Rússia cobra Brasil por mais apoio na Guerra da Ucrânia
Chanceler russo pediu a Celso Amorim mais "compreensão acerca das causas fundamentais" do conflito

Foto: Ricardo Stuckert/PR
O chanceler da Rússia, Serguei Lavrov, cobrou mais apoio do Brasil no contexto das negociações para encerrar a Guerra da Ucrânia.
O russo pediu ao assessor presidencial Celso Amorim mais "compreensão acerca das causas fundamentais" do conflito, ou seja, a visão de Moscou dos fatos que levaram à invasão de 2022.
Os diplomatas se reuniram na quarta (28) em Moscou, às margens de um encontro internacional para debater assuntos de segurança que ocorre todos os anos, cujo foco agora foi em ações cibernéticas.
Segundo pessoas próximas da diplomacia russa relataram, a reunião foi cordial, mas a cobrança chamou a atenção dos presentes, já que o Brasil é um dos países neutros no conflito que é visto como um aliado pelo Kremlin.
Prova disso ocorreu há três semanas, quando o presidente Lula (PT) juntou-se ao líder chinês, Xi Jinping, e um punhado de clientes autocráticos ou ditadores de Moscou para celebrar os 80 anos da vitória soviética na Segunda Guerra Mundial ao lado de Vladimir Putin.
A visita valeu uma coleção de crítica a Lula, que deu de ombros alegando que sua função é falar com todos os envolvidos. O governo de Volodimir Zelenski, como seria previsível, discordou e atacou a posição brasileira.
Amorim lembrou da posição de neutralidade do país, que condenou a invasão em duas votações na ONU, mas condena as sanções ocidentais contra o Kremlin. A Folha tentou falar com o assessor presidencial, mas ele estava em voo nesta quinta (29).
Tal postura condiz com a tradição do Itamaraty, que preza diálogo e interesses nacionais: os russos, que já eram importantes fornecedores de fertilizantes, passaram a ser os maiores vendedores de óleo diesel ao Brasil.
Isso está ameaçado desde o começo do ano pelo recrudescimento das sanções contra a frota de navios de bandeiras diversas que transporta produtos russos. Até aqui, não há relato contudo de empresas brasileiras punidas de forma indireta por fazer negócio com Moscou.
Segundo a chancelaria russa disse em nota, as conversas foram "francas e substanciais". Amorim também se encontrou com o enviado de Teerã ao encontro na capital russa, o secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã, Ali Akbar Ahmadian.
A questão das ditas causas fundamentais da guerra é cara a Putin, e o russo conseguiu convencer o principal ator do enredo, o americano Donald Trump, de boa parte de sua visão do conflito.
Para Moscou, a invasão foi necessária após o Ocidente ignorar o ultimato dado pelo Kremlin em 2021, que exigia a neutralidade militar de Kiev e a proteção das populações russófonas no leste do país. Para Zelenski, isso é apenas desculpa para retomar o controle de fato sobre o país, como nos tempos soviéticos.
Os russos apontam para a derrubada do governo pró-Moscou em Kiev, em 2014, como marco das hostilidades. Com efeito, naquele ano o Kremlin promoveu a anexação da Crimeia, território russo até 1954, e promoveu a guerra civil de separatistas no Donbass (leste).
Zelenski e seus aliados denunciam isso como imperialismo. Os Estados Unidos mudaram esse entendimento com a volta de Trump ao poder, mas o desejo do presidente de acabar com o conflito tem esbarrado na realidade.
Ele reatou os contatos diretos com Putin, mas tem mostrado impaciência devido à redobrada aposta militar russa, com mega-ataques aéreos e ameaça de uma grande ofensiva. Chegou a admitir que pode estar sendo enrolado pelo russo na quarta (28), mas na prática ainda joga de acordo com o ritmo ditado em Moscou.
O próximo capítulo da novela foi marcado por Lavrov para a segunda (2), quando Istambul pode ser palco da segunda rodada de negociações diretas entre os rivais. Kiev está reticente e exige que Moscou apresente o memorando com seus termos para um acordo de paz em público antes do encontro.
Como os russos se negam a fazer isso, nesta quinta a chancelaria em Kiev disse que tudo indica que suas demandas são irrealistas. Putin já deu seu cardápio mínimo: absorção das quatro áreas que anexou ilegalmente em 2022 e neutralidade militar de Kiev. Zelenski sabe que irá perder terra, mas não há consenso sobre quanto e como.
Com isso, mesmo a reunião de segunda é incerta. A Suíça, que sediou uma cúpula de paz fracassada no ano passado, fez uma oferta de novo encontro, agora em Genebra e com a presença da Rússia, segundo pessoas com conhecimento do assunto.
Os russos não gostaram da proposta por não engolir a reunião de 2024, baseada em um grupo de aliados da Ucrânia, os poucos países não alinhados presentes discordaram do texto final.