Servidores federais estão na lista de foragidos da Justiça e não são detidos
Nove servidores federais entre 149 mil caçados pela Justiça com mandados de prisão em aberto, de acordo com banco de dados oficial

Foto: Gil Ferreira/CNJ
Ao menos oito servidores públicos federais são caçados pela Justiça há alguns meses, porém não são detidos. É o que revela um levantamento exclusivo do Portal g1, divulgado nesta sexta-feira (14), a partir da análise de 149 mil mandados de prisão. Para especialistas, possuir procurados no serviço público revela que o país encara inexatidões na gestão de informações.
A pesquisa examinou cerca de metade dos 326 mil mandados de prisão existentes no Brasil. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que possui os dados de todos os mandados, comunicou que não poderia oferecer detalhes dos 180 mil mandados que faltavam.
Os dados revelam que são caçados:
• Um vigilante da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), sentenciado por estupro de vulnerável. Ele é caçado desde novembro para cumprir a condenação de 12 anos de reclusão.
• Um assistente de administração do Instituto Federal de Rondônia (IFRO), procurado desde novembro para cumprir a pena de sete meses de reclusão em regime semiaberto por embriaguez ao volante.
• Um agente ambiental do Parque Nacional do Cabo Orange, no Amapá, que é procurado desde maio para cumprir a pena de um mês de prisão em semiaberto por ameaçar a ex-mulher.
• Um auxiliar operacional que trabalha na Secretaria de Gestão Estratégica do Governo de Roraima, alvo desde setembro de um mandado de prisão preventiva numa apuração sobre estupro de vulnerável. Ele ainda não foi a julgamento.
• Outros quatro servidores também são focos de mandados de prisão pelo não pagamento de pensão alimentícia.
Além deles, o g1 ainda achou um agente de portaria de uma escola do Amapá que, desde 2019, era procurado em uma apuração sobre furto qualificado. Na quarta-feira (12), o homem foi detido. Ele também não foi julgado.
Segundo especialistas, há 'amadorismo' e 'falta de integração' na gestão pública
Para Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o problema no cumprimento de mandados de prisão contra servidores mostra erros na administração de informações pelo Poder Público brasileiro.
"Isso é uma amostra da dificuldade, do amadorismo com que a gente lida [com casos de pessoas procuradas pela Justiça]. Estamos na era digital, falando de inteligência artificial, enquanto o Estado brasileiro ainda é analógico na sua gestão de informações", declarou. “Existe um descompasso gritante entre o que se tem de tecnologia e de possibilidade de gestão de dados hoje, e aquilo que a gente entrega para o cidadão. Não é razoável você supor que uma pessoa que está sendo procurada pela Justiça está trabalhando em uma repartição pública."
O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Rodolfo Laterza, afirma que "causa absoluta perplexidade que essas pessoas sigam trabalhando, já que possuem endereço fixo e poderiam ser capturadas, com o cumprimento da ordem judicial".
De acordo com Laterza, a falha acontece de dificuldades na comunicação entre os órgãos.
"A integração das plataformas de bancos de dados entre o Poder Executivo [responsável pelas polícias] e o Judiciário [pelos mandados de prisão] enfrenta sérios problemas de execução. Para se ter uma ideia, intimações policiais frequentemente chegam com atraso porque passam por vários setores antes de chegarem ao destinatário correto. Em alguns casos, o Judiciário até envia para o órgão errado."
O CNJ, encarregado pela gestão do Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), comunicou que preserva uma decisão que autoriza o acesso integral dos mandados com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
De acordo com o CNJ, compete ao Ministério da Justiça entregar os dados do BNMP para todos os órgãos de segurança pública do Brasil.
Conheça quem são os servidores procurados e os crimes:
Vigilante de universidade de Mato Grosso foi sentenciado por estupro de vulnerável.
Vigilante da Secretaria de Infraestrutura do Campus da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) desde 2005, Carlos Jose de Figueiredo foi sentenciado por abusar de duas vítimas em diversas vezes.
Desde novembro do ano passado ele é procurado para cumprir uma pena de 12 anos de detenção em regime fechado.
Auxiliar no governo de Roraima é apurado por estupro de vulnerável
Ivanildo Costa de Souza é funcionário federal desde 1984, e trabalha desde 1991 como auxiliar operacional de serviços diversos na Secretaria de Gestão Estratégica e Administração do Estado de Roraima, em Boa Vista.
Em setembro do ano passado, o Tribunal de Justiça de Roraima emitiu um mandado de prisão preventiva contra Souza, num inquérito em que ele é suspeito de estupro de vulnerável. De acordo com o mandado, o intuito é "evitar que novos crimes sejam praticados".
A partir de então, ele não foi mais ao local de trabalho, de acordo com colegas e o próprio órgão. Um processo administrativo disciplinar foi iniciado para analisar o caso.
O Tribunal de Justiça de Roraima e a vara criminal comunicaram que o mandado continua vigente.
Francineive Caldas da Silva é funcionário federal, e trabalha desde dezembro de 2023 como agente de portaria em uma escola municipal de Calçoene (AP). Desde 2019, ele é foco de um mandado de prisão preventiva por aparentemente estar envolvido em um furto qualificado.
De acordo com o processo, Silva e outros três homens teriam transportado oito animais de grande porte de uma fazenda em Cutias (AP), a 354 km de Calçoene. O caso ainda não foi julgado, contudo, ele ainda não foi condenado ou absolvido.
A Prefeitura de Calçoene comunicou que não possuía conhecimento da sentença. O Ministério da Gestão e Inovação, que é o novo encarregado pelo contrato do servidor, salientou que as certidões criminais de Silva estão sem nenhum apontamento de crimes, e que iria procurar detalhes sobre o processo que procedeu na prisão.
Agente do ICMBio no Amapá foi sentenciado por ameaça
Agente temporário do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no Parque Nacional do Cabo Orange (AP) desde setembro de 2023, Orleans Silva Morais foi sentenciado a um mês de detenção em regime semiaberto pelo crime de ameaça, depois de ter ameaçado cortar a ex-mulher em 2019.
No regime semiaberto, o preso dorme na prisão, porém pode deixar a prisão de dia para trabalhar ou estudar.
O mandado foi expedido em maio do ano passado e, de acordo com a Vara de Execução Penal de Macapá, continua em vigor.
O advogado de Morais, José Reinaldo Soares, declara desconhecer o mandado de prisão.
Assistente de instituto federal de Rondônia foi sentenciado por conduzir bêbado
Assistente de administração no Instituto Federal de Rondônia (IFRO) desde 2011, Alecsandro de Góes Guedes foi sentenciado, em novembro do ano passado, a sete meses e 25 dias de prisão em regime semiaberto por conduzir embriagado.
A Vara de Execuções Penais de Porto Velho afirmou que o mandado contra Guedes continua ativo. O Tribunal de Justiça de Rondônia não falou sobre o caso.