Tarifas fazem de Alckmin principal canal de Trump com Lula
Como ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o vice-presidente iniciou em fevereiro, logo após a posse de Trump, um trabalho de contato direto com o USTR

Foto: José Cruz/Agência Brasil | Alan Santos/PR | Paulo Pinto/Agência Brasil
Desde que os primeiros disparos da guerra tarifária de Donald Trump foram dados pela Casa Branca, chamou a atenção o fato de o Brasil ter sido relativa e momentaneamente poupado do grosso da contestada artilharia, reagindo com um comedimento que não se esperava do governo Lula (PT).
No centro dessa operação equilibrista está Geraldo Alckmin (PSB), na condição de principal interlocutor da Casa Branca na administração petista, segundo relato feito à reportagem por pessoas com conhecimento das tratativas entre os dois países.
Como ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o vice-presidente iniciou em fevereiro, logo após a posse de Trump, um trabalho de contato direto com o USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA, na sigla inglesa) e o Departamento do Comércio americano.
Foi o primeiro país do mundo a fazê-lo de forma sistemática, o que levou a um nível de comunicação alto: já houve ao menos seis reuniões diretas entre autoridades sobre os temas, no Brasil, nos EUA e por videoconferência, além de contatos eventuais.
Quando Trump deu na semana passada a primeira salva de sua guerra global, ainda que focada primariamente na China, o Brasil acabou ficando de fora da lista de países mais afetados caindo na tábula rasa dos 10%, o piso da sobretaxa a importados prometida pelo americano.
Ao longo da crise, o governo brasileiro manteve as críticas em banho-maria, fazendo jus à fama de conciliador discreto de Alckmin que, quando governador paulista, ganhou o apelido de "picolé de chuchu".
O recuo de Trump, que congelou por 90 dias a aplicação das tarifas exceto para a China, com quem continua disputando um truco diário de elevação de alíquotas, também reforçou a posição de Brasília que acredita que o americano pode amainar seu ímpeto na disputa.
Até aqui, Alckmin falou pontualmente, criticando as tarifas, mas sempre destacando a boa relação com os americanos. Coube a Lula, cujo antagonismo com Trump é quase automático dada a proximidade do grupo político do americano com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sua família, falar mais grosso.
Ainda assim, o fez naquilo que o Itamaraty chama de "modo Lula", ou seja, no improviso. "Eu acho que não vai dar certo. Ninguém brinca que o mundo não existe, com quase 200 países. Ninguém esquece que todos os países têm soberania", afirmou na terça (8) a empresários de construção civil.
Dada retórica esquerdista adotada pelo petista no seu terceiro mandato, tais frases são precificadas. Um diplomata notou que Trump, após ter dito que os EUA não precisavam do Brasil na largada do governo, nunca atacou Lula diretamente.
Por óbvio, é um equilíbrio volátil. Um ponto central é a relação do Brasil com a China, país que é o alvo central do americano na crise. Nesta sexta, Alckmin e seu par comercial em Pequim mantiveram o fogo baixo, defendendo apenas o reforço da moribunda OMC (Organização Mundial do Comércio).
Mas Lula estará com o líder chinês, Xi Jinping, em Pequim no dia 13 de maio, após ter dividido palanque com ele e Vladimir Putin nas celebrações dos 80 anos da derrota nazista na Segunda Guerra Mundial, em Moscou. A chance de a retórica escalar é razoável.
Até aqui, contudo, mesmo as sinalizações de reação do Brasil, com queixas à OMC, não são incisivas. O ministro Fernando Haddad (Fazenda), que não está no centro das conversas com os EUA como Alckmin, já disse que é melhor esperar para ver se "a poeira abaixa".
A expectativa entre negociadores brasileiros é de que tudo esteja resolvido até o fim do ano, e talvez até a taxa básica de 10% de Trump possa acabar diluída com exceções a alguns setores, como ocorreu no primeiro mandato do republicano na Casa Branca, de 2017 a 2021.
A Folha procurou Alckmin para comentar o cenário, mas ele não se manifestou. A reportagem não conseguiu contato com o USTR, que comanda as negociações pelo lado americano o Departamento de Estado, diferentemente do Itamaraty, não está envolvido nelas.
Enquanto isso, os americanos tentam promover uma agenda econômica positiva. Uma comitiva com representantes de 90 empresas do país esteve no Brasil na semana passada para prospectar negócios, e uma delegação grande de brasileiros irá em maio participar da principal feia de investimentos nos EUA, a SelectUSA, em Washington.
Os EUA são o país com mais investimento estrangeiro direto no Brasil, quase 30% do estoque total, e se mantém em segundo lugar como principal parceiro comercial, atrás da China.