Editorial

Refletir e rir 

Confira a crônica desse domingo

Por Erick Tedesco
Ás

Refletir e rir 

Foto: Reprodução

Poucas coisas na década de 1970 eram engraçadas, período histórico com caráter mais revolucionário do que gozador, apesar de emblemáticos movimentos com enfoque na comicidade inteligente que se consolidaram naqueles anos. São exemplos a criação de salões de humor pelo Brasil, o sucesso mundial do rock energético e positivo de Os Mutantes (desde meados da década de 1960 ativos no combate ao conservadorismo), ou ainda a pulverização mundial do humor ranzinza, irônico, um tanto sujo e realista do americano Robert Crumb. 

Os ‘setenta’ foram tão carrancudos que o bacana da época era dar risada do comum e amar a pátria acima de tudo e estufar o peito para falar do progresso, mas nada saber ou, como um bobo, desconversar sobre torturas e o assalto à democracia. A junta militar, à época no comando do Brasil, já advertia: rir do País não é um bom remédio.

Inclui-se neste cenário, numa perspectiva global, acreditar que mundo estava mesmo dividido entre capitalistas e comunistas, estes, camaradas do cubano Fidel Castro ou do russo Leonid Brejnev, inclusive comiam criancinhas, diziam por aí. 

Ano após ano, discute-se se o golpe militar em 1964 não fora uma intervenção ‘necessária’ que impediu do Brasil de virar a Cuba dos Trópicos, mas a única verdade – nesta corrente historiográfica é que foram-se os anos de chumbo, a repressão, as caras fechadas e, o que sobrou, foi a piada. 

No exercício de olhar à micro-história para entender o macro, como adorava fazer o historiador italiano Carlo Ginzburg, estamos de volta à década de 1970, sob a ótica do artista gráfico de Fortaleza (Ceará), Hermógenes Gomes, conhecido como Hermó, que produziu uma charge sobre o caos da corrida armamentista, uma ‘lei’ da Guerra Fria, ou o isolamento do homem já em colapso na tentativa de defender seu mundinho - crítica eternamente pertinente.
 
Foi feliz, também, em incluir um até então incipiente alerta pelo zelo ao meio ambiente, ilustrado pelo ‘vizinho’, feliz no seu minúsculo, porém aparentemente saudável planetinha. Talvez estivesse num horizonte distante para o senhor Bélico enxergar a contradição, do chão à feição. A questão ambiental é, hoje, indiscutivelmente séria. 

A síntese de Hermó, numa década tão marcante para a história brasileira e de todo o mundo, revela que censura ou interesse político algum deve coibir o homem de exprimir o engraçado de situações conflituosas, feias e mal humoradas. Rir, que seja da desgraça, pode não ser a solução, mas é um funcional escape que ajuda a entender e lidar melhor com os equívocos que ronda a existência.

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