/06/21
Tema: Oralidade e Ancestralidade na Escola" ministrado pela professora e escritora Vanda Machado. Horário: 19h às 21h (2h/aula).
3° dia: 30/06/21 (quarta-feira)

Tema: “A Mitologia Africana da Educação Infantil Escolar” ministrado pela professora Giselda Perê. Horário: 19h às 21h (2h/aula).


 

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie:redacao@fbcomunicacao.com.br

Faça seu comentário

Nome é obrigatório
E-mail é obrigatório
E-mail inválido
Comentário é obrigatório
É necessário confirmar que leu e aceita os nossos Termos de Política e Privacidade para continuar.
Comentário enviado com sucesso!
Erro ao enviar comentário. Tente novamente mais tarde.