Editorial

Ramificar e florescer 

Confira a crônica deste domingo (2)

Por Erick Tedesco
Ás

Ramificar e florescer 

Foto: Reprodução

Sylvana Zahirah nasceu em Damasco, capital da Síria, e veio ao Brasil aos três anos de idade. As lembranças de certas datas comemorativas no Oriente já não mais existem, no entanto, a cultura árabe foi devidamente mantida na convivência com os pais, ao mesmo tempo em que se “abrasileirava” com as amigas em brincadeiras na rua e na escola. A adaptação, disse-me um dia numa longa entrevista para um especial sobre cultura árabe no Brasil no século 21, foi rápida e consistente, tanto que, agora, ela sabe falar apenas o árabe corriqueiro, do dia a dia, porque o formal caiu no ostracismo.

Contou-me que aprendi com facilidade na convivência com as amigas e, no comércio do pai, era  quem o ajudava na negociação com os clientes, traduzindo a intermediação. Desde que imigrou ao Brasil, a analista financeira nunca voltou ao país de origem. Explicou que viajar para lá caro aos bolsos quando jovem, e hoje, apesar de ter condições financeiras, compromissos profissionais dificultam a sonhada ida para, como falou, “conhecer minhas raízes”. 

Salvador foi o terceiro e definitivo destino da síria – de pai libanês – em terras brasileiras. Antes, moraram em São Paulo, capital, e por pouco tempo se estabeleceram em Recife. A mudança à capital baiana aconteceu em outubro de 1971, quando ela tinha 15 anos. Após a separação dos pais, conviveu apenas com o pai e a mãe reside atualmente na Jordânia. 

O mundo árabe ficou a léguas de distância da Bahia, mas os costumes sírio-libaneses permaneceram presentes, como no modo em que celebram algumas datas de caráter religiosos. Ela e a família são católicos ortodoxos, da Igreja Ortodoxa, “a primeira igreja cristã do mundo”, como ressaltou diversas vezes.

Ela aponta alguns vasos no canto da sala, são adornos cujo simbolismo valem mais do que o valor estético (eram peças coloridas e chamativas). São presentes que a mãe trouxe da Síria. É ali, ao redor dos vasos, que se montam o presépio, na época do Natal, e acontecem alguns ritos para celebrar a cultura árabe, como a troca de presentes no Dia de Reis Magos (6 de janeiro). 

O véu, um item do vestuário feminino tão intrínseco ao Oriente Médio, é devidamente guardado com carinho por Sylvana. Tem um na sala, outro no quarto e até mesmo no quarto da filha, como uma forma de manter a mãe (que ainda usa o véu na Jordânia), mesmo que subjetivamente, sempre presente em seu lar. Ela, mesmo, nunca usou. 

A aura religiosa da data, no entanto, é mais importante para os árabes do que os enfeites, e para tudo se tem uma explicação, uma razão e uma comemoração. Nem mesmo a noção de tempo da Bahia e os ventos de Salvador mudaram ou afrouxaram as intenções dos Zahirahs em celebrar tradições da Ásia Ocidental. O importante, ela ressalta, é o carinho pelo passado e pela cultura que a moldou, para seguir em frente por outras perspetivas e, neste caminho, ramificar, fazer florescer entre o novo e as tradições.

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