Santa Dulce dos Pobres: um legado de amor e fé que permanece encantando os baianos
Neste 13 de agosto, relembre a história daquela que marcou, para sempre, o coração não só dos baianos, mas de todo brasileiro
Foto: Divulgação/OSID
Ela abriu mão da sua própria vida para acolher os mais pobres, enfrentou e superou as mais diversas dificuldades para trazer um pouco de paz e amor para quem mais necessitava. Essa poderia ser muito bem a história de alguma heroína fictícia, mas é a história real de Irmã Dulce, a freira, de fragilidade tão aparente e voz trêmula, que tornou-se a Santa Dulce dos Pobres, a primeira santa nascida no Brasil.
Tudo isso fez com que, neste dia 13 de agosto, a Igreja Católica celebre o Dia Nacional de Santa Dulce dos Pobres. A data foi escolhida porque 13 de agosto já é tradicionalmente um dia de homenagens à Irmã Dulce por todo o estado da Bahia. Além disso, foi nesta data, em 1933, que Irmã Dulce fez sua profissão de fé e votos perpétuos, tomando o hábito de freira na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus.
Diante de sua vocação e missão, Irmã Dulce construiu um grande legado: fundou cinemas, albergues, obras sociais, colégios, hospitais, entre outras iniciativas para a população carente da Bahia. A santa dos pobres costumava andar pelas ruas de Salvador em busca de doações para as crianças, doentes e necessitados. É tanta coisa que precisamos voltar um pouco no tempo, para entender como tudo isso começou.
Uma história de amor e fé
Nascida em Salvador no dia 26 de maio de 1914, o "Anjo Bom da Bahia", como também era conhecida Irmã Dulce, foi batizada como Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes. Segunda filha do dentista Augusto Lopes Pontes e de Dulce Maria de Souza Brito, desde jovem já demonstrava inclinação à vida religiosa e ao auxílio dos pobres.
Já aos 13 anos, a pequena Maria dividia a sua vida entre brincar na rua e ajudar pessoas necessitadas que perambulavam na região onde residia. Era no próprio portão de casa que ela passou a atender doentes e pessoas em situação de rua. O local, que mais tarde ficaria conhecido como "A portaria de São Francisco", foi o início da história de compaixão e generosidade de Irmã Dulce.
Em 1933, aos 18 anos, foi aceita como noviça na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, no Convento de Nossa Senhora do Carmo em São Cristóvão, no estado de Sergipe. No mesmo ano, recebeu o hábito e adotou, em homenagem à sua mãe, o nome de Irmã Dulce.
Foi nesse período que Dulce conheceu a Irmã Olívia, pessoa que viria a ser o seu braço mais forte em seus últimos dias de vida. A Irmã Olívia, que está há quase 50 anos na Congregação, foi uma das pessoas mais próximas da beata e relembra alguns momentos durante a época em que as duas conviviam juntas: "Irmã Dulce transmitia muita paz, compaixão, misericórdia e amor pelas pessoas. Ela sempre tratava os enfermos como se fossem filhos dela. Todos que a conheciam só queriam ficar ao seu lado. Era uma verdadeira mulher de Deus", recorda a freira.
Para ela, o tempo ao lado de Irmã Dulce foi um dos mais marcantes que teve até hoje. "Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que o maior presente que já recebi em toda a minha vida foi a graça de ter convivido com Irmã Dulce", completa ela, que faz questão de enaltecer a figura da santa.
Quem também tem histórias de Santa Dulce dos Pobres para contar é o coordenador de Recursos Humanos das OSID, Raimundo José Araújo. Ele foi uma das pessoas que tiveram a sorte de ter a vida transformada pelas ações da religiosa.
Os caminhos dos dois se cruzaram depois que Raimundo ficou órfão, em 1977, após a morte da sua mãe. Ele ingressou, aos 10 anos, no Orfanato de Irmã Dulce, que atualmente leva o nome de Centro Educacional Santo Antônio. "Eu costumo dizer que Irmã Dulce era três em uma: mãe, religiosa e gestora", conta ele, reconhecendo que, apesar de todas as dificuldades, Dulce nunca deixava faltar nada para as crianças que ali moravam.
Quando completou 18 anos, Raimundo foi convidado para trabalhar nas OSID. Começou como monitor e hoje assume o cargo de coordenador de RH da entidade. "Trabalhar nas OSID é uma honra para mim, ainda mais na posição que ocupo. Aqui, eu preciso cuidar daqueles que também cuidam. Não existe sensação mais prazerosa do que poder passar o legado de amar e servir, tão presente na vida de Irmã Dulce", finaliza.
