Tentativa de flexibilizar Lei da Ficha Limpa coloca em risco a democracia e o combate à corrupção no Brasil
Advogado e professor Jarleno Oliveira Jr. alerta para ciclo de oportunismo na legislação brasileira

Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Desde o retorno das atividades na Câmara após o recesso parlamentar, deputados de oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se movimentam para dar celeridade a pautas importantes para a direita. Entre elas, está o projeto de lei que visa enfraquecer a Lei da Ficha Limpa.
A proposta é de autoria do deputado Bibo Nunes (PL-RS) e reduz de oito para dois anos o prazo de inelegibilidade para políticos condenados por crimes como corrupção e abuso de poder, tornando sem efeito penas impostas pela Justiça Eleitoral.
Isso porque, atualmente, o prazo de inelegibilidade começa a contar a partir da data da eleição na qual o crime foi cometido. Se o projeto for aprovado, portanto, um político condenado por corrupção eleitoral nas eleições de 2024 já poderia concorrer novamente em 2026.
A pressão para que esse projeto seja pautado cresce em decorrência da proximidade do julgamento da trama golpista na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) réu no caso.
Além disso, reforça o modus operandi de como políticos tentam moldar a legislação brasileira por conveniência. Neste caso, bolsonaristas tentam reduzir o prazo de inelegibilidade em uma tentativa de beneficiar Bolsonaro, que já está impedido de disputar eleições até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em entrevista ao Farol da Bahia, o advogado e professor de direito Jarleno Oliveira Júnior afirmou que a Lei da Ficha Limpa já foi defendida e criticada tanto por políticos de direita quanto de esquerda. Isso, segundo ele, evidencia um oportunismo na legislação.
"Infelizmente, a forma de fazer e modificar leis no Brasil é muito oportunista. Nem sempre se pensa no melhor para o país, mas sim no que é mais conveniente para o político que, naquele momento, está no poder ou tentando retornar a ele”, afirmou.
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O especialista também ressaltou que a lei está em vigor há 15 anos no país e que essa busca por interesses próprios ofusca o propósito de usá-la como ferramenta de combate à corrupção.
"Esse é o maior problema. Não é possível que se tenha esse pensamento: ‘para beneficiar o meu político de estimação, eu vou fragilizar uma ferramenta de combate à corrupção’”, reforçou.
Risco para a democracia
Um levantamento da CNN Brasil aponta que, entre 2014 e 2024, a Lei da Ficha Limpa barrou quase 5 mil candidaturas, o equivalente a 8% dos aproximadamente 60 mil políticos que tentaram concorrer a cargos eletivos no período.
Diante desse cenário, Jarleno Oliveira reforçou a importância da lei e alertou que a tentativa de enfraquecê-la representa um risco para a democracia.
“A Lei da Ficha Limpa foi um avanço para garantir probidade às instituições. É um avanço na proteção do nosso sistema democrático e é uma pena que hoje se pense em criar relativizações para uma legislação que já está consolidada”, lamentou.
"Quem defende essa flexibilização não está pensando na proteção do bem público. Isso representa um risco para a democracia, pois permite que pessoas já condenadas por corrupção retornem ao cenário político e ao ambiente que já lesaram", completou.
Se o projeto de Bibo Nunes for aprovado, Bolsonaro ficará elegível?
Ainda que a proposta de Bibo Nunes avance na Câmara, Bolsonaro pode continuar inelegível caso seja condenado em outros processos, como os que investigam a participação dele na tentativa de golpe de Estado.
Isso porque, em caso de condenação criminal nos termos da Ficha Limpa, a sanção de oito anos de inelegibilidade só começa a contar após o cumprimento da pena. Nesse cenário, a proposta de Bibo Nunes não teria impacto no caso do ex-presidente.
Na terça-feira (18), a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou Bolsonaro e outras 33 pessoas ao Supremo Tribunal Federal (STF). Caso a denúncia seja aceita, ele se tornará réu e responderá a um processo penal.
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