O início das Obras Sociais Irmã Dulce
Após se tornar freira, Dulce retorna para à Bahia, onde começa a construir uma das histórias mais lindas já vistas pelo povo desta terra. A freira chegou a invadir casas e barracões abandonados que funcionavam como verdadeiros abrigos de sem-teto doentes ou famílias que viviam em situação de risco.
Em 1935, Irmã Dulce passa a oferecer assistência à comunidade carente dos Alagados, região que possuía diversas casas de palafitas no bairro de Itapagipe. Além de começar a atender os operários, que eram numerosos naquele bairro, criou um posto médico na região. Na época, a beata passou a ser chamada também de Anjo dos Alagados.
Poucos anos depois, em 1 de maio de 1939, ela inaugura o Colégio Santo Antônio, no bairro de Massaranduba, para que operários e seus filhos possam ter uma educação de qualidade. Na época, a instituição era capaz de atender cerca de 300 crianças no turno matutino e 300 adultos à noite.
Um episódio, em especial, se destaca na vida de Irmã Dulce: em 1949, sem ter onde abrigar cerca de 70 pessoas doentes que recolhia das ruas, a futura santa transformou o galinheiro do convento de Santo Antônio em um abrigo. O lugar, em 1983, se transformou no Hospital Santo Antônio, um dos maiores do Nordeste brasileiro. 20 anos depois, já em 1959, foi estabelecida oficialmente a Associação Obras Sociais Irmã Dulce e, no ano seguinte, foi inaugurado o Albergue Santo Antônio.
Ao longo da sua vida, Irmã Dulce recebeu, em Salvador, visitas de personalidades importantes. Em 1988, por exemplo, o então presidente da República, José Sarney, fez uma visita. Ele aproveitou a ocasião para, ao lado da Rainha Sílvia da Suécia, indicar Dulce para o Prêmio Nobel da Paz. Já em 1991, recebe no seu leito de enferma, a visita do Papa João Paulo II, pela última vez.
Numa sexta-feira, em 13 de março, o Anjo Bom da Bahia morre, aos 77 anos, no Convento Santo Antônio, após lutar pela vida por cerca de 16 meses. Em 15 de março, é sepultada no altar do Santo Cristo, na Basílica de Nossa Senhora da Conceição da Praia, na Cidade Baixa.
Os problemas e as dificuldades enfrentadas por Irmã Dulce nunca a fizeram desistir, muito menos desanimar com o trabalho realizado. Os mais próximos afirmam que todas as adversidades pareciam dar ainda mais força ao Anjo Bom Da Bahia. “Ela era uma pessoa que tinha muita esperança e fé em Deus. Sabia que nada iria faltar”, conta Irmã Olívia.
Os efeitos da canonização
Em 2009, Irmã Dulce foi considerada venerável, uma das etapas que antecedem a canonização. Pouco tempo depois, em 2011, foi beatificada. Àquela altura, só faltavam as comprovações de milagres atribuídos à ela para que a canonização se tornasse uma realidade. E elas vieram.
O primeiro deles foi a cura de Claudia Cristina dos Santos, que teve hemorragia após dar à luz ao filho, em 2001. Em estado gravíssimo, recebeu a visita de um padre devoto de Dulce e se curou durante orações a ela. O ato divino foi reconhecido pelo Vaticano nove anos depois, em 2010.
O segundo milagre aconteceu em 2014, com o músico José Maurício Moreira. Naquele ano, ele voltou a enxergar depois de 14 anos, logo após pedir a intervenção do Anjo Bom da Bahia. Com este segundo caso, Dulce estava apta a ser canonizada, o que aconteceu em 13 de agosto de 2019.
A canonização de Irmã Dulce trouxe diversos impactos para a Bahia. Ela possibilitou uma maior visibilidade para o estado, principalmente por conta do turismo religioso, que favorece, inclusive, a economia local. Tudo isso aproximou ainda mais os admiradores da freira ao catolicismo, além de reacender a fé de milhares de baianos. As OSID também foram impactadas, já que a sua importância foi ainda mais evidenciada.
O desejo de todos agora é que o Anjo Bom da Bahia continue a cuidar daqueles que mais precisam, com a mesma dedicação e altruísmo que ela demonstrou ao longo de quase um século